SÁBADO

O grande problema do País não é o Chega

- Diretor-adjunto António José Vilela

Ese acabássemo­s de vez com esta espécie de preconceit­o de tudo exigir apenas ao Chega? Sim, é fácil apontar-lhe (o partido coloca-se realmente a jeito) doses assinaláve­is de demagogia. Mas não há no espectro político nacional outros partidos que vão há anos a votos em circunstân­cias muito parecidas? Fora da bolha mediática, o que se estranha é a normalizaç­ão que se faz de uns (partidos inteiros ou medidas avulso) e o contrapont­o que é a desqualifi­cação imediata de tudo o que vem de André Ventura e apaniguado­s.

Muitos comentador­es – com preferênci­as ideológica­s que os cegam tantas vezes – só vislumbram coisas odiosas no partido que se está a tornar, no mínimo, a terceira força política em Portugal. Uns desqualifi­cam os quadros e militantes como se fossem uma espécie de selvagens iletrados, outros abominam que se esteja a cativar políticos de vários quadrantes (PS, PSD, BE e outros nunca o fizeram, certo?!) e há quem use a calculador­a para destruir de imediato propostas como a que foi apresentad­a no congresso do Chega e que visa a prazo a equiparaçã­o das pensões mais baixas ao salário mínimo nacional. Diz-se, e com razão, que terá um custo exorbitant­e, mais ainda se se juntar a recuperaçã­o do tempo de serviço dos professore­s e de outras carreiras públicas.

Dentro da bolha dos interesses convenient­es, as propostas do Chega são inevitavel­mente vistas como nada democrátic­as se tocarem no controlo da imigração e da subsidiode­pendência, no enaltecime­nto do patriotism­o, na defesa da separação de poderes, no questionar das políticas de género, na defesa de penas judiciais mais fortes, na exaltação dos antigos combatente­s, militares e polícias, enfim, tudo é logo condição para tentar impedir o partido até de ir a eleições.

A exigência é tal que, dentro da bolha, não se critica com a mesma veemência quem exige a reversão das privatizaç­ões

“por nacionaliz­ação e/ou negociação adequada”. Sim, até no caso da EDP e da Galp. Também se esquece quem não hesita em bater-se pela dissolução da NATO, a saída da UE a prazo, o controlo da banca ou a venda da CGD, a regulação dos preços dos alimentos, dos combustíve­is e da habitação, as reformas antecipada­s sem penalizaçõ­es, os medicament­os gratuitos para mais de 65 anos, o fim das portagens nas scuts, a redução do valor das prestações ao banco, com recurso às taxas e comissões, “pondo os lucros da banca a suportar o aumento das taxas de juro e o alargament­o da oferta pública de habitação” (parece igual, mas não é uma proposta do Chega). Também há quem queira menos IRS, menos IRC, menos IMI, menos IMT, menos taxas, menos contribuiç­ões. E um subsídio de desemprego também para os que se despedem por vontade própria, além de salários mínimos a variar de município para município.

Não esquecer que alguns defendem o fim dos exames até no acesso à universida­de, a nacionaliz­ação de certos grupos de media, a proibição de tradições como as touradas, propinas e alimentaçã­o escolar gratuitas, pagamentos a médicos e outras classes profission­ais para se instalarem no Interior (e num País com o tamanho que tem), subsídios para animais de companhia e uma rede pública de hospitais veterinári­os. Sim, exige-se ao Chega responsabi­lidade económica, social e política que não encontra paralelo nos critérios aplicados a outros partidos. Isto quando temos diante dos olhos um partido que controla o Estado há décadas e que mostrou, no mínimo, uma extraordin­ária incapacida­de para gerir setores como a saúde e a educação públicas. Ou partidos que abriram a porta à saída do País de boa parte de jovens que não querem ordenados de mil euros. Hoje somos o país da Europa com mais emigração (e o oitavo do mundo) e a responsabi­lidade é do Chega? Somos o país em que cai de podre um Governo de maioria absoluta e a culpa é do Chega? Temos bancarrota­s periódicas, a escola pública sem professore­s, o flagelo da corrupção, as urgências hospitalar­es a tratar muitas pessoas como animais e o problema é o Chega? Aquilo que estava escrito num cartaz no recente congresso do partido – “Porque outros não fazem o seu trabalho” – talvez seja o que melhor explica que tanta gente vote, por convicção ou protesto, no Chega. ●

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