A Fórmula do Amor
SE SACUDIRMOS
os romances cor-de-rosa, a chamada literatura romântica ou sentimental, que temas, personagens e ideias cairão aos nossos pés?
Antes de mais nada, é preciso dizer que esta literatura não pretende ser a consciência da sociedade, nem quer ser interpretada ou decifrada. Tem uma só obsessão: vender muito (num mundo em constante mutação, é reconfortante que algumas coisas permaneçam fiéis a alguns princípios).
Estes livros já assistiram a várias mudanças de moda — a moda já foi o modernismo, depois o fluxo da consciência, seguidos pelo surrealismo, o existencialismo, o noveau roman, o neo-realismo, o realismo mágico, o realismo sujo, etc. –, mas mantêm-se fiéis ao mesmo modelo narrativo, a uma fórmula seguida há séculos, de efeito garantido, que inclui, com pequenas variações, os mesmos ingredientes.
Choques entre bons e maus, entre ricos e pobres; encontro ou aproximação inesperada entre pessoas de origens ou circunstâncias sociais diferentes (quando se conhecem, apesar da diferença de estatuto, percebem que há algo que os une, que há atracções que não se podem negar); amores proibidos, paixões desgraçadas ou contrariadas; erotismo transgressor; segredos trágicos ou verdades escondidas no passado; conflitos familiares; protagonistas expostos a sérios perigos, a humilhações ou aos desejos de vingança, fruto da inveja e do rancor de inimigos poderosos ou influentes; capacidade de superar as dificuldades.
Tudo isto em cenários interessantes, uma cidade estimulante ou um refúgio no campo ou na praia, com os quais as leitoras podem, ou não, sentir-se familiarizadas, como nestas obras: Escândalo em Veneza, O Apartamento de Paris, O Feitiço de Marraquexe, Reencontro em Barcelona, Um Ano em Veneza, Lua de Mel em Paris, Casamento em Veneza, Férias em Saint-Tropez, Encontro na Provença, Viagem a Capri, Verão na Riviera ou Romance na Toscana.
Os títulos com as palavras “amor” ou “coração” contam-se também entre os mais praticados: Água do Meu Coração, Quando o Amor É Fogo, Corações Feridos, Em Nome do Amor, Tempo para Amar, Os Aromas do Amor, Amor e Chocolate, O Coração também Pensa, O Mapa do Coração, etc.
Por outro lado, estes livros estendem a mão à ciência, como se fossem laboratórios de ponta ou centros de investigação de excelência: A Variável do Amor, A Matemática do Amor, A Hipótese do Amor, A Fórmula do Amor, Equação de um Amor.
Não raro, o motor da acção é a exaltada paixão amorosa entre uma dama mimada por pais ricos, severos, autoritários e resistentes a qualquer emoção, e um maltrapilho determinado e perseverante, que lhe incendeia o coração, lhe vira a vida do avesso e lhe proporciona noites intensas de prazer e muitos beijos na boca, que a deixam em estado de não dizer coisa com coisa.
Ou entre uma mulher comum, pobre ou órfã (como uma Cinderela ou uma Gata Borralheira, que no fim se casa com o príncipe encantado ou recebe uma herança imprevista: A Herdeira, Herdeira Inesperada, Herdeira em Seda Vermelha) e um cavalheiro com um nome distinto, descendente de uma família aristocrática, antiga ou importante, indivíduos que nunca seremos ou que nunca conheceremos, com vidas que muitas pessoas invejam e que nos transportam para um outro tempo (habitado por marqueses, duques e bastardos) e para outros lugares (palácios, mansões, casas solarengas), aonde nunca fomos e aonde nunca iremos.
Os exemplos abundam por essas livrarias: Um Conde Apaixonante, Um Marquês Irresistível, Uma Lady Escandalosa, Escândalo com o Marquês,A Traição do Duque, Acordo com o Marquês, Um Duque Glorioso, A Viela da Duquesa, Um Duque Malicioso, A Duquesa Acidental, A Órfã e o Fidalgo, Para Sir Phillipp, com Amor, O Barão, O Duque Mais Perigoso do Mundo,O Príncipe da Suécia, A Conspiração da Condessa, O Plano da Herdeira, Resistir ao Príncipe, A Elite (“Muitas candidatas, apenas uma coroa”) ou Os Segredos de uma Condessa Respeitável.
Há aqui, de resto, vários segredos por
encontrar, algo que uma ou mais personagens não sabiam e que vai ser finalmente revelado: Os Segredos de Saffronhall, O Segredo de Helena, Segredos do Passado, Segredos ao Entardecer, Os Segredos da Casa da Praia ou Amores Secretos.
Desde Cleópatra, pelo menos, que se lê este tipo de histórias, onde o amor é o tema central e quase único (tudo o mais é consequência dele): o amor ultrapassa todas as barreiras; o amor é a aventura mais imprevisível de todas; o amor é inevitável como o destino; por mais que queiramos fugir o amor encontra sempre o caminho; nunca se esquece o primeiro amor; a melhor viagem que podemos fazer na vida é a do amor; amar é sempre possível mesmo que o nosso passado tenha sido doloroso; o amor surge nos lugares mais improváveis ou quando menos se espera; para voltar a acreditar no amor temos de aprender a confiar nos nossos instintos; quando já parece demasiado tarde, o amor revela verdades inesperadas; um coração apaixonado tudo pode mudar; o amor muda-nos a vida num segundo, a nossa vida muda de um momento para o outro quando um novo amor entra na nossa vida, o amor ajuda-nos a enfrentar o nosso destino e a modificá-lo, o poder do amor é infinito, etc., etc.
Nada disto – a temática recorrente do amor – é novo (desde a Idade Média, a nossa visão do amor não mudou assim tanto), resume uma série de ideias antigas que encontramos na poesia provençal e na lírica dos cancioneiros ou das cantigas trovadorescas francesas, italianas, castelhanas e portuguesas.
As personagens principais femininas são sempre jovens, elegantes e as mais bonitas, com um físico excepcional (a natureza foi escandalosamente generosa com todas elas), submetidas a tentações incontroláveis que lhes revelam – “de súbito”, “de rompante, “de um momento para o outro”, “inesperadamente”, “contra todas as probabilidades” – os apetites do corpo e a sua própria sensualidade.
Regra geral, trata-se de mulheres com lábios “rosados”, “húmidos” e “sequiosos”; respiração “ofegante” ou “afogueada” (que lhes faz mover – erguendo e descendo rapidamente – os seios); sentidos que ficam “inebriados” ou “embriagados”, que as deixam perdidas num “turbilhão emocional”; rostos que “ruborizam” ou “enrubescem”; corpos “sinuosos” e “apetecíveis”, com movimentos “ávidos” e “estremecimentos de prazer”; decotes com recortes “generosos”, “ousados”, “reveladores” ou “vertiginosos”, que “moldam” uns peitos que “latejam”, “arfam” ou “suspiram”, parecendo “espreitar” ou “querer saltar” (ao mínimo pretexto), e que deixam “adivinhar” um par de mamas “arredondadas”, “firmes”, “empinadas”, “perfeitas”.
O herói masculino é impetuoso, alto e igualmente elegante e bonito. Se é pobre, não é um homem como os outros, é audaz, corajoso, sorridente, probo e justo, com uma infinita confiança em si próprio; se é rico, é encantador e inteligente, cheio de oscilações, contradições, impulsivo, imprevisível, enigmático.
No final, o amor acaba sempre por triunfar. Reina a felicidade e o optimismo. (Continua) ●