SÁBADO

Porto é um país

- Humorista Bruno Nogueira

UMA PESSOA PODE DAR as voltas que quiser, andar de cima a baixo, correr para os lados, pode até seguir desembesta­do na diagonal, mas nunca vai encontrar o Porto em mais lado nenhum. O Porto é no Porto e com sorte é um bocadinho onde quem é do Porto estiver de passagem. É gente que recebe com mais braços do que aqueles que tem, e que quando abraça, abraça para agarrar, para que uma pessoa tão cedo não se esqueça de onde veio a força daquele aperto. Já se disse muito sobre o Porto, mas parece-me sempre pouco de cada vez que lá volto. O Porto ensina-nos a todos uma coisa que feita por ele quase parece fácil: ensina

-nos a genuinidad­e com que se deve receber alguém. Não há cerimónias na linguagem, no trato, na despesa que se tem com afectos. Quando alguém é amado pelo Porto, é uma boa oportunida­de para se sentir especial.

Os portuenses são generosos, e a generosida­de não é coisa que se possa fingir porque no fim de contas, se não vier bem de dentro – lá do sítio onde as coisas nascem –, vão-se sempre notar as marcas por fora. Lá no Norte sabem um segredo que ainda nem todos descobrira­m: sabem que por cada amigo novo que fazem, há uma promessa de muitos mais que daí possam vir. Quando gostam, gostam com o corpo todo, mas quando não gostam também o fazem com o corpo todo, mas com rugas diferentes. Não se fazem passar pelo que não são, doa a quem doer. Ter uma cidade toda à flor da pele é para quem não está com meias medidas, para quem é por inteiro e está pronto para receber em igual medida. As veias do pescoço de quem nasceu no Porto levam mais sangue do que aquilo que aquilo para que foram feitas. É uma força bruta que leva tudo à frente e não mandam dizer por ninguém; levantam-se e vão lá eles. Têm orgulho no que são, e o que são não é o que os outros querem que eles sejam.

Que se lixe o futebol e o que ele divide, não há jogo nenhum que valha os insultos que são disparados de um lado para o outro sempre que se passam 90 minutos à volta de uma bola. Ninguém fica a ganhar quando se guarda rancor e raiva por uma coisa que não é uma cidade. Uma equipa de futebol pode ser de uma cidade, mas uma cidade não é uma equipa de futebol.

Quando somos servidos num restaurant­e no Porto, está lá tudo o que precisamos de saber sobre os portuenses – servem-nos para que não nos falte nada, e tratam-nos como se tivéssemos chegado a casa. São pacientes com quem não tem o coração do tamanho deles, porque já fizeram as pazes com a triste certeza de que a generosida­de é uma língua que só conhece par em quem também a fala.

Dão sem esperar nada em troca, e é essa talvez a patente mais alta do amor. Mas desenganem-se: não dão a quem se aproveita do muito que eles oferecem. Dão um tempo de avanço para que o nosso quadrante sentimenta­l se ajuste a quem temos pela frente, e depois ou saltamos com os dois pés lá para dentro, ou se vamos só para tomar notas, mostram-nos o avesso daquilo que são.

Quando somos servidos num restaurant­e no Porto, está lá tudo o que precisamos de saber sobre os portuenses – servem-nos para que não nos falte nada, e tratam-nos como se tivéssemos chegado a casa

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