A BURLA DOS CARROS DESMONTADOS
Uma oficina na Batalha dava garantias de reparação dos automóveis mas, na verdade, ficava com eles. Até clássicos. Clientes perderam muitos milhares de euros.
Rafael Pereira, a mulher Martyna e o filho Alex, com apenas 2 meses de vida, viajaram de Lisboa até à Batalha num carro emprestado, para resgatarem o automóvel da família, retido há vários meses numa oficina suspeita de burla internacional. O cabecilha, um emigrante português (ver caixa) que viveu grande parte da sua vida em França, poderá ter lesado centenas de pessoas, entre as quais colecionadores de carros clássicos avaliados numa fortuna.
O bebé Alex esteve durante mais de duas horas enfiado numa das oficinas da Gold Time Repair, onde os pais, sob coação, negociaram a entrega do carro, já sem motor, cujas peças se encontram em paradeiro desconhecido. “Pelo que soubemos agora, estamos a lidar com a máfia, que dificilmente nos devolverá os cerca de 2.500 euros que demos de entrada para pagar o arranjo do motor do nosso carro”, diz, visivelmente nervoso, Rafael Pereira, ainda incrédulo com tudo o que está a acontecer.
Através da Internet descobriu a Gold Time Repair, uma empresa que aparentava ser credível, especialista em restauro de veículos clássicos, que depois passou também a dedicar-se ao negócio do arranjo de motores. “Eles ofereciam dois anos de garantia e um motor novo. Tinham um site fantástico, com ótimas classificações, nunca houve motivos para suspeitar de nada”, diz à SÁBADO. Rafael Pereira conta que encontrou o seu carro, um Kia Sportage, abandonado, sem algumas peças, misturado com mais de 60 veículos na mesma situação.
Entre os carros descobertos pela SÁBADO estão Jaguares, Porsches, Rolls-Royce e outros clássicos, cujos proprietários não fazem a mínima ideia onde estão. “Muitos clientes, especialmente franceses, mas também emigrantes portugueses, têm enviado fotografias dos carros, pedindo-me para os ajudar a identificar esses mesmos veículos nos parques da Gold Time Repair”, confessou à SÁBADO Francisco Batista, o senhorio que arrendou o espaço onde funciona a oficina, cujas rendas deixaram de ser pagas há vários meses.
Francisco Batista lembra, por exemplo, o caso de uma cliente francesa que andava há mais de um ano à procura de um Peugeot Cabriolet, que se confirmou, estava na Batalha todo desmontado. Do jardim da sua propriedade contígua à oficina, aponta também para o Hyundai que ainda ali está, cujo proprietário é um emigrante português que tentou vir buscá-lo a Portugal, porque há meses que não lhe atendiam o telefone
“PELO QUE SOUBEMOS AGORA, ESTAMOS A LIDAR COM A MÁFIA, QUE DIFICILMENTE NOS DEVOLVERÁ OS €2.500”
nem respondiam aos emails. “Saiu daqui de mãos vazias, regressou a França sem o carro! Chamou a GNR e tudo e de nada valeu, não o deixaram levar o veículo”, diz.
Carros a 20 ou 50 mil euros
Durante o mês de agosto, vários emigrantes, aproveitando as férias de verão, deslocaram-se à empresa, para poderem levantar os seus carros, que na maior parte dos casos, foram encontrar desmontados. “Chegaram a ter aí um fotógrafo a tempo inteiro cujo papel era fotografar o veículo a ser desmontado para enviarem uma fotografia ao cliente, levando-o a acreditar que o carro estava mesmo a ser arranjado, quando na realidade nada tinha sido feito”, revela uma ex-funcionária da Gold Time Repair que preferiu não dar a cara por receio de represálias.
Os clientes pagam logo à cabeça, com a adjudicação do serviço, 50% do que está orçamentado, uma segunda tranche é paga quando o carro está a ser desmontado, e a terceira, supostamente quando o carro é entregue – o que não chega a acontecer. “Sabíamos que sempre que vinha um camião de França com carros podia render entre 20 mil e 50 mil euros, dependendo do modelo do carro, ano e cilindrada”, diz a mesma funcionária, que acabou por se despedir quando começou a ter ordenados em atraso.
Outra das funcionárias que também já se foi embora confirmou que muitas das peças dos automóveis, principalmente de clássicos, eram logo retiradas. “Foi um choque para muitos de nós vermos peças bastante valiosas por aí perdidas, sem se saber a que veículo pertenciam. Os proprietários desses carros nunca mais vão conseguir recuperá-las. São peças únicas e será muito difícil conseguirem arranjar outras”, diz.
A SÁBADO encontrou, por exemplo, para-brisas de Porsches amontoados pelo chão, onde em tempos chegou a funcionar a oficina da Gold Time Repair, que por falta de pagamento se viu obrigada a abandonar esse espaço.
Ricardo Ferreira é outro dos lesados que veio propositadamente do Porto confrontar a Gold Time