O lugar do crime
PEDRO NUNO SANTOS vence as eleições do PS e os seus peões já andam por aí a vender o homem. A mensagem, em termos simples, consiste em apresentar os seus vícios como se fossem virtudes. Sim, ele pode ser “impulsivo” e até “irresponsável”, mas isso é fruto da sua vontade de fazer coisas, de decidir, de andar com o País para a frente. Como condenar alguém tão genuíno?
É um belo raciocínio, típico dos reality shows, que seria impensável em qualquer outro ramo profissional, sobretudo quando estão vidas em jogo. Imaginemos que Pedro Nuno era um neurocirurgião. Competência? Diminuta. Cadáveres no currículo? Bastantes. Possibilidade de novos estragos no bloco operatório? Elevadíssima.
Mas, em contrapartida, alguém apontaria para o neurocirurgião Pedro Nuno como um médico sempre pronto a usar o bisturi para cortar a direito na massa encefálica. Onde os outros hesitam e têm dúvidas, talvez por temerem pela vida do paciente, Pedro Nuno não. Ele serra, fura, mexe e cose – e depois vê o resultado. Se o resultado não for inspirador, o neurocirurgião, pelo menos, foi: pela sua energia, a sua visão, o seu carisma. Tragam o próximo!
A política não é neurocirurgia, dirão alguns. Dirão bem: é bastante mais importante do que isso. Na capacidade de influenciar, determinar e até arruinar milhões de vidas, um primeiro-ministro tem um poder incomparavelmente mais destrutivo do que um simples médico incompetente.
E, no entanto, concede-se à política uma dimensão lúdica, experimental, quase infantil, onde as boas intenções são mais importantes do que os bons resultados. A frase “o médico matou o paciente, mas pelo menos foi genuíno” seria impensável para a maioria. A frase “o político desbaratou 3,2 mil milhões na TAP, mas pelo menos foi genuíno” não comove a plebe da mesma forma.
No dia em que os portugueses dedicarem a quem os governa a mesma exigência que têm quando estão em jogo as suas pobres carcaças, talvez o País não se entregue com tanta facilidade a quem só promete facilidades.
MAS O PAÍS PODE ENTREGAR
-SE a Pedro Nuno Santos? Conheço a teoria do momento: o “centrão”, que decide eleições, não está disponível para abraçar um candidato que promete regressar ao lugar de todos os crimes com a extrema-esquerda. O povo tem memória. A ruína do SNS, por exemplo, é fruto directo de fanatismos ideológicos que, em nome do estatismo, destruíram colaborações com o sector privado que eram mais vantajosas para as populações (e para os cofres do Estado).
Nesse sentido, Pedro Nuno Santos talvez seja mais tragável para o centro-direita do que José Luís Carneiro, um homem que seria facilmente confundido com um social-democrata (no sentido português do termo).
Acontece que a teoria pode ser outra. Para começar, esse “centrão” tem encolhido com a radicalização em curso que varre as democracias europeias. O facto de ser uma radicalização maioritariamente à direita não altera o que digo: o crescimento do Chega pode retirar ao PSD os votos necessários para ser uma alternativa ao PS. E se Montenegro afasta, como deve afastar, qualquer entendimento com André Ventura, há um preço a pagar por esse muro.
Por outro lado, o povo votará em Março com os bolsos mais compostos – e, para regressarmos aos dramas do SNS, é certo e sabido que o contador das horas extraordinárias, novamente no zero, trará uma pacificação temporária e ilusória aos hospitais. O povo tem memória, sim, mas curta.
Se juntarmos a isto a atracção comprovada dos portugueses por “animais ferozes”, independentemente da respectiva folha de serviço, percebe-se melhor por que motivo Luís Montenegro devia ponderar uma coligação abrangente com o CDS e a IL, capaz de albergar todos aqueles que não estão dispostos a ter um governo com a extrema-esquerda.
Se fosse José Luís Carneiro a apresentar-se a eleições, disputando parte do mesmo eleitorado com o PSD, um entendimento com os liberais seria um risco desnecessário. Com Pedro Nuno, o risco é não haver esse entendimento. ●