AS CHAMADAS DISPENSÁVEIS
O “deio receber áudios”, conclamou ele, enquanto cortava mais uma lasca de queijo de cabra com uma cara de desagrado que tanto podia apontar ao queijo (que não era o seu preferido) quanto aos áudios (que aparentemente abominava). Eu não o conhecia da véspera, pelo que nada no tom agastado dele me chocava. Ninguém à mesa, aliás, o estranhava: o apelido dele era inflamado. Assim, como bonsons ami-amigos, íamos ajudá-lo a fermentar o ódio com gotinhasas de vinagre de raiva.
Naquele prós e contras,ras, só víamos contras. Se os áudios fossem de trabalho, configuraon figuravam, automaticamente, te, uma falta de respeito, apenasnas superada pelo telefonema iniciado com a frase “ia mandar mensagem mas ligar é mais fácil”. Quando, questionávamo-nos, é que as mensagens tinham caído em desuso? Quando é que a ideia de uma frase cravada num envelope que aparecia num canto do ecrã sem urgência, sinalizando apenas que alguém teria algo para dizer, tinha deixado de nos parecer sedutora?
Às tantas, naquela febre de chegarmos a algum lado, a frase batida “depois de mim virá quem bom de mim fará” aplicava-se como a estrela no topo do pinheiro àquela conversa. “Se é para me aborrecerem, liguem-me”, dizia ele, para ser imediatamente desmentido por outra amiga, que o recordaria de uma ligação recente. Durantete a chamada o meu amigo ti
“SE É PARA ME ABORRECEREM, LIGUEM-ME”, DIZIA ELE, PARA SER IMEDIATAMENTE DESMENTIDO POR UMA MEMÓRIA
nha sido visto a fazer piscinas até, finalmente, encaminhar-se para a varanda, de onde só sairia findo o telefonema.
Imagine, prezado leitor, a seriedade de uma COP28 misturada com a sobriedade de uma reunião dos G11 coroada pela gravidade de uma cimeira dos BRICS. Assim estávamos nós, mas com vinho. As teorias eram explanadas com sucesso: ninguém percebia as suas consequências mas toda a gente retirava prazer da edificação dos argumentos.
Estaríamos há 20 minutos a discutir a forma menos lesiva de estabelecer contacto entre humanos quando uma das minhas amigas deslindou tudo. A razão pela qual tanta gente faz quilómetros nos corredores das empresaempresas, ou círculos nas salas de esperespera, ou até procura uma varanda para manter conversas ao telefotelefone é só uma: quando não se cconsegue fugir da conversa,versa, fofoge-se de onde se está. Acaraé de pânico?Édesab ermos mos que tudo se teria resolvido com umuma mensagem. ●