Chega chega para ficar
1.
O Chega não é um epifenómeno na política portuguesa, veio para ficar. O que significa que o conjunto dos maiores partidos sofre alterações qualitativas.
2.
Essas alterações afectam principalmente o PSD e o CDS, que se deslocaram para a direita do espectro político e perderam o centro para o PS. Foi esse essencialmente o significado da maioria absoluta do PS, que acompanhou também a saída de militantes e alguns quadros para o Chega. E muitos, muitos eleitores.
3.
O Chega é a versão portuguesa de um movimento europeu de criação de partidos da direita radical e da extrema-direita. Alguns têm antepassados ou absorveram partidos e movimentos mais antigos, como em França, outros são relativamente novos, como o Vox e, por fim, alguns são mesmo novos partidos, como o Chega.
4.
Estes movimentos traduzem causas tradicionalmente da extrema-direita desde a II Guerra Mundial, actualizadas nos últimos 40 anos, grosso modo, de forma a incluir a versão espelhar das chamadas “causas fracturantes”. A componente tradicional é muito centrada na emigração e no autoritarismo, na obsessão com a segurança face aos riscos reais e percebidos de insegurança, a criminalidade.
5.
O que torna novos alguns destes partidos é somarem um património histórico da extrema-direita com um grupo de causas antifeministas, anti-LGBTQ+ que se estendem do ensino à organização da saúde, das escolas, da praça pública. O Chega, e não é único, conduz uma guerra cultural que é hoje o caminho mais eficaz para depois virem a reboque propostas sobre o Estado, antidemocráticas, xenófobas, autoritárias e securitárias.
6.
Todas estas causas se interligam entre si. A xenofobia funciona contra os emigrantes, a cor e a religião dos emigrantes, serve como anátema à emigração e como fomento do racismo, a criminalidade serve para culpar os “perigosos emigrantes”, que como diz Trump, um farol de todas estas ideias, “envenenam a raça”. O nacionalismo serve para fechar as fronteiras aos não portugueses, brancos, a defesa da “família tradicional” para atacar as mulheres e a comunidade LGBTQ+. Da causa e da guerra cultural, patrocinando anátemas e políticas, passam para o corpo, com a castração química como forma de combater a pedofilia, e a prisão perpétua e a pena de morte para sancionar o crime. Todas estas propostas foram ou são património do Chega, mesmo que algumas sejam convenientemente esquecidas em períodos eleitorais.
7.
O discurso sobre a corrupção dos “políticos” é uma peça central da propaganda do Chega. São atacados em bloco, e, quando é assim, o ataque é à democracia. As medidas, chamemos-lhe assim, “preventivas” tornam a actividade política uma espécie de actividade
maldita, realizada por gente de imediato suspeita, que só falta acrescentar a obrigação de trazer, como os judeus, uma variante da estrela cosida no fato ou no vestido. Depois estende-se a suspeição muito para além do crime, com denegação do princípio da presunção da inocência e com sanções de carácter político que são inconstitucionais.
8.
Se o Chega aplicasse a si próprio os critérios de suspeição e punição, sem direito de defesa aos seus “políticos” não teria grupo parlamentar, nem candidatos, nem vereadores ou qualquer outro representante político.
9.
Nada disto impede o Chega de ser hoje o partido político com maior dinamismo eleitoral, e mesmo político. É o único que todos esperam ver crescer, mesmo que haja controvérsia sobre a dimensão deste crescimento. E, no plano político, caso não exista qualquer improvável maioria absoluta, é o que tem mais margem de manobra. Se a “AD” for o primeiro partido, o Chega pode abster-se na sua legitimação parlamentar, mas não deixará de ser a sombra quotidiana da governação, decidindo pelo seu voto o que se faz e não faz, e obrigando os partidos da “AD” a tê-lo sempre como um fantasma em cima da mesa do Governo, na decisão de qualquer lei ou na omissão de qualquer medida, que precise do voto favorável do Chega.
10.
O PSD pode todos os dias combater o PS e o seu líder, mas o seu principal problema é o Chega, como o PS pode estar todos os dias a vociferar contra o Chega, mas é a “AD” que o preocupa e os partidos da proto-geringonça. Todos sabem que o dia a seguir às eleições será muito complicado e mesmo que haja soluções de Governo com uma maioria parlamentar, nenhum tem soluções de governabilidade. Vai ser muito mau, numa altura em que o mundo está péssimo. ●