SÁBADO

A LAGARTIXA E O JACARÉ

É deprimente assistir às filas de pessoas que se vê que são pobres a comprarem jogo, ou a perguntar se lhes saiu alguma coisa, patrocinad­a pelas melhores causas do mundo e arredores e pelas mais santas das instituiçõ­es

- Professor José Pacheco Pereira Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

Necrofilia política

Parece que finalmente o caixão da Rainha vai descansar do passeio e da exibição póstuma despudorad­a a que o corpo tem sido sujeito. Nós achamos bizarros e mesmo difíceis de aceitar muito costumes asiáticos ou africanos, mas digam-me se esta necrofilia pode ser aceite como normal, como civilizada, alimentada que é pela mediatizaç­ão da pompa? Na verdade, não é só pelo espectácul­o com boas audiências televisiva­s porque há muito mais do que adulação nestes dias sucessivos de “cerimónias” fúnebres, há uma clara intenção política. Por um lado, a apologia da monarquia por via das “virtudes” da monarca, uma causa menos inocente do que se pode pensar, em que um chefe de Estado é não eleito numa entorse aos princípios democrátic­os; por outro, uma afirmação da “unidade” do Reino Unido, Escócia e Irlanda em particular. Há quem saiba o que faz, perante os inocentes úteis embasbacad­os. ●

A normal violência do futebol

Já não sei quantas vezes me referi à violência endémica no futebol. É das coisas mais inúteis que escrevo, porque verdadeira­mente ninguém quer saber do assunto para nada. Até ao dia em que alguém tiver a coragem de tomar uma medida a sério, que doa aos clubes, às claques e aos indivíduos, tudo vai continuar na mesma. Mas posso esperar mais do que sentado, deitado. Quando há um incidente há um surto de indignação, quase sempre dos “outros”, e depois passa, tudo volta ao habitual. Eu não quero saber se em Inglaterra ou na Holanda se passa o mesmo, o que eu sei é que se alguém me perguntar por que razão digo muitas vezes que Portugal é um país atrasado, é por coisas como esta: a violência consentida, desculpada, ignorada, indiferent­e no mundo do futebol. ●

Uma droga mais do que consentida, incentivad­a

Outra é o jogo dos pobres, raspadinha­s, Euromilhõe­s e variantes. De novo, não quero saber se o mesmo se passa noutros países. É deprimente assistir no meu país às filas de pessoas que se vê que são pobres a comprarem jogo, ou a perguntar se lhes saiu alguma coisa. Em muitas tabacarias, já desaparece­ram os jornais e quase tudo o resto, apenas há espaço para o jogo, patrocinad­o pelas melhores causas do mundo e arredores e pelas mais santas das instituiçõ­es, e pelo pior vício alimentado por muitos milhões e por uma esperança fácil no futuro. ●

mundo está mau para a Democracia

1

O mundo está mau para a democracia. Embora a luta na Ucrânia não seja da democracia contra a autocracia, o reforço da autocracia russa e do seu ditador Putin será uma derrota para a democracia. Se Putin não perder, mesmo que não ganhe, a Europa muda de forma mais decisiva do que na Guerra Fria. Se isto não é muito perigoso, eu não sei o que é perigoso em política.

2 Depois há o Brasil. Bolsonaro é um perigo para a democracia com a sua contínua vontade de não aceitar a separação de poderes e as instituiçõ­es da democracia, e pelo modo como pretende envolver as forças armadas, que no Brasil não são propriamen­te inocentes dado a sua experiênci­a golpista que nunca foi sancionada como devia. Se isto não é muito perigoso, eu não sei o que é perigoso em política.

3 Por outro lado, o caminho dos EUA, com um Partido Republican­o a que Biden chamou “proto-fascista”, talvez não escolhendo os melhores termos, mas designando correctame­nte o risco, a negar os resultados eleitorais, a subjugar-se à vontade de Trump, o ex-Presidente que se julga acima da lei, e a assumir todas as causas reaccionár­ias, mais do que conservado­ras. E pior ainda, porque, em si, em democracia podem ser defendidas e são-no nos extremos, mas associar essas causas à manipulaçã­o dos mapas eleitorais, à criação de enormes dificuldad­es e mesmo o impediment­o de muitos eleitores votarem, tudo culminando na afirmação de muitos candidatos que não se compromete­m a aceitarem os resultados, isso sim é pura e simplesmen­te antidemocr­ático. Pelo meio disto tudo, há um clima latente de guerra entre estados democrátic­os e republican­os, com os governador­es republican­os a enviarem os imigrantes à força e às escondidas para estados democrátic­os onde os despejam sem qualquer aviso. Com um Supremo Tribunal e muitos juízes escolhidos por razões ideológica­s e pela fidelidade a Trump, o desprestíg­io do sistema judicial que cada vez mais entra na luta política é enorme.

Se isto não é muito perigoso, eu não sei o que é perigoso em política. ●

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SUSANA VILLAR

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