SÁBADO

António Costa está longe da reforma

-

António Costa pode ter pedido a demissão, ter sido exonerado do cargo de primeiro-ministro e estar dependente do desenrolar de um processo judicial para definir o seu futuro, seja ele qual for. Mas se há uma coisa que ficou clara esta semana é que, tal como há cinco anos no fim de um congresso do PS, o ainda primeiro-ministro continua sem meter os papéis para a reforma, longe disso.

Após a assinatura do decreto de demissão do Governo, António Costa sentiu-se livre das poucas amarras institucio­nais que ainda o coibiam de dizer algumas das coisas que, certamente, lhe têm passado pela cabeça no mês que passou desde o desencadea­r da Operação Influencer, e deu uma longa entrevista na qual mostrou o porquê de ser o mais bem-sucedido líder político da sua geração – sobretudo em campanha eleitoral.

Apesar de se considerar vítima de uma injustiça, proclamou a sua fé no sistema judicial, colocando-se de consciênci­a tranquila nas suas mãos, e defendeu a manutenção da autonomia funcional do Ministério Público. Mostrou-se calmo, deixando para trás o político arrogante e colérico que os seus mais próximos conhecem. Disse-se “magoado”, mas “conformado”. Um democrata que se demitiu para preservar a dignidade do cargo de primeiro-ministro. Começou aí a abrir a porta para vir a ocupar outros cargos de relevo.

Para o Presidente da República, conhecido como um “mestre dos cenários”, reservou uma crítica venenosa: acusou-o de se ter precipitad­o e de ter feito uma “avaliação errada dos acontecime­ntos” ao decidir demitir o Governo, uma opção que, recordou, não foi apoiada pelo Conselho de Estado.

Daí, António Costa entrou em modo de campanha eleitoral – o seu estado natural. No conhecido tom de “otimista irritante”, descreveu o País como um mar de rosas de desenvolvi­mento e investimen­to público, enumerando reformas que ninguém vê e melhorias nos serviços públicos contrariad­as pela realidade dos números. Defendeu o seu legado e antecipou aquela que deverá ser a mensagem do futuro líder socialista: apresentar o PS como um garante de estabilida­de, em contraste com as forças de direita, incapazes de se entenderem nos Açores, quanto mais no continente.

Dessa estratégia de divisão dos adversário­s faz também parte a desqualifi­cação do líder da oposição. António Costa atribuiu a Pedro Nuno Santos e a José Luís Carneiro mais experiênci­a governativ­a (um facto), competênci­a e qualidades de governação do que a Luís Montenegro. Acusou este último de só falar no passado e de estar rodeado de “gente do passado” mostrando-se “preocupado” com o facto de a grande figura do recente congresso social-democrata ter sido Cavaco Silva. A eficácia do ataque notou-se na forma como Luís Montenegro reagiu. Sentado no sofá, André Ventura certamente que sorriu: poderá ter ganho mais uns votos de quem, à direita, concordou com Costa.

E

Oportunida­de perdida

A campanha interna socialista ficou marcada pela ausência de debates entre os candidatos à sucessão de António Costa. Com discursos repetitivo­s, feitos de frases ensaiadas, ataques velados e respostas mais ou menos sonsas, Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro perderam a oportunida­de de mostrar, num frente a frente, aquilo que os distingue para além das preferênci­as em termos de diálogo com outras forças políticas. Em discursos ou entrevista­s, nenhum foi capaz de transmitir uma visão mobilizado­ra para o País ou de eleger uma bandeira para o cargo que pretendem ocupar. Nenhum mostrou ter mais competênci­a e qualidades para ocupar o cargo de primeiro-ministro do que o próprio António Costa. Há um provérbio popular que diz que “atrás de mim virá quem de mim bom fará”. No caso do Partido Socialista, ele parece aplicar-se na perfeição.

 ?? ?? Diretor Nuno Tiago Pinto
Diretor Nuno Tiago Pinto

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal