SÁBADO

AS PESSOAS DOS PUZZLES

- ÂNGELA MARQUES

Eu já sabia, até porque bastava olhar pela janela, que o inverno estava para chegar. Seria, porém, por uma janela do computador que eu teria a certeza disso. Na fotografia nãoo estava um bolo mármore acabadobad­o de sair do forno, o início dee um cachecol de lã ou artesanato­anato natalício – o que me diziazia que o inverno estava ativadodo no modo turbo eram os puzzles. uzzless.

(E pouca coisa, para mim, se constitui tanto como um mis-mistério quanto os puzzles, s, o lu-lugar que ocupam na vidada das pessoas que gostam deles,eles, e o que a partir deles se podeode con-concluir sobre as pessoas que,que, de facto, os concluem. Queue eles tenham o seu momentoto áureo no inverno é, se pensarr bem, a única coisa que me tranquiliz­aanquiliza porque me garante quee ao menos ninguém troca uma ida à praia por um puzzle.)

Um puzzle em particular, com a imagem do quadro da Rapariga com Brinco de Pérola, de Johannes Vermeer, provocava-me arrepios. E eu sabia, porque a vida já mo mostrara, que os arrepios podiam ser de dois tipos: de entusiasmo ou de susto. Naquele caso, eu não sabia especifica­r e isso deixava-me mais expectante que a Clarice Starling perante o Hannibal Lecter. Quem, no seu perfeito juízo, quereria transforma­r mil e qquinhenta­s peçaspç desavindas numa réplica de um quadro de 1665? Uma amiga queria, perdão, quisera – obstinada, ela conseguira re-recriar a Rapariga e agora mostrava-o a toda a gente.

Não resisti (até porque nem tentei): “Se tivesses de descrever a razão pela qual fazes puzzles dirias que é porque gostas de entrar num estado de meditação ou porque darias tudo para entrar numa espécie de Squid Game? Nunca entendi.” Ela deve ter rido para dentro mas respondeu-me, seríssima: “Gosto da meditação e gosto de ter as mãos ocupadas. Arranjo coisas, faço bordados e agorag puzzles. Com os bordadosdo­s percebipe que ganhei mais em criativida­de,cri mas com os puzzles puzzle trabalhei o raciocínio.”

Para não parecermos só duas pessoapess­oas a teorizar por falta do que fafazer, expliquei-me: “Nuncaca sei ses hei de admirar ou temermer umuma pessoa que é capaz de se conconcent­rar o suficiente para enfrenenfr­entar milhares de peças em cima ded mesa. É a tenacidade – assustaass­ustadora.” Sem rir, ela disse tudo: “E agora tenho uma raparigari­ga de 60 centímetro­s em cima da secretária­sec e tenho pena de a desmadesma­nchar.” Já dizia o outro: quid prop quo.

UM PUZZLE EM PARTICULAR, COM A IMAGEM DO QUADRO DA RAPARIGA COM BRINCO DE PÉROLA, DE JOHANNES VERMEER, PROVOCAVA-ME ARREPIOS

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