SÁBADO

2028:NOPAÍS DEPEDRO NUNOSANTOS

Portugal prepara-se para novas eleições e o momento pede um balanço político. Quem diria que, quatro anos depois das dramáticas legislativ­as de 2024, o governo duraria uma legislatur­a?

- João Pereira Coutinho Politólogo, escritor

Os portuguese­s lembram-se bem daquela noite de Março, quando PS, Bloco de Esquerda e PCP empataram com PSD/CDS, Iniciativa Liberal e Chega em número de deputados, cabendo ao PAN, com os seus dois representa­ntes, decidir a contenda.

Foram semanas de negociaçõe­s intensas que terminaram com o conhecido “Rectificat­ivo do Biscoito”, uma oferta triunfal de Pedro Nuno Santos a Inês Sousa Real para que a alimentaçã­o felina e canídea tivesse IVA zero nos quatro anos seguintes.

Quando Pedro Nuno apareceu perante as câmaras com uma gravata branca pintalgada de manchas pretas, em homenagem ao seu filme favorito “desde a infância” (Os 101 Dálmatas), o país percebeu que tinha finalmente governo.

O mínimo que se pode dizer é que Pedro Nuno superou as expectativ­as. Ao contrário do que se pensava ou escrevia, Portugal manteve a sua trajectóri­a de consolidaç­ão das contas públicas, embora os especialis­tas se dividam sobre a justiça do método para a obter.

A subida de impostos para os mais ricos, ou seja, para quem ganha acima do salário mínimo, teve uma importante palavra nesse processo. Como afirmou a ministra das Finanças, Mariana Mortágua, “eu sempre disse que era importante ir buscar dinheiro a quem o está a acumular”.

Mas a parte de leão esteve nas “cativações inteligent­es” que, ao contrário do que sucedeu nos governos de António Costa, permitiu poupar no investimen­to público sem deixar ninguém para trás. O caso do SNS, moribundo em 2024, é talvez o principal feito do governo de Pedro Nuno. Em 2028, o SNS continua moribundo; mas a distribuiç­ão dos utentes por hospitais rigorosame­nte públicos e clínicas veterinári­as rigorosame­nte municipais permitiu acorrer aos casos mais graves. O número de cirurgias até aumentou, aliviando as listas de espera, embora o governo persista em não revelar a taxa de sucesso das intervençõ­es, sobretudo em ambiente veterinári­o.

De igual forma, a poupança na Educação, com o programa “Quem dá uma, dá duas”, obrigou os docentes disponívei­s a escolher uma área do conhecimen­to teoricamen­te distante das suas formações originais.

De norte a sul, os alunos habituaram-se a que o professor de Educação Física também lecionasse Matemática e que a professora de Educação Visual também acumulasse as aulas de Português. Um sucesso?

É cedo para dizer: por um lado, a crónica falta de professore­s nas escolas é hoje uma memória distante;

por outro, os últimos resultados do PISA lançaram uma nuvem negra sobre tamanho voluntaris­mo. Confrontad­as com equações de segundo grau e excertos literários de Gil Vicente e Fernão Mendes Pinto, as nossas crianças mostraram uma propensão para o badminton e para o trompe-l’oeil que intrigou os avaliadore­s internacio­nais.

Menos conseguida foi a intervençã­o do governo no mais radioactiv­o dos dossiês: a TAP, claro, uma herança pesada de António Costa. Na campanha de 2024, Pedro Nuno Santos mostrou-se confiante de que a companhia continuari­a na esfera do Estado; ou, pelo menos, que o Estado teria uma palavra a dizer na sua gestão corrente.

Vãs ilusões: por pressão de Bruxelas, a reprivatiz­ação da TAP avançou, criando o primeiro momento de tensão entre os parceiros do governo e os dois partidos, PAN e PCP, que o suportam no Parlamento. A crise atingiu proporções potencialm­ente fatais quando se descobriu que o consórcio internacio­nal que adquiriu a TAP contava entre os seus accionista­s com Christine Ourmières-Widener.

Como a SÁBADO revelou na altura, a ex-CEO participou na compra da TAP com a totalidade da indemnizaç­ão que recebeu do Estado português. “Chamem-me o que quiserem, mas isto é comprar a empresa com o pêlo do próprio cão”, terá dito David Neeleman, em tom jocoso. A metáfora, pela violência animalista evidente, foi condenada por Inês Sousa Real, que ameaçou derrubar o governo.

A crise só foi ultrapassa­da quando o próprio primeiro-ministro veio a terreiro afirmar que, depois dos 101 Dálmatas, o seu segundo filme favorito “desde a infância” era A Dama e o Vagabundo, no que foi entendido como um mea culpa para bom entendedor cinéfilo.

Nas legislativ­as de 2028, Pedro Nuno Santos tem motivos para sorrir. Sim, em teoria, o país disputa agora com a Bulgária o último lugar do ranking europeu na criação de riqueza.

Mas, na prática, os portuguese­s parecem rendidos ao “charme” e ao “carisma” de um homem que, certo dia, acordou na residência oficial e decidiu que o novo aeroporto de Lisboa, contra todas as expectativ­as ou estudos técnicos, será em São João da Madeira. Onde muitos viram precipitaç­ão ou capricho, outros aplaudiram a capacidade de decisão e a vontade de “fazer coisas”, por mais absurdas que sejam.

Além disso, o estado da Oposição permite ao PS sonhar com uma nova maioria absoluta. O PSD, na sua terceira liderança desde a demissão de Luís Montenegro há quatro anos, “é um partido que caiu no Poço”, dizem-nos fontes da S. Caetano à Lapa, em referência velada ao actual líder, Alexandre Poço.

O Chega, depois de falhar o poder em 2024, nunca mais recuperou do Benficagat­e: convencido de que tinha as portas abertas para a presidênci­a do Benfica, André Ventura demitiu-se da liderança do partido para regressar 24 horas depois. O convite, afinal, era para ser presidente da Junta de Freguesia de Benfica.

Por irónico que pareça, só existe uma ruga de preocupaçã­o no rosto de Pedro Nuno Santos: o actual Presidente da República. Sob o lema “Ainda não Meti os Papéis para a Reforma”, sabemos hoje que o Presidente António Costa se lançou na corrida a Belém porque não esqueceu a falta de apoio da nova liderança socialista à sua candidatur­a para um alto cargo europeu. Só isso explica que, neste primeiro mandato, o Presidente Costa tenha sido pródigo em remoques ou comentário­s sibilinos.

Na tradiciona­l mensagem de Ano Novo, ficou célebre a passagem do discurso onde Costa avisou que “não é possível conduzir um Opel Corsa nos dias úteis e andar de Porsche aos fins-de-semana, quando ninguém está a ver.” Uma indirecta aos gostos do primeiro-ministro?

Não sabemos. Mas sabemos que, no dia seguinte ao discurso, uma figura muito parecida com ele foi vista a vender um Porsche ao desbarato. ●

SÓ EXISTE UMA RUGA DE PREOCUPAÇíO NO ROSTO DE PEDRO: O PRESIDENTE ANTÓNIO COSTA

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Portugal manteve a consolidaç­ão das contas públicas
▼ Portugal manteve a consolidaç­ão das contas públicas
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Nas legislativ­as de 2028, Pedro Nuno Santos tem motivos para sorrir
▲ Nas legislativ­as de 2028, Pedro Nuno Santos tem motivos para sorrir

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