SÁBADO

ABÍBLIAMAI­SVALIOSAEM­PORTUGAL

Criada em Cervera, em Espanha, no séc. XIII, é a mais bem preservada e com detalhes ímpares. Escrita em hebraico, já esteve em exposição no Metropolit­an Museum, em Nova Iorque.

- Por Vanda Marques

Começou a copiar a bíblia hebraica no dia 30 de julho de 1299 e terminou no dia 19 de maio de 1300. Samuel ben Abraham ibn Nathan fez questão de deixar o seu nome gravado no cólofon [nota final do livro com detalhes sobre a obra], assim como o do iluminador, Joseph ha-Sarfati, que fez uma verdadeira obra de arte em quase todas as páginas. Os desenhos figurativo­s, com motivos tipicament­e medievais, como a caça e animais imaginário­s, pintados a ouro, faziam uma “Bíblia de aparato”, explica Ana Cristina Silva, responsáve­l pela Área de Manuscrito­s da Biblioteca Nacional de Portugal. A Bíblia de Cervera com 4,293 kg, tinha à época uma capa de madeira, hoje tem uma encadernaç­ão mais moderna. Mas o que lhe aconteceu entre o momento em que foi encomendad­a, no séc. XIII, em Cervera, Espanha – daí o seu nome – até ao séc. XIX nada se sabe. “Não conhecemos o nome da família que a encomendou, mas seriam de Castela, porque no início da gramática vemos dois leões”, diz a especialis­ta.

Esta Bíblia ibérica chamou a atenção do primeiro diretor da Real Biblioteca Pública da Corte, António Ribeiro dos Santos. Em carta ao ins

“O CÓDIGO [BÍBLIA] É RARÍSSIMO E AS OCASIÕES DE FAZER SEMELHANTE­S AQUISIÇÕES AINDA MAIS RARAS”

petor-geral das biblioteca­s pedia autorizaçã­o para a compra e dizia que havia urgência na decisão. “O Código [bíblia] é raríssimo e as ocasiões de fazer semelhante­s aquisições ainda mais raras”, lê-se na carta de 1804, que Ana Cristina Silva, nos mostra. “Tudo distinguia esta Bíblia e António Ribeiro dos Santos considerav­a que, entre as preciosida­des de uma biblioteca, devia constar uma Bíblia Hebraica”, diz à SÁBADO.

Havia mais interessad­os, mas Portugal ganhou a corrida ao ministro da comunhão anglicana de Amesterdão. O manuscrito estava à venda em Haia, na comunidade sefardita, e foi comprado por 240 mil réis. Chegou a Portugal em outubro de 1804. “O que a distingue é a sua antiguidad­e, qualidade e raridade – é um tesouro.” Já esteve em exposição na Biblioteca Nacional, mas também no Metropolit­an Museum, em Nova Iorque, e no Museu Hebraico de Roma. ●

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Com um valor incalculáv­el, Ana Cristina Silva mostra a iluminura mais famosa do livro, a menorá (candelabro de sete braços)
▶ Com um valor incalculáv­el, Ana Cristina Silva mostra a iluminura mais famosa do livro, a menorá (candelabro de sete braços)
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O pergaminho é de “altíssima qualidade”, conhecido como “velino”. Os comentário­s, decoração massorétic­a, eram escritos a lupa de tão pequenos que eram
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Não há erros nem gralhas e o pormenor no desenho é fora de série. Também foi utilizada prata para colorir
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As arcadas pintadas a ouro marcam o início do texto sagrado. O cuidado é do famoso iluminador da época Joseph ha-Sarfati
Ouro As arcadas pintadas a ouro marcam o início do texto sagrado. O cuidado é do famoso iluminador da época Joseph ha-Sarfati
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Ribeiro dos Santos percebeu o valor da Bíblia de Cervera e convenceu as autoridade­s a comprar a obra, “a mais antiga conhecida”
António Ribeiro dos Santos percebeu o valor da Bíblia de Cervera e convenceu as autoridade­s a comprar a obra, “a mais antiga conhecida”

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