Montenegro deve estar preocupado
As presidenciais americanas de 1960 ficaram na história por terem sido as primeiras em que um debate entre candidatos foi transmitido pela televisão. Pela primeira vez, milhões de eleitores puderam não só ouvir os candidatos mas também avaliar a sua postura, aparência, gestos, simpatia e autenticidade.
Do lado democrata estava John F. Kennedy, um jovem senador oriundo de uma família proeminente; do outro o duas vezes vice-presidente Richard Nixon, tido como favorito à vitória. Mas esse debate mudou tudo. Nixon recusou ser maquilhado, usou um fato cinzento que se confundia com o estúdio, a sua testa brilhava, parecia zangado e o seu desconforto era visível. Do outro lado, Kennedy estava impecavelmente vestido, tinha um ar atlético, falava com confiança e transmitia calma e empatia. Nos debates seguintes, Nixon ainda tentou emendar o erro, mas não foi a tempo. Kennedy ganharia essa eleição. O debate foi o fator decisivo e a partir de então dado como um caso de estudo do marketing político.
Lembrei-me deste episódio durante o fim de semana ao ver as intervenções de Pedro Nuno Santos no congresso do PS e as de Luís Montenegro na assinatura da AD e num encontro em Braga. O novo líder socialista surgiu sempre impecável, articulado, com noção da importância da imagem. A única coisa que dele transpirava era autenticidade, energia e empatia. Já o líder do PSD continuou a mostrar-se nas sombras, meio curvado, com um discurso zangado – na apresentação da AD rodeado de outros homens de meia-idade igualmente zangados –, pouco construtivo e com uma testa tão brilhante como a de Nixon em 1960.
Mais de 60 anos após esse debate histórico, é incompreensível que um candidato a primeiro-ministro apareça em eventos públicos sem os devidos cuidados com a imagem. Ao colocar a cruz no boletim de voto, a grande massa de eleitores do centro vão perguntar a si mesmos em quem mais confiam para entregar os destinos da Nação. Entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro não é difícil perceber qual deles será o Nixon desta história.
Um partido perdido
A forma poderia não ser tão importante se fosse compensada pelo conteúdo. Esse é o segundo problema de Montenegro: ao fim de ano e meio de liderança os portugueses são incapazes de identificar o líder do PSD com uma visão transformadora para o País. Sem o discurso das contas certas – do qual o PS se apropriou –, os social-democratas parecem ter caído num poço sem fundo do qual não conseguem sair. Pior: parecem não se distinguir do PS e abriram espaço para a sua própria erosão e crescimento da Iniciativa Liberal ou do Chega. Sem dizer de forma clara o que faria diferente do PS, Luís Montenegro nunca descolará nas intenções de voto. Gritar que é tudo “uma bandalheira” – ao estilo de André Ventura – não lhe servirá de muito: os descontentes vão sempre preferir o partido de protesto original.
Concorde-se com ele ou não, Pedro Nuno Santos foi capaz de apresentar no congresso do PS uma visão de futuro, falando para aqueles que, como ele, nasceram no pós-25 de Abril e raras vezes se sentiram representados numa classe política pouco preocupada com os seus problemas e ambições. A esses lançou o sonho de um País mais solidário, com noção de comunidade, um País de topo, com qualidade de vida, melhores salários e inovação. Pode, como foi dito, ter falado num País que não existe – mas é inegável que todos gostavam que existisse.
Fragilizar o líder
Carlos César e Augusto Santos Silva, entre outros, criticaram o Presidente da República por ter dissolvido o parlamento e convocado eleições. É um direito legítimo. Mas dizer que as eleições eram desnecessárias é o mesmo que dizer que era escusado o PS ter escolhido um novo líder. Se essa fragilização de Pedro Nuno Santos foi intencional ou não só os próprios o poderão dizer. ●