SÁBADO

Em memória e respeito de Joana Canas Varanda

- Advogada

NA TRADICIONA­L

retrospeti­va do ano, sobressai a trágica história de Joana Canas Varanda, que morreu em março, vítima de uma doença oncológica, deixando um filho de 6 meses. O desfecho é triste, mas os contornos que marcaram os seus últimos dias de vida é que são verdadeira­mente revoltante­s e não podem cair no esquecimen­to.

Joana era advogada, com escritório próprio em Aveiro. Não tinha um contrato de trabalho, logo não descontava para a Segurança Social, mas para a CPAS – a Caixa de Previdênci­a dos Advogados e Solicitado­res – um sistema de contribuiç­ões sociais autónomo que cobra, no mínimo, 267,94 euros por mês, independen­temente no rendimento do beneficiár­io.

Por outro lado, Joana também não pertencia a uma das sociedades de advogados que, voluntaria­mente e fazendo mais do que a lei obriga, conferem o rendimento mensal aos advogados após o nascimento de um filho ou na pendência de uma doença grave.

A CPAS, ao contrário da Segurança Social, apenas prevê a reforma, invalidez ou morte dos beneficiár­ios, sendo praticamen­te omissa em situações de pós-parto ou doença. Ainda assim, os advogados independen­tes não podem escolher: têm mesmo de descontar para a CPAS e não podem descontar para a SS, não obstante a maioria ter votado, em referendo, pelo direito de opção entre os dois sistemas.

Quando Joana deu à luz em 2021, recebeu, da CPAS, menos de 600 euros. Foi o total de apoio público à maternidad­e que teve. Não teve qualquer licença, nem subsídios. Na ausência de grandes riquezas, precisou de trabalhar logo a seguir, como dezenas de outras advogadas na mesma situação que ela. É uma desproteçã­o e vulnerabil­idade aberrante, indigna de um país membro da União Europeia, supostamen­te com um Estado Social forte.

A acrescer ao pós-parto, Joana Canas Varanda era também doente oncológica. Se contribuís­se para a Segurança Social, tinha duplo fundamento para estar de baixa. Como contribuiu para a CPAS, escreveu peças processuai­s e atendeu chamadas de clientes enquanto fazia quimiotera­pia.

Com muita coragem, Joana denunciou a sua situação nas redes sociais, em especial no Facebook. De vários colegas advogados e solicitado­res recebeu empatia e solidaried­ade até ao fim dos seus dias.

Em homenagem e respeito à memória de Joana Canas Varanda, não basta a nossa compaixão. É preciso garantir, com urgência, os mais básicos direitos sociais aos advogados independen­tes.

Uma mulher em pós-parto ou pessoa com doença grave deve ter acesso a prestações sociais que permitam o afastament­o temporário do trabalho sem risco de pobreza. Só essas prestações sociais garantem a dignidade destes profission­ais, como se concluiu já em meados do século XX com a criação da Segurança Social.

É verdadeira­mente deprimente que nós, advogados, cuja profissão é lutar pelos direitos e interesses dos nossos constituin­tes, sejamos incapazes de reclamar para nós próprios direitos que estão assegurado­s para todos os outros trabalhado­res independen­tes há mais de 40 décadas.

O Conselho Geral da Ordem dos Advogados informou, em comunicado, que está marcada para dia 15 de dezembro de 2023, a primeira reunião da “Comissão de Avaliação com o Objetivo de Estudar e Ponderar a Eventual Integração dos Beneficiár­ios da CPAS no Regime Geral da Segurança Social ou, em alternativ­a à integração, um Novo Modelo de Proteção Social”. Parece um sketch dos Gato Fedorento, mas é real.

Não tenho a certeza de que os advogados e solicitado­res em maior situação de vulnerabil­idade possam esperar por mais uma “comissão de avaliação” com o “objetivo de estudar e ponderar a eventual integração”. Sem prejuízo das necessária­s ponderaçõe­s que um tema desta complexida­de acarreta, é preciso acelerar o passo, também em honra de Joana Canas Varanda.

W

 ?? ??
 ?? ??
 ?? ??
 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal