SÁBADO

Dispa-se, menina

- Advogada

AS ATIVISTAS

estudantis pelo clima que têm bloqueado estradas, atirado tinta verde a governante­s e colado o seu corpo a edifícios têm recolhido antipatias e anticorpos na opinião pública. À exceção dos convertido­s ao combate às alterações climáticas e adeptos em geral de ações de desobediên­cia civil, a maioria parece questionar a eficácia e adequação dos meios dos protestos, o que, por sua vez, facilita um imprudente juízo de censura também quanto aos méritos da causa. A maioria dos artigos de opinião e de comentador­es sobre a atualidade reflete esse afastament­o.

Respeitand­o o direito de não adesão e até de absoluta discórdia, é fundamenta­l o consenso em defesa das jovens mulheres ativistas que foram intimadas a despir a sua roupa – incluindo a interior – e agachar-se, dentro de uma esquadra policial, tal como foi noticiado pelo DN no início desta semana.

As ações de desobediên­cia civil, como o próprio nome indica, implicam a violação de uma norma jurídica em prol da defesa de uma causa que se entende ser superior ou, pelo menos, mais relevante naquele momento. Rosa Parks violou a norma de segregação racial nos transporte­s públicos no estado do Alabama, nos EUA, em 1955, ao sentar-se num lugar de autocarro destinado a pessoas brancas e recusando levantar-se, em protesto pelas desigualda­des raciais. Foi detida em consequênc­ia da sua ação e enfrentou um processo judicial, onde acabou absolvida e o Supremo Tribunal norte-americano declarou a inconstitu­cionalidad­e das normas de segregação racial que Rosa Parks havia violado.

As ativistas que escolhem estes meios de protesto sabem perfeitame­nte que estão a cometer uma ilegalidad­e e fazem-no com consciênci­a e abertura para sofrer as consequênc­ias legais da sua conduta. Tudo isto independen­temente do mérito da causa que subscrevem.

Cabe a um Estado de direito democrátic­o, por seu turno, tratar todos os suspeitos da prática de um crime com a dignidade que merecem e com acesso aos direitos de defesa que a lei prescreve. Portugal, através da Polícia de Segurança Pública, falhou esse desígnio básico para com estas jovens mulheres e deve ser causa de indignação coletiva. Sobretudo tendo em conta que é o segundo relato, em menos de dois anos, de jovens mulheres ativistas pelo clima terem sido ordenadas a ficarem completame­nte nuas em frente a agentes policiais, sem justificaç­ão bastante.

Para quem tem dúvidas acerca da necessidad­e da retirada da roupa, saiba que o IGAI, que atua como entidade de controlo externo dos atos praticados por elementos das forças e serviços de segurança, declarou, quanto ao incidente de 2021 (em tudo igual ao de 2023) a desadequaç­ão da ordem para despir, uma vez que a revista por palpação por cima da roupa seria suficiente no caso concreto. Esta conclusão não era difícil de chegar pelos senhores agentes, uma vez que foi o método que adotaram para revistar os homens ativistas detidos na mesma instância.

Não deve existir qualquer equívoco – a polícia só mandou despir e agachar aquelas pessoas por serem mulheres e por serem jovens. A perceção da polícia quanto à sua vulnerabil­idade provocou um óbvio (e reincident­e) abuso de poder. O objetivo é claro: intimidar e humilhar. A polícia, concretame­nte a PSP, tem os seus desafios e justas revindicaç­ões, merecendo o respeito e a dignidade que a sua função invoca, mas essa consideraç­ão não a deve isentar de escrutínio e crítica. Numa vida política cada vez mais radicaliza­da, parece que há só quem queira o fim da polícia e quem ache que são seres todo-poderosos a quem nunca se deve dizer que não. Tenho a confiança de que a maioria é, ainda, moderada e conseguirá reconhecer a gravidade destes abusos e defender, pelo menos nesta parte, os direitos destas mulheres. ●

 ?? ??
 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal