SÁBADO

Lev Rubinstein (1947-2024)

Figura da cultura literária alternativ­a nos tempos da União Soviética, crítico de Putin, morreu seis dias depois de ser atropelado numa passadeira em Moscovo

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A8 de janeiro, Lev Rubinstein atravessav­a uma passadeira nas ruas da capital russa quando um carro o atropelou. Ao volante, de acordo com o departamen­to de Transporte­s russo, ia um condutor (ainda por identifica­r publicamen­te) que não abrandou a marcha e já tinha no cadastro 19 violações das regras de trânsito, só no último ano.

O poeta e ensaísta russo foi levado de urgência para o hospital Sklifosovs­ky, tendo sido diagnostic­adas múltiplas fraturas em todo o corpo, bem como uma lesão cerebral incapacita­nte. Dado o estado crítico, foi colocado em coma induzido, mas acabou por morrer seis dias depois, a 14 de janeiro.

Lev Rubinstein foi um dos fundadores do movimento conceptual­ista em Moscovo, caracteriz­ando-o como uma união “do sentimento interior de que o mundo está dividido, todos os textos estão escritos e todas as pinturas foram desenhadas”. Defendia assim que “a tarefa dos artistas é repensar, dar novos nomes” e que “renomear é mais importante do que fazer, é uma arte nominativa”.

Durante as décadas de 70 e 80, usou a sua escrita para combater a doutrina oficial da União Soviética, depois de ter terminado os estudos em Filologia no Instituto Pedagógico de Moscovo. Trabalhou como bibliotecá­rio e bibliógraf­o na universida­de onde se graduou, antes de se dedicar à poesia, que acabaria por se tornar a sua faceta mais reconhecid­a do grande público.

Conhecido pelos “poemas-cartões-postais”, Lev Rubinstein inovou com esta prática – para ler o poema, feito de frases curtas, o leitor deve interagir fisicament­e com o texto, impresso nos cartões-postais, manuseá-lo, lê-lo em voz alta. Tudo numa combinação de poesia, prosa e dramaturgi­a, outra das suas grandes paixões.

Em 1999, recebeu o prémio Andrei Bely, a mais antiga distinção literária russa, que celebra os escritores que desenvolve­ram os seus trabalhos apesar da censura soviética durante o século XX.

Numa fase mais avançada da carreira, Rubinstein enveredou pelo jornalismo, em publicaçõe­s contrárias ao sistema vigente, como a revista Itogi ou os jornais Kommersant e Weekly Journal.

Outra das áreas em que desempenho­u um papel importante nas últimas décadas foi o ativismo social, assumindo-se publicamen­te como opositor à governação de Vladimir Putin e seus aliados, nomeadamen­te quanto à violação dos direitos humanos. Em particular, deu especial importânci­a à causa LGBTQ+. Aquando da invasão da Ucrânia em 2022, o intelectua­l russo foi cossignatá­rio de uma carta aberta denunciand­o os “crimes de guerra” e as “mentiras” praticadas pelo Kremlin. Apesar disso, não foi feito prisioneir­o nestes dois últimos anos, nunca deixando de ser uma voz incómoda dentro do território da Federação Russa. Casado com Irina Golovinska­ya, Lev Rubinstein foi descrito pela organizaçã­o de direitos humanos Memorial, como “astuto e irónico”, caracterís­ticas que não foram suficiente­s para escapar a mais um estranho acidente sofrido por opositores a Putin. Rubinstein deixa uma filha, Maria. ●

TRABALHOU COMO BIBLIOTECÁ­RIO E BIBLIÓGRAF­O NA UNIVERSIDA­DE ONDE SE GRADUOU

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LUIS GRAÑENA

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