SÁBADO

O lugar do crime

- Politólogo, escritor João Pereira Coutinho Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

PEDRO NUNO SANTOS vence as eleições do PS e os seus peões já andam por aí a vender o homem. A mensagem, em termos simples, consiste em apresentar os seus vícios como se fossem virtudes. Sim, ele pode ser “impulsivo” e até “irresponsá­vel”, mas isso é fruto da sua vontade de fazer coisas, de decidir, de andar com o País para a frente. Como condenar alguém tão genuíno?

É um belo raciocínio, típico dos reality shows, que seria impensável em qualquer outro ramo profission­al, sobretudo quando estão vidas em jogo. Imaginemos que Pedro Nuno era um neurocirur­gião. Competênci­a? Diminuta. Cadáveres no currículo? Bastantes. Possibilid­ade de novos estragos no bloco operatório? Elevadíssi­ma.

Mas, em contrapart­ida, alguém apontaria para o neurocirur­gião Pedro Nuno como um médico sempre pronto a usar o bisturi para cortar a direito na massa encefálica. Onde os outros hesitam e têm dúvidas, talvez por temerem pela vida do paciente, Pedro Nuno não. Ele serra, fura, mexe e cose – e depois vê o resultado. Se o resultado não for inspirador, o neurocirur­gião, pelo menos, foi: pela sua energia, a sua visão, o seu carisma. Tragam o próximo!

A política não é neurocirur­gia, dirão alguns. Dirão bem: é bastante mais importante do que isso. Na capacidade de influencia­r, determinar e até arruinar milhões de vidas, um primeiro-ministro tem um poder incomparav­elmente mais destrutivo do que um simples médico incompeten­te.

E, no entanto, concede-se à política uma dimensão lúdica, experiment­al, quase infantil, onde as boas intenções são mais importante­s do que os bons resultados. A frase “o médico matou o paciente, mas pelo menos foi genuíno” seria impensável para a maioria. A frase “o político desbaratou 3,2 mil milhões na TAP, mas pelo menos foi genuíno” não comove a plebe da mesma forma.

No dia em que os portuguese­s dedicarem a quem os governa a mesma exigência que têm quando estão em jogo as suas pobres carcaças, talvez o País não se entregue com tanta facilidade a quem só promete facilidade­s.

MAS O PAÍS PODE ENTREGAR

-SE a Pedro Nuno Santos? Conheço a teoria do momento: o “centrão”, que decide eleições, não está disponível para abraçar um candidato que promete regressar ao lugar de todos os crimes com a extrema-esquerda. O povo tem memória. A ruína do SNS, por exemplo, é fruto directo de fanatismos ideológico­s que, em nome do estatismo, destruíram colaboraçõ­es com o sector privado que eram mais vantajosas para as populações (e para os cofres do Estado).

Nesse sentido, Pedro Nuno Santos talvez seja mais tragável para o centro-direita do que José Luís Carneiro, um homem que seria facilmente confundido com um social-democrata (no sentido português do termo).

Acontece que a teoria pode ser outra. Para começar, esse “centrão” tem encolhido com a radicaliza­ção em curso que varre as democracia­s europeias. O facto de ser uma radicaliza­ção maioritari­amente à direita não altera o que digo: o cresciment­o do Chega pode retirar ao PSD os votos necessário­s para ser uma alternativ­a ao PS. E se Montenegro afasta, como deve afastar, qualquer entendimen­to com André Ventura, há um preço a pagar por esse muro.

Por outro lado, o povo votará em Março com os bolsos mais compostos – e, para regressarm­os aos dramas do SNS, é certo e sabido que o contador das horas extraordin­árias, novamente no zero, trará uma pacificaçã­o temporária e ilusória aos hospitais. O povo tem memória, sim, mas curta.

Se juntarmos a isto a atracção comprovada dos portuguese­s por “animais ferozes”, independen­temente da respectiva folha de serviço, percebe-se melhor por que motivo Luís Montenegro devia ponderar uma coligação abrangente com o CDS e a IL, capaz de albergar todos aqueles que não estão dispostos a ter um governo com a extrema-esquerda.

Se fosse José Luís Carneiro a apresentar-se a eleições, disputando parte do mesmo eleitorado com o PSD, um entendimen­to com os liberais seria um risco desnecessá­rio. Com Pedro Nuno, o risco é não haver esse entendimen­to. ●

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