SÁBADO

Irene Papas (1929-2022)

-

A atriz grega foi heroína trágica, grande amiga de Anthony Quinn e musa de Manoel de Oliveira. Diagnostic­ada com Alzheimer, morreu no dia 14 de setembro, aos 96 anos

N “unca quis fazer papéis sensaciona­is ou de mulheres desejáveis. Só queria interpreta­r-me a mim mesma… a lutadora independen­te”, dizia Irene Papas, que sempre pôs os seus ideais à frente da carreira, escolhendo os trabalhos pela consistênc­ia dos guiões e nunca pelo salário ou pelas promessas de popularida­de. Por isso – e pelo seu talento – tornou-se uma das atrizes mais respeitada­s do século XX.

Filha de uma professora primária e de um professor de teatro, Eiríni Lelékou nasceu a 3 de setembro de 1926, em Chilimodio­n, na região grega do Peloponeso, e aos 12 anos foi estudar representa­ção e canto em Atenas. Casou-se jovem, em 1947, com o ator Alkis Papas, e divorciou-se quatro anos depois, mas manteve o seu apelido. Voltou a subir ao altar em 1957, com o produtor José Kohn, mas pediu a anulação do casamento dias depois. Prezava demasiado a liberdade para se subjugar a um homem e não tornou a casar nem teve filhos.

Estreou-se no cinema em 1948, no filme grego Hamenoi Angeloi, e deu nas vistas em 1953, na produção franco-italiana Painéis da Vida, antes de protagoniz­ar Teodora, Imperatriz de Bizâncio e Átila, onde contraceno­u pela primeira de seis vezes com Anthony Quinn, de quem se tornou grande amiga. Foi então que Elia Kazan, o aclamado autor de Um Elétrico Chamado Desejo, a quis levar para Hollywood. Não correu bem: ela recusou-se a posar para fotos ao estilo pin-up, torceu o nariz aos guiões e entrou em contenda política com o realizador, que havia traído vários colegas na “caça às bruxas” de McCarthy.

Ainda entrou em Honra a Um Homem Mau, com James Cagney, em 1956, mas logo regressou à Europa, para ser Bouboulina, a heroína da independên­cia grega, em 1959. Hollywood não desistiu dela: o realizador J. Lee Thompson arranjou maneira de rodar Os Canhões de Navarone em Inglaterra, para que ela entrasse nele – ao lado de Anthony Quinn. Nomeado para seis Óscares, não convenceu Papas a afastar-se das produções mais eruditas da sua Europa: de seguida interpreto­u duas heroínas da tragédia grega,

EM 1967, MANIFESTOU-SE CONTRA A DITADURA MILITAR GREGA E IA PERDENDO A CIDADANIA

em Antígona e em Electra, Palma de Ouro em Cannes e o primeiro encontro com o cineasta grego Michael Cacoyannis, que viria a juntá-la novamente a Quinn em Zorba, o Grego,

nomeado para sete Óscares. Hollywood não parava de namorar Irene, mas ela preferiu trabalhar na Alemanha, em Itália e Espanha antes de fazer par romântico com Kirk Douglas em Dois Irmãos Sicilianos,

de 1968, e outra vez com Quinn, em

Um Sonho de Reis, de 1969. E foi europeu o seu sucesso seguinte: Z

– A Orgia do Poder ganhou o Óscar de Melhor Filme Estrangeir­o de 1970, mas o autor, o seu conterrâne­o Costa-Gavras, não pôde ir recebê-lo porque não lhe deram visto devido à sua ligação ao Partido Comunista – de que Irene, antagonist­a da ditadura militar grega (o que quase lhe custou a cidadania), era também militante. Fluente em grego, inglês, francês e italiano, voltou a contracena­r com Quinn numa curta e nos épicos Maomé – O Mensageiro de Deus (1976) e O Leão do Deserto (1980), gravou canções tradiciona­is (Odes e Rapsodies) e foi dirigida por Manoel de Oliveira em Party (1996), Inquietude (1998) e Um Filme Falado (2003). ●

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal