SÁBADO

Espero pelo resto da minha vida poder servir de exemplo. Para mim é muito importante que olhem para mim e se sintam representa­das, sintam que podem sonhar mais

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ças, adolescent­es, até adultos que acham que estão num lugar em que não podem pensar em viver só disto, espero poder ser uma inspiração para essas pessoas. Para mim é muito importante que olhem para mim e se sintam representa­das, sintam que podem sonhar mais.

Entrou na música já com alguma maturidade. Como encarou a indústria?

Embora já com maturidade, eu não percebia nada do meio artístico. Tinha uma personalid­ade forte, que fez com que soubesse sempre qual é a música em que acredito mesmo, e o facto de ter 29 anos na altura foi bom para isso. Por outro lado, entro no meio artístico completame­nte inocente. Nem sequer sabia como é que as pessoas se movimentav­am em Lisboa. Não percebia nada, e ao fim destes 10 anos a minha escolha é não perceber, e focar-me na música. O mais importante destes anos todos é que a música continua a ser essencial, e fico feliz de não ter largado isso. Podes ter conceitos, podes ter histórias, podes dizer o que quiseres nas entrevista­s, fazer o que quiseres, mas a tua vida e a maneira como a vives falam por si. O importante é quando as pessoas te ouvem.

Como encara hoje o álbum Gisela João?

Tenho muito orgulho nele, adoro aquele disco. A escolha do nome foi simples: não queria pensar num título, e a cantar é quando estou a ser mais crua. Quando crescemos, vamos criando uma imagem para os outros e para nós mesmos, há umas capas que se vão adensando à nossa volta. Mas quando canto não tenho controlo sobre mim, sirvo de canal para aquele poema, para aquela história ser contada, para que os outros a sintam como sua. Hoje, ouço aquele disco, aquela forma de ser, e continua a ser eu. Sou mais do que aquilo, mas aquilo sou eu, e isso deixa-me muito feliz.

Não se arrepende de nada?

Acontece-me muito olhar para o passa

do e ficar constrangi­da com coisas que fiz, fotografia­s que tirei, maquilhage­ns que fiz, mas não tenho muitas fotografia­s de infância, daquelas em pequena, e portanto dá-me gozo olhar para esses momentos. Se calhar não usaria a cor do batom ou o vestido, mas olho para isso com carinho, porque essas coisas levaram-me ao que sou hoje. A vergonha é uma das piores coisas que o ser humano tem. Torna-nos menores, não factualmen­te, mas faz-nos ter uma ideia errada de que somos ou já fomos menores, e devemos orgulhar-nos da coragem que tivemos por termos feito o que fizemos. Viver é um ato revolucion­ário. O ato de todos os dias saíres da tua casa, da tua zona de conforto, e ires para a rua é revolucion­ário, pode marcar a vida das pessoas. E eu não vou só para a rua, vou para o palco.

Fala dos primeiros discos como uma expressão de autenticid­ade, e do Aurora como um recomeço. O que se segue?

Quando gravei o meu primeiro disco, queria gravar um disco duplo, em que um seria de fados tradiciona­is, e o outro com as mesmas músicas mas um som diferente, mais moderno, e na altura disseram-me que por uma questão de identidade não era boa ideia. Os meus dois primeiros discos acabaram por ser de fado tradiciona­l puro e duro, como eu amo, com uma abordagem instrument­al e vocal mais contemporâ­nea. O Aurora é um disco em que me sinto mais livre, que é meu e não da editora, onde me permito esticar mais um bocadinho, juntar mais elementos do que sou – algo que sempre quis fazer desde o primeiro, mas que não me deixaram. Para mim, o que tenho no Aurora é fado tradiciona­l também, mas abre o espectro para novas possibilid­ades de forma tão abrangente que é difícil perceber para onde irei – até para mim. Tenho uma ideia, mas tenho noção de que há muito por descobrir no processo.

Imaginando uma celebração dos 20 anos de carreira da Gisela João...

É festa. É... e vinho verde. Eu quero é comemorar. Se puder fazer aos 11 anos, faço, e aos 12, e aos 15 e 16. E isso é o que eu quero que aconteça nos 20 anos, e nos 30, e nos 50, se cá estiver.

Há algum objetivo por cumprir?

Sou muito agradecida pelo que tenho, vou vivendo as experiênci­as à medida que vão aparecendo. Tenho plena noção de que posso ser uma pessoa difícil com quem trabalhar, não no sentido de discutir, mas de ser complexa nas coisas que quero. Não quero fazer mais do mesmo, quero ir para o desconheci­do, desafiar as pessoas que trabalham comigo e levá-las ao extremo. Cantar é mesmo a coisa mais séria da minha vida, e esta complexida­de vem disso. E se não for para fazer da forma em que acredito, prefiro estar a fazer outra coisa. ●

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