SÁBADO

O“JOVEM TURCO”DA GERINGONÇA

Com João Galamba, Duarte Cordeiro e Pedro Delgado Alves, é um que apoiam Costa contra António José Seguro. Mais tarde, é recompensa­do e chega ao Governo

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Fora do Parlamento, essa foi a oportunida­de para regressar à Tecmacal, a empresa do pai, onde já tinha estado depois de acabar a licenciatu­ra e até 2005. A passagem foi curta. Entrou em 2010 e saiu em 2011, de volta à política e ao Parlamento, mas serviu-lhe para puxar dos galões. “Pude viver de perto as dificuldad­es dos pequenos e médios empresário­s. A luta diária para conseguire­m encomendas, para melhorarem a qualidade do seu produto e para se diferencia­rem no mercado, com vista a sobreviver­em e a desenvolve­rem-se”, disse ao DN em plena campanha pela liderança do PS.

Na verdade, nunca esteve nos planos de Pedro trabalhar na empresa familiar, mesmo que muitas vezes usasse a estabilida­de financeira de que goza por essa via para mostrar desprendim­ento em relação à política. A irmã Mariana trabalha na Tecmacal, mas o pai nunca pressionou os filhos para continuare­m o negócio da família. A mãe é que lamenta o facto de o filho mais velho ter escolhido outra vida.

Regressa ao Parlamento nos anos da troika que se seguiram à derrocada do PS de José Sócrates. Depois de anos a defender que há alternativ­a a uma economia orientada pelos princípios da austeridad­e neoliberal, vai sentar-se na fila de trás da bancada socialista. É vocal nos apartes e nas pateadas e está mesmo ao lado da bancada da imprensa – trata os jornalista­s por “tu” e a maior parte gosta.

Mas o País só fica a saber quem é Pedro Nuno quando se excede num evento partidário, que pensava ser à porta fechada, leia-se sem jornalista­s. Estava num jantar de Natal em Castelo de Paiva quando disse estar a “marimbar-se” para a dívida pública e defendeu que “bomba atómica é simplesmen­te não pagarmos” a dívida. Nos títulos da notícia, Pedro Nuno Santos era o “vice da bancada” do PS, que na altura era liderado por António José Seguro. E, mesmo que a frase tenha perseguido, foi na altura também uma forma de se descolar da linha segurista mais colada à ala direita do partido. Pouco depois da polémica, demitir-se-ia da direção da bancada.

Nunca teve problemas em aparecer ao lado da extrema-esquerda. Em 2012, foi mesmo um dos oradores da rentrée política do BE, aparecendo ao lado de Francisco Louçã para defender uma reestrutur­ação da dívida pública, um assunto quase tabu na altura. Meses antes desse jantar em que atirou aos credores, as fichas de Pedro Nuno estavam noutro líder: António Costa. Era por Costa que tinha começado, juntamente com Duarte Cordeiro, a – como se diz na gíria partidária – “trabalhar o partido” para garantir apoios. Foi, contudo, uma falsa partida. Depois de meses a fazer caminho para António Costa conquistar o PS, em junho de 2011 o então presidente da Câmara de Lisboa decidia não avançar e apoiar Francisco Assis. Pedro Nuno teve uma fúria e continuou a fazer caminho na oposição interna.

Foi preciso esperar até 2014 para chegar a hora. Nessa altura, Pedro Nuno já se tinha refeito da zanga e não tinha dúvidas de que António Costa era o seu candidato. No dia em que Costa ganhou as primárias (as primeiras e únicas abertas a não militantes), quatro amigos tiraram uma selfie para celebrar. Na imagem vê-se Duarte Cordeiro, João Galamba,

COM EXCEÇÃO DA EMPRESA DO PAI, NUNCA TRABALHOU NO PRIVADO - É SÓ UM POLÍTICO

Pedro Nuno e Pedro Delgado Alves.

Em outubro de 2014, uma notícia do Sol dava-lhes o cognome pelo qual haveriam de ficar conhecidos. Estes quatro eram os “jovens turcos” do PS. “São relativame­nte jovens (na casa dos trinta anos), apoiaram todos Costa contra Seguro e alinham ideologica­mente na ala esquerda do PS. O vereador Duarte Cordeiro e os deputados João Galamba, Pedro Nuno Santos e Pedro Delgado Alves (por ordem, na foto, a comemorar em selfie a vitória de Costa nas primárias) são referência obrigatóri­a…”, escrevia o semanário.

O homem da geringonça

Quarta-feira, dia 7 de outubro de 2015. António Costa vai à sede do PCP, na Soeiro Pereira Gomes, depois de ouvir Jerónimo de Sousa dizer que o PS só não seria governo se não quisesse, mesmo tendo sido a segunda força mais votada. Costa não chega sozinho: traz consigo Mário Centeno, Ana Catarina Mendes e Pedro Nuno Santos. A comitiva é a mesma no dia seguinte na reunião na sede do BE, na Rua da Palma. António Costa fez a imprensa saber, através de um dirigente socialista, que confia “a 114%” no PCP. Mas no BE é Pedro Nuno quem está em casa: encontra do outro lado da mesa o amigo da faculdade José Gusmão e Mariana Mortágua, a deputada que elogiou num jantar que marcou o fim da comissão parlamenta­r de inquérito ao BES. “A Mariana destacou-se”, terá dito, interrompe­ndo Fernando Negrão que fazia elogio ao trabalho de todo o grupo sem distinções.

As negociaçõe­s continuam nos dias que se seguem e Pedro Nuno passa a ser o homem da máquina a que não gosta que se chame geringonça. Quando o PS forma o seu Governo minoritári­o com o apoio da esquerda, fica como secretário de Estado dos Assuntos Parlamenta­res e é no gabinete onde está uma mesa que em tempos foi de Salazar que reúne horas a fio com os parceiros da esquerda. O Expresso chamou-lhe a “sala das bolachas” tantas eram as reuniões tardias que obrigavam a improvisar refeições.

Pedro Nuno Santos vive dias frenéticos. E é aí que começa a construir uma equipa que o acompanhar­á no que vem a seguir. O seu chefe de gabinete, Nuno Araújo, é o homem que mais tarde indicará para o Porto de Leixões, mas que viria a ser indiciado em 2021 por tráfico de influência­s e corrupção, num processo em que até agora não há notícias de novos desenvolvi­mentos. Nesse grupo está Marina Gonçalves, que seria também sua chefe de gabinete e, mais tarde, sua secretária de Estado da Habitação. E a assessora de imprensa Márcia Galrão (antiga jornalista da Visão), que o acompanha até hoje. Começa a ser visível a grande proximidad­e com Hugo Mendes, que viria a ser seu secretário de Estado no Ministério das Infraestru­turas. É Mendes quem o ajudará a redigir a moção de estratégia que levará ao Congresso do PS na Batalha, em 2018.

Quando chega ao palco do Congresso é já notório que quer ser líder do PS. Isso é tão visível que António Costa, meio a brincar meio irritado, se vê obrigado a avisar que não tinha metido os papéis para a reforma. O seu discurso inflamado sobre a importânci­a de manter o PS à esquerda, salvando-o da irrelevânc­ia do Pasok grego, inflamou a sala.

Nessa altura era também indisfarçá­vel que já se impacienta­va com o lugar de secretário de Estado dos Assuntos Parlamenta­res. Os acordos com a esquerda que tinham sido firmados em 2015 estavam, no essencial, cumpridos e restava ir negociando medida a medida, orçamento a orçamento, já sem a energia inicial. Pedro Nuno estava inquieto. Tinha outras ambições, queria uma pasta mais executiva ●

EX-CHEFE DE GABINETE DE PEDRO NUNO FOI INDICIADO PELO CRIME DE CORRUPÇÃO

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Quando cuidava do filho, Pedro Nuno deixou-se fotografar pela SÁBADO
▼ Quando cuidava do filho, Pedro Nuno deixou-se fotografar pela SÁBADO
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Apostou logo na candidatur­a frustrada à liderança do PS por António Costa
◀ Apostou logo na candidatur­a frustrada à liderança do PS por António Costa
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No Parlamento distinguiu-se pelos apartes aos adversário­s e por amizades com jornalista­s 1
1 No Parlamento distinguiu-se pelos apartes aos adversário­s e por amizades com jornalista­s 1
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Foi o homem da máquina socialista que ajudou a negociar a geringonça com Mariana Mortágua 3
3 Foi o homem da máquina socialista que ajudou a negociar a geringonça com Mariana Mortágua 3
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A selfie com os “jovens turcos” do PS: Duarte Cordeiro, João Galamba, Pedro Nuno e Pedro Delgado Alves
2 2 A selfie com os “jovens turcos” do PS: Duarte Cordeiro, João Galamba, Pedro Nuno e Pedro Delgado Alves

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