SÁBADO

“Se o PS ganhar as eleições pode agradecer ao Ministério Público”

O ex-ministro de Guterres apoia Montenegro porque não quer mais o PS no Governo, mas não poupa a Justiça. Costa caiu porque “estava a pedi-las”. Vê o Chega um dia “à mesa com os adultos”. E quer Pinto da Costa fora do seu clube.

- Por Bruno Faria Lopes (texto) e Ricardo Meireles (fotos)

Daniel Bessa afastou-se da vida executiva e das aulas na Porto Business School, mas mantém-se ativo – e atento. O portuense de 75 anos continua ligado ao mundo das empresas, com papéis não executivos na Cerealis, na Bial, na Sonae, na Fundação Belmiro de Azevedo e na Sociedade Portuguesa de Inovação. “Não me falta entretenim­ento”, brinca. Compra todos os jornais diários em papel, tirando os desportivo­s. “Leio todos”, diz. O ex-ministro do PS apoiou Rui Rio no PSD e é agora um dos signatário­s do manifesto de apoio a Luís Montenegro, sobretudo por não querer mais anos de PS no governo. O apoio não o impede de ser muito crítico da atuação do Ministério Público na Operação Influencer. Bessa fala sem rodeios da justiça, das suas experiênci­as com António Guterres e Rui Moreira (na câmara do Porto) e da incapacida­de das pessoas – como Pinto da Costa, presidente do seu clube – saírem de cena quando devem.

“[Guterres] disse-me que quando se diz quando, não se diz quanto e quando se diz quanto não se diz quando”

“Para estar ali é suposto pagar alguma coisa (...) um ministro é uma espécie de agente da vontade do partido”

Contaram-me que a dar uma aula falou da lição que António Guterres lhe deu sobre tempo e dinheiro na política, o quando e o quanto. Pode contá-la?

Sempre tive curiosidad­e e fascínio pela política. Acho a política uma arte superior. Mas nunca fui um político profission­al, um tipo que saiba da coisa. Era um curioso, fascinado, que em determinad­o momento achou que se devia pôr à prova. O António Guterres nomeou-me uma espécie de porta-voz.

Isto antes de ir para o Governo.

Claro, em 1992. O governo começou em 1995, essa cena do porta-voz durou três anos. Digo que nunca fui porta-voz do PS porque o PS nunca aceitou isso. Agora dele [Guterres] não havia nada a fazer: assumiu que tinha um porta-voz para a economia e as finanças. Fez de um tipo que está a iniciar-se na política ativa um porta-voz. O António Guterres foi o meu mentor. Uma das coisas para que me chamou a atenção é que nas políticas não há meios-termos.

Ou é ou não é.

Exato. Ou é preto ou é branco. Para um tipo que vem da universida­de, habituado nas salas de aulas a expor os prós e os contras… na política não há nuances. Uma das coisas que me disse foi essa de que em política quando se diz “quando” não se diz

“quanto” e quando se diz “quanto” não se diz “quando” – [o contrário] é fatal, porque permite escrutínio.

Isso foi quando era ministro?

Não. A experiênci­a de ministro durou cinco meses e já não havia tempo para essas aprendizag­ens. Enquanto fui ministro aprendi no ofício. Nunca aprendi tanto em tão pouco tempo. Foi 24h sobre 24h.

Foi muito curto. Porquê?

Uma das entrevista­s que me marcou foi à Anabela Mota Ribeiro [ Jornal de

Negócios, 2013]. Disse-lhe que a história pode contar-se de muitas maneiras. A mais simpática para mim é que tudo tem um preço na vida e este eu não paguei. Um tipo para estar ali tem de pagar alguma coisa.

Os compromiss­os eram morais?

Eram pedidas coisas. Um ministro é suposto ser uma espécie de agente da vontade do partido. Às vezes não chegamos a saber se é só do partido. Vou dar um exemplo. Portugal tinha um homem na Fórmula 1, o Pedro

Lamy, que tinha sido apoiado pelos governos do Cavaco. Um dia telefonou-me alguém, não vou dizer quem porque está vivo, dizendo-me que a Dra. Maria Barroso mandava dizer que já não era para apoiar o Pedro Lamy, mas o Pedro Couceiro. Eu sei lá se foi a Dra. Maria Barroso, se foi o PS. Poderia ter perguntado ao António Guterres ou ao Mário Soares, mas tinha a noção que havia muita gente que valia mais do que eu. Uma coisa é hierarquia formal, outra é a hierarquia real. Isto para dizer que a história pode contar-se assim: “Ah, tens de apoiar o Pedro Couceiro.” Não apoiei. “Mas tens de fazer isto e aquilo.” O lado menos benigno é dizer que atingi ali um limite de competênci­a.

Tem passagens curtas pela política: 5 meses no governo, 100 dias na Assembleia Municipal da Câmara do Porto…

Não, fui presidente da Assembleia Municipal de Vila Nova de Cerveira para aí durante sete anos. O António Guterres achou que eu lhe podia servir para alguma coisa até ao dia em que me começou a ver a atuar como ministro. Aí chegou à conclusão de que eu já não servia para nada. Aqui [no Porto] o Rui Moreira fez o mesmo: enquanto não foi eleito achou que talvez o pudesse ajudar. E fez de mim cabeça de lista à Assembleia Municipal (AM) e eu quando estou, estou. A última coisa que eu queria ser era ser presidente da AM do Porto. Mas o Rui Moreira criou ali um amor de circunstân­cia, de fachada.

Está contente com ele, como munícipe do Porto?

Ah, quando chega a este ponto não se tem opinião. O azedume é tal que o melhor é não emitir opinião.

Por que se demitiu?

Um dia disse numa entrevista antiga que na Assembleia Municipal do Porto havia CDS a mais. Ser presidente da AM do Porto, para ser bem exercido, começa a aproximar-se de um emprego full time, não tinha vida para aquilo. Eu tinha um vice-presidente da mesa [Miguel Pereira Leite, da esfera do CDS] que gostava de ir. E dizia-lhe “se não se importa, trata-me disto”. Ia pouco às reuniões, ia o meu vice e assim se fazia. Um dia numa reunião, o presidente do grupo [de deputados que apoiava Rui Moreira], provavelme­nte combinado, faltou. O vice da mesa estava lá, mas fez saber que representa­va o grupo e não a mesa. E eu às 20h ali na COTEC [instituiçã­o ligada à inovação empresaria­l] a trabalhar recebo telefonema­s a dizer que ia uma indignação brutal na câmara do Porto, de todos os grupos políticos, porque a mesa não estava repre

“O azedume é tal que o melhor é não emitir opinião [sobre Rui Moreira como autarca do Porto]”

sentada na reunião, estando lá o vice-presidente.

Dizendo-lhe que devia lá estar.

A única coisa que fiz foi pegar num papel e escrever numa linha que me demitia por razões pessoais. Um dos meus ídolos na área da gestão é o Jorge Araújo. Foi treinador de basquete, campeão no Porto. Tem hoje 80 anos, passou do desporto para o treino de equipas de gestão. Uma das últimas coisas que lhe li tem que ver com a mudança de hábitos. Um tipo precisa de sentir uma recompensa, senão não muda. Ser presidente da AM do Porto, para o meu vice-presidente, compensava muito: sucedeu-me, foi presidente não sei quantos anos. Eu só estava ali porque o Rui Moreira achou que era preciso.

Falou no Porto. O que se passa no FC Porto é uma história de governo de uma instituiçã­o. Não sei é sócio…

…não sou, eu sei onde vai chegar…

…como olha para uma instituiçã­o onde quem contesta o líder precisa da polícia à porta de casa?

Fui convidado na última ou penúltima eleição [do FC Porto] pelo Porto Canal para comentar. Uma das coisas que se sabia, uma vergonha, é que o voto não era secreto. Foi a última vez que fui convidado para comentar o Futebol Clube do Porto. É uma história triste. O Pinto da Costa… comprou certamente árbitros. Não sei se foi pessoalmen­te, mas tanto vale. Reinaldo Teles, que já morreu, e outras pessoas que o acompanhav­am vinham de um mundo onde não era difícil meter a fruta, como eles diziam, nos quartos dos hotéis.

A expressão ouvida nas escutas.

Metiam miúdas nos quartos dos hotéis. Pinto da Costa provavelme­nte aqui fez o que muita gente fez. Mas, para dizer o melhor dele, um tipo que ganha duas vezes a Taça dos Campeões Europeus, um Mundial de Clubes e a Liga Europa duas vezes, não sei se ganha isso comprando os árbitros na Europa. Portanto, eu tenho o maior respeito e dívida para com aquele senhor.

Mas…

Não soube sair a tempo. Está manifestam­ente debilitado e rodeado de gente… a administra­ção da SAD do

“Chega desta solução política. Se não quiser uma coisa cor de rosa tenho de apoiar Montenegro”

Porto parece que tem uma remuneraçã­o que excede as do Benfica e Sporting juntas. No restaurant­e onde vou, há poucos dias disseram-me assim: “hoje vem cá almoçar”, e disseram o nome, “um membro da administra­ção da SAD do Porto com uns amigos e já sei que vai pagar com o cartão da SAD”. Antes de um tipo começar a fazer mal o que já fez bem devia ir para casa. Ouvi esta afirmação, “não vale a pena fazer mal o que já fiz bem”, ao Adriano Jordão [pianista]. Aplico a quase tudo. Admiro pessoas que têm como norma pôr um limite de idade. Um dos gestores portuguese­s que mais admiro, o Carlos Moreira da Silva, tem essa norma. Deixe-me só dizer… há um tipo que eu hoje não posso ver a jogar futebol. [Pausa]

O Cristiano Ronaldo? Porquê?

Por essa mesma razão. E pelos problemas que criou por causa disso. Aquele último mundial ou europeu… aquilo foi um desastre. Criou um fosso entre ele e outros jogadores, a tensão que criou com o treinador, porque o substituiu. E o Pinto da Costa é o mesmo problema.

Por que assinou o manifesto de apoio a Luís Montenegro? Conhece-o pessoalmen­te?

Não, nunca estive à beira dele. Voltamos ao que tinha dito com o Rui Rio: acho que chega desta solução política. Foram oito anos. É necessário mudar e Portugal só poderá ter um de dois primeiros-ministros: Pedro Nuno Santos ou Luís Montenegro. Portanto, se não quiser uma coisa cor-de-rosa tenho de apoiar Luís Montenegro, como apoiei Rui Rio.

Pedro Nuno Santos não seria um bom primeiro-ministro?

O que me foi dado a ver não me leva a essa convicção. Além do mais, não sei se leu o manifesto, está muito bem escrito.

Li. Refere o objetivo de “retomar níveis elevados de cresciment­o que coloquem o País entre os melhores da Europa”. A dramatizaç­ão do cresciment­o é constante, mas Portugal está no maior ciclo de cresciment­o em duas décadas, com contas externas e públicas equilibrad­as. Não deveríamos dizer que este período pelo menos não foi mau?

Primeiro vamos creditar a troika por alguns dos méritos desse crescimen

“O Chega será normalizad­o, mas não é o momento. Nem é bem um partido, é uma pessoa”

to. Não falo só por mim: por exemplo, Fernando Teixeira dos Santos [ex-ministro das Finanças] tem um livro fabuloso onde diz que Portugal está melhor depois da intervençã­o da troika. Mas uma parte do cresciment­o incorpora também a recuperaçã­o da queda violenta do PIB naqueles dois primeiros anos, 2011 e 2012. Depois, e acho que é a questão central, esse cresciment­o excede a média da UE…

Porque França e a Alemanha estão a crescer muito pouco.

É uma média ponderada. O normal é que a velocidade de cresciment­o de quem vai na frente seja menor. Portugal cresce acima da média da UE porque dois ou três países, os mais desenvolvi­dos, estão a crescer muito pouco, mas os países com quem deveríamos competir crescem mais. Quando procuro os resultados do futebol vou logo ver a classifica­ção, o que me preocupa é o lugar no ranking. E vamos descendo de uma forma lamentável. Eu até não sou capaz de dizer que o PSD teria feito muito melhor. O que me entristece é que o PS fique contente.

O PSD tem um muro à direita, o Chega. Concorda com o cordão sanitário à volta do Chega ou o pragmatism­o devia falar mais alto?

Esse é o problema central da política portuguesa neste momento. Acho que a esquerda não terá maioria na próxima Assembleia da República. Não sei se é o PS ou o PSD que ficam à frente, mas estou convencido de que o Chega terá bastante mais deputados do que o Bloco e o PC juntos. Portanto, não haverá um governo de [maioria de] esquerda. Se o PS for primeiro governará porque o PSD não se oporá, como o PSD governaria se ficassem em primeiro lugar e o José Luís Carneiro fosse líder do PS.

E o que se faz com o Chega?

O Chega será normalizad­o, mas não é o momento. O Chega nem é bem um partido, é uma pessoa, não tem quadros. Vemos isso onde foi eleito: é um desastre, esboroa-se. O Chega há-de crescer e poder sentar-se à mesa dos adultos, como um dia se sentaram o Bloco e o PC. Mas não é o momento. O cordão sanitário faz sentido e não é tático. O PSD não deve formar governo com o Chega. Isso parece mais ou menos assente.

Se o PSD tivesse sido mais paciente ou Rio mais capaz, seria esta a hora do PSD e de Rio?

Tenho pena de o Rui Rio não ter sido primeiro-ministro de Portugal. Vou contar-lhe: tenho para com o Rui Rio uma dívida de quase 50 anos. Eu era docente da Faculdade de Economia do Porto (FEP), encabeçava a ala à esquerda nos professore­s, até que o Rui Rio é o primeiro tipo à direita que chega a presidente da Associação de Estudantes da FEP. O professor mais graduado da casa [Rui da Conceição Nunes], que liderava a ala mais conservado­ra, foi pedir ao Rui Rio acabado de ser eleito a minha cabeça. Pede-lhe que houvesse um movimento qualquer para…

“Rui Rio, com quem não tinha relação, disse que não [me saneava]. Quase me emociono a falar disto”

...para ser saneado.

Sim ou algo parecido, já são os finais dos anos 70. E o Rui Rio, com quem eu não tinha relação nenhuma, disse pura e simplesmen­te que não. Eu quase me emociono a falar disto. Porque não é um tipo com 40 ou 50 anos, é um miúdo de 20 anos que num momento de grande afirmação pessoal se orienta por um princípio ético e de retidão. Isto marca uma relação. Tenho por ele admiração.

O que conhecemos do caso judicial que fez cair o Governo para si mostra o desejo de viabilizar um investimen­to, por entre informalid­ades, ou um plano criminoso?

As acusações de que há um investidor que interagia com grande frequência e proximidad­e com o governo do PS, na Presidênci­a do Conselho de Ministros (PCM) ou nos ministério­s, outras vezes no Largo do Rato... a partir do momento em que os governos e a política têm esta dimensão de promoção dos negócios não vejo como um investidor vai falar com o Governo a não ser no Ministério, na PCM ou no Largo do Rato. E se foram almoçar ou jantar… os negócios discutem-se à mesa muitas vezes. E se o João Galamba, de quem eu não gosto nada, almoçou por 30 ou 50 euros num restaurant­e qualquer numa conversa dessas, não vejo problema. Como não vejo em ter ido jantar ao JNcQUOI por duzentos e tantos euros, que excedem lá a regra dos 150 euros [do código de conduta do Governo]. Se no meio disto tudo, num investimen­to de centenas de milhões, há um jantar que custa 250 euros… por muito menos fui a jantares desse valor porque eram oferecidos, em reuniões. Há aqui uma postura miserabili­sta da opinião pública e do próprio poder judicial.

“Se o João Galamba, de quem não gosto nada, almoçou por €30 ou €50 não vejo problema”

Traduz incompreen­são da parte do Ministério Público?

A peça mais admirável que li sobre isto é a entrevista do Rui Rio ao JN. É por escrito, aquilo está hiper controlado, muito mais do que eu, que não estou aqui a controlar nada (ri-se). O Ministério Público decapitou o Governo... por nada. Coisa diferente é o juízo muito negativo sobre o que era o ambiente do conselho de ministros, aquelas histórias todas, o Miguel Alves [ex-secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, acusado de prevaricaç­ão como autarca de Caminha] e os 70 e quantos mil euros [encontrado­s no escritório do chefe de gabinete Vítor Escária]. Mas isso é um juízo político. Cheguei a escrever no Expresso que o Costa caiu porque tantas vezes o cântaro foi à fonte. Não vou dizer que é por indecente e má figura, mas realmente estava a pedi-las. Agora… a postura do Ministério Público, aquele parágrafo, é uma coisa inaceitáve­l. Será que devia ser trazido a público num momento em que se sabia tão pouco? Se o PS ganhar deve agradecer ao Ministério Público. ●

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Daniel Bessa fotografad­o na Porto Business School, escola de gestão que dirigiu e onde recebeu a SÁBADO
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Bessa faz um juízo político negativo de António Costa, mas não hesita: “O Ministério Público decapitou o governo... por nada”.
g Bessa faz um juízo político negativo de António Costa, mas não hesita: “O Ministério Público decapitou o governo... por nada”.
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O economista apoia o PSD, mas não contribui para o programa do partido. “Assinei, como o Goucha”, afirma.
◀ O economista apoia o PSD, mas não contribui para o programa do partido. “Assinei, como o Goucha”, afirma.

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