Global Media, mais do queuma nacionalização
O drama vivido por centenas de trabalhadores da Global Media, detentora de títulos como a TSF, DN e JN, tem vindo a despertar muitas consciências para os problemas com que, há muito, se debate o setor.
Não é de agora que o jornalismo enfrenta uma crise profunda, determinada pela quebra continuada de receitas, por salários minguantes, pela precariedade dos vínculos laborais, pela ausência de investimento nos títulos.
Uma crise agravada pelo roubo e outras formas, continuadas, de utilização abusiva do trabalho jornalístico, praticada pela Google e restantes plataformas tecnológicas, que levam a parte de leão da publicidade. Pela resignação e mesmo falta de inteligência estratégica de muitas administrações, que preferiram entrar na partilha do bodo aos pobres do que bater-se pelos direitos das empresas e dos jornalistas nos tribunais e nos palcos políticos. Foram pelo canto de sereia das tecnológicas, que dividiram o setor com umas migalhas da sua fabulosa faturação, através de programas de auxílio à transição e inovação digital. Os patrões portugueses, ao contrário de outros na Europa, preferiram as migalhas à litigância pelos direitos das empresas e dos trabalhadores. Hoje, pela mesma Europa, há quem comece a ver a luz ao fundo do túnel, com os salteadores a serem obrigados a reparar o roubo pelo valor justo, enquanto por cá não se passa da cepa torta.
A insensibilidade política dos sucessivos governos também tem a sua (enorme) quota-parte. Não foram capazes de levantar a questão em Bruxelas, não promoveram políticas sérias de leitura, de defesa do livro e da imprensa. Ufanaram-se das contas certas, mas falharam num pilar essencial da formação, do conhecimento, da construção cívica e cultural do ser humano. Têm vindo a deixar morrer o pouco que existia em matéria de apoios públicos, ajudando com a omissão e a inércia a destruir uma indústria, incluindo nos seus setores de distribuição e impressão.
Finalmente, temos os poderes parasitários do próprio jornalismo, como aqui os defini há algum tempo. Começando na expansão desmesurada, sem balizas éticas ou deontológicas, do mercado da comunicação empresarial, até à institucionalização de “modelos de negócio” na venda de espaço publicitário que vive da parasitação dos próprios géneros jornalísticos. Enfim, há mais de uma década, pelo menos, que os sintomas mais graves estavam à vista e eles não vão desaparecer com nacionalizações. O problema de todo o setor é muito mais profundo. Alguém acredita que seria possível nacionalizar todos os títulos que apresentam explorações deficitárias? Não me parece. É necessária uma intervenção em várias frentes, da fiscalidade aos incentivos da leitura e criação de novos leitores, dos modelos de compras da publicidade pública ao fim do financiamento do cliping pelo próprio Estado. É preciso, sobretudo, uma frente contra o banquete das tecnológicas. O problema de todos está aí.
Na Global Media há um pouco de todos os elementos da crise. Sempre houve muito, também, de uma tentacular obsessão de controlo político. Basta ver no processo Face Oculta, nomeadamente na parte em que se desenhou a megalomania totalitária de Sócrates de controlar toda a comunicação social, como este e os seus apaniguados davam aquela empresa como território controlado. Isso estava assegurado através da ligação pessoal entre Armando Vara e Joaquim Oliveira, então dono da empresa, a quem era pedido para evitar que “algum jornalista mais novo” fizesse perguntas ou notícias indesejáveis.
Na crise atual, já só se vê aventureirismo puro. Já só se encontram todos os ingredientes que podem levar esta história miserável à mesa de trabalho do inspetor Paulo Silva e do magistrado Rosário Teixeira: opacidade na origem do dinheiro, testas de ferro, duvidosa transação com o Estado em torno da Lusa.
Os trabalhadores da Global, os seus bravos jornalistas, merecem soluções rápidas para a crise que enfrentam. Mas também merecem que se faça justiça, punindo quem os conduziu ao abismo. ●