O grande problema do País não é o Chega
Ese acabássemos de vez com esta espécie de preconceito de tudo exigir apenas ao Chega? Sim, é fácil apontar-lhe (o partido coloca-se realmente a jeito) doses assinaláveis de demagogia. Mas não há no espectro político nacional outros partidos que vão há anos a votos em circunstâncias muito parecidas? Fora da bolha mediática, o que se estranha é a normalização que se faz de uns (partidos inteiros ou medidas avulso) e o contraponto que é a desqualificação imediata de tudo o que vem de André Ventura e apaniguados.
Muitos comentadores – com preferências ideológicas que os cegam tantas vezes – só vislumbram coisas odiosas no partido que se está a tornar, no mínimo, a terceira força política em Portugal. Uns desqualificam os quadros e militantes como se fossem uma espécie de selvagens iletrados, outros abominam que se esteja a cativar políticos de vários quadrantes (PS, PSD, BE e outros nunca o fizeram, certo?!) e há quem use a calculadora para destruir de imediato propostas como a que foi apresentada no congresso do Chega e que visa a prazo a equiparação das pensões mais baixas ao salário mínimo nacional. Diz-se, e com razão, que terá um custo exorbitante, mais ainda se se juntar a recuperação do tempo de serviço dos professores e de outras carreiras públicas.
Dentro da bolha dos interesses convenientes, as propostas do Chega são inevitavelmente vistas como nada democráticas se tocarem no controlo da imigração e da subsidiodependência, no enaltecimento do patriotismo, na defesa da separação de poderes, no questionar das políticas de género, na defesa de penas judiciais mais fortes, na exaltação dos antigos combatentes, militares e polícias, enfim, tudo é logo condição para tentar impedir o partido até de ir a eleições.
A exigência é tal que, dentro da bolha, não se critica com a mesma veemência quem exige a reversão das privatizações
“por nacionalização e/ou negociação adequada”. Sim, até no caso da EDP e da Galp. Também se esquece quem não hesita em bater-se pela dissolução da NATO, a saída da UE a prazo, o controlo da banca ou a venda da CGD, a regulação dos preços dos alimentos, dos combustíveis e da habitação, as reformas antecipadas sem penalizações, os medicamentos gratuitos para mais de 65 anos, o fim das portagens nas scuts, a redução do valor das prestações ao banco, com recurso às taxas e comissões, “pondo os lucros da banca a suportar o aumento das taxas de juro e o alargamento da oferta pública de habitação” (parece igual, mas não é uma proposta do Chega). Também há quem queira menos IRS, menos IRC, menos IMI, menos IMT, menos taxas, menos contribuições. E um subsídio de desemprego também para os que se despedem por vontade própria, além de salários mínimos a variar de município para município.
Não esquecer que alguns defendem o fim dos exames até no acesso à universidade, a nacionalização de certos grupos de media, a proibição de tradições como as touradas, propinas e alimentação escolar gratuitas, pagamentos a médicos e outras classes profissionais para se instalarem no Interior (e num País com o tamanho que tem), subsídios para animais de companhia e uma rede pública de hospitais veterinários. Sim, exige-se ao Chega responsabilidade económica, social e política que não encontra paralelo nos critérios aplicados a outros partidos. Isto quando temos diante dos olhos um partido que controla o Estado há décadas e que mostrou, no mínimo, uma extraordinária incapacidade para gerir setores como a saúde e a educação públicas. Ou partidos que abriram a porta à saída do País de boa parte de jovens que não querem ordenados de mil euros. Hoje somos o país da Europa com mais emigração (e o oitavo do mundo) e a responsabilidade é do Chega? Somos o país em que cai de podre um Governo de maioria absoluta e a culpa é do Chega? Temos bancarrotas periódicas, a escola pública sem professores, o flagelo da corrupção, as urgências hospitalares a tratar muitas pessoas como animais e o problema é o Chega? Aquilo que estava escrito num cartaz no recente congresso do partido – “Porque outros não fazem o seu trabalho” – talvez seja o que melhor explica que tanta gente vote, por convicção ou protesto, no Chega. ●