UMLÍDER “RESSABIADO”QUE MUDOUDEIDEIAS
Câmara Pereira não queria ir em lugar não elegível, sonhava ser deputado como o irmão Nuno. Acabou por ceder a Paulo Estêvão. Na direção, há quem tema que a exposição do líder prejudique o PPM: “É um ativo tóxico.”
Foi Gonçalo da Câmara Pereira que o admitiu a um colega do partido: tem, queixou-se, “ordens expressas” do PSD para não falar na campanha pelo PPM. Antes ainda desta confirmação, já um contacto da SÁBADO o permitira perceber: ao pedido de entrevista, Gonçalo da Câmara Pereira explicou que gostaria muito, mas estando numa coligação, teria de consultar os outros partidos. Depois, remeteu para Paulo Estêvão, presidente do PPM Açores, e enviou o respetivo contacto. No dia seguinte, num contacto para um perfil mais pessoal, invocou estar em reunião e não voltou a atender o telefone. Fechou-se o ciclo: Gonçalo da Câmara Pereira, líder do PPM, tornou-se o homem que é preciso manter calado na coligação que começou por maldizer.
O próprio processo de aprovação interna da coligação no partido mostra aliás a decadência a que o seu presidente o conduziu nos últimos anos, segundo os muitos membros dos órgãos dirigentes com quem a SÁBADO falou. “É mais do que evidente que já perceberam que terá de ter uma mordaça durante a campanha eleitoral”, indica um elemento do Conselho Nacional do partido, que pediu para não ser identificado.
O Conselho Nacional (CN) do PPM votou por unanimidade a adesão à nova AD a 1 de janeiro, dia de Ano Novo, numa reunião por Google Meet. O CN tem, aliás, reunido com alguma frequência, o que durante anos não aconteceu – mas mudou depois de um artigo da SÁBADO, em abril de 2022, descrever o funcionamento anómalo do partido.
Há boas razões para a reunião de dia 1, com convocatória na véspera, 31, ter sido online. No dia 6 de dezembro, o encontro do CN para aprovar (também por unanimidade) a coligação com o PSD nas regionais dos Açores de 4 de fevereiro, foi na sede do partido, em Lisboa. Paulo Estêvão, líder do PPM Açores, decisivo no acordo de coligação – foi ele o pivô das negociações com o PSD –, foi o primeiro a chegar, e quem esteve percebeu-lhe a desilusão com o estado do local. A luz chegou a estar cortada e agora até a sala tem buracos no teto, de grandes dimensões.
Nas horas que antecederam o CN de dia 1, Paulo Estêvão ligou ele próprio aos membros daquele órgão, ou a convencê-los da bondade da entrada na nova AD, ou a pedir-lhes que por sua vez convencessem outros colegas eventualmente mais em dúvida. E era de facto preciso convencer alguns, dadas, até, as declarações do líder nos dias anteriores.
A 21 de dezembro, Câmara Pereira tinha dito ao Público que o PPM não ia juntar-se à AD, porque Luís Montenegro e Nuno Melo são “líderes fracos” e “não têm visão para o que se está a passar no País”. No dia seguinte, em declarações à Rádio Renascença, Câmara Pereira disse mesmo que contestaria junto do Tribunal Constitucional” a utilização da “designação AD”, porque “é uma sigla de três partidos”. E clarificou que
CÂMARA PEREIRA TEM ORDEM EXPRESSA DA COLIGAÇÃO PARA FICAR CALADO – CONFESSOU NO PARTIDO
as condições propostas para entrar eram “sem fazer parte no programa, nem termos nenhum assento na Assembleia da República (...). Portanto, não se justificava dar uma bandeira sem pôr a nossa equipa a jogar”.
Fonte internas descrevem à SÁBADO que o que foi oferecido ao partido foi um lugar não elegível e pouco honroso – há quem aponte o 27º, e quem refira o 21º – o que excluía qualquer possibilidade de Câmara Pereira chegar ao parlamento. A iniciativa partiu do PSD, mas as condições eram péssimas. Por isso, não quis. O que o fez mudar, depois do que dissera? De acordo com vários dirigentes, terá sido a persistência do açoriano Paulo Estêvão, que não desistiu, nem das negociações com o PSD, nem de convencer o seu próprio presidente. Estêvão estava já na coligação nos Açores, mas no partido é bem conhecida a sua ambição a mais do que isso: quererá chegar ao governo regional. “Ele tem feito um bom trabalho nos Açores, tem notoriedade, é respeitado, é uma ambição natural”, refere um monárquico com conhecimento das negociações.
A parte de convencer Câmara Pereira tinha um entrave: Gonçalo filiou-se no partido em 1976, mas viu o seu irmão Nuno, que só entrou nos anos 90 chegar a líder e a deputado em 2005, num acordo com o PSD então liderado por Pedro Santana Lopes. Gonçalo, a quem apontam uma relação de enorme competitividade com o irmão, aspiraria a, pelo menos desta vez, conseguir o mesmo posto – o que nunca esteve sequer em cima da mesa.
Paulo Estêvão conseguiu fazer subir o lugar do PPM nas listas para deputados até ao 19º, mas, mesmo assim, sempre não elegível. Mais: em caso de eventuais saídas para o governo nos lugares acima, que levem a que o 19º entre no Parlamento, fica claro no acordo que o lugar passa para o membro do PSD seguinte.
Em todo o caso, a persistência, esta subida de lugar, e um novo dado – Gonçalo introduziu Sofia Afonso Ferreira na equação – levaram o líder a dar o dito por não dito em me
FOI O VICE-PRESIDENTE PAULO ESTÊVÃO A DEFENDER JUNTO DA DIREÇÃO A ENTRADA NA AD
nos de 10 dias. Estêvão negociou com Hugo Soares, secretário-geral do PSD, mas houve uma conversa final entre os líderes. Foi Câmara Pereira a deslocar-se a Espinho. Fechado o negócio, foi Estêvão, e não o líder, a defender a nova AD em CN.
“Engolir um sapo”
Mas a unanimidade esconde o desconforto no PPM, tanto face à coligação como face ao papel do líder nela. Orlanda Matias, do Conselho Nacional, assume-o: “Votei favoravelmente a AD. Mas engoli um sapo para o fazer, por lealdade ao partido, ao seu percurso e aos seus objetivos. Mas temos um líder que chamou ‘fracos’ aos líderes com quem se coligou, tornando-se alvo de chacota nacional [Ricardo Araújo Pereira já gozou com esse ponto na SIC]. E depois disse que era estratégia, mas fê-lo por estar ressabiado por não estar em lugar elegível. Espero que o consigam conter – de contrário, a campanha será contraproducente para o partido e para a própria coligação. Ele é o ativo tóxico desta AD.”
Paulo Basto (o nome nos órgãos nacionais está escrito de forma errada, como “Bastos”), faz a mesma distinção entre o partido e o seu líder. Recebeu a convocatória para a reunião de dia 1, mas só a viu – dada a quadra – depois desta realizada. Foi convidado para a apresentação da AD no Porto – mas pelo PSD. Do seu partido, em que foi cabeça de lista em 2015, e o mais votado de sempre, não recebeu nenhum contacto. “O partido funciona com total ausência de informação, ou da mais básica formalidade institucional. Agora uma coisa é o partido, outra o líder. Acredito que o PPM tem um histórico importante e ainda pode dar um contributo à sociedade. O líder... Quem dá a cara é que mostra o partido e o
partido não é Gonçalo da Câmara Pereira.” O PPM perdeu o site antigo, depois de Basto, que andou a pagá-lo durante dois anos do seu bolso, deixar de pagar e passar os dados. Sem acesso a documentos básicos, perguntaram-lhe do partido se arranjava o programa de 2015. É que o que está hoje no site é de 2011 – tem 13 anos, é anacrónico e nem sequer lhe faltam erros de português, a começar por “Partido Popular Monárquico” no título. E mais seis vezes.
Orlanda Matias aponta ainda à escolha do segundo rosto do PPM na coligação: Sofia Afonso Ferreira, que integrou a coligação Basta, às europeias de 2019, que juntou o PPM e o Chega. “Percebi que a senhora estava na lista indicada pelo PPM, mas isso foi feito sem consultar os órgãos, nunca o nome dela foi a Conselho Nacional. É republicana e não é do partido, não sei como é que aqui aparece”, diz. Ao que a SÁBADO apurou, terá sido indicação de Gonçalo da Câmara Pereira – que a conhece desde os tempos da coligação Basta – e que a preferiu a um quadro do partido. No entanto, cabe ao CN “aprovar as propostas referentes às candidaturas das listas à Assembleia da República” (artigo 25º, alínea f) dos estatutos) – o que não aconteceu.
Contactado pela SÁBADO, Paulo Estêvão remeteu esclarecimentos sobre as negociações para a estrutura da AD: “Não estamos sozinhos na coligação.”
O problema do “abandalhamento” (a expressão é de um militante) pode ser mais grave do que problemas no site. O último congresso ocorreu em janeiro de 2019, nos Açores. O mandato de quatro anos dos órgãos dirigentes, de acordo com os estatutos, terminou em janeiro de 2023. O artigo 19º dos estatutos do partido estabelece que “os titulares dos órgãos nacionais do Partido Popular Monár
OS ÓRGÃOS EM FUNÇÕES, QUE APROVARAM A COLIGAÇÃO, TERMINARAM O MANDATO LEGAL HÁ UM ANO
OS MONÁRQUICOS NÃO VOTAM PPM: “NÃO É – NEM O SEU LÍDER – UM VEÍCULO ADEQUADO PARA A CAUSA DA DEFESA DA MONARQUIA”
quico são eleitos em Congresso por um período de quatro anos” e internamente há quem tema que as decisões dos atuais órgãos partidários possam ser ilegais. Em todo o caso, isso vai mudar: está marcado um congresso para 17 de março (após as legislativas, portanto), nos Açores, dividido entre as ilhas do Corvo e Flores, dois dos locais mais remotos do território nacional (ver página 33).
Monárquicos que não votam PPM
Um dos elementos de atração do PPM junto dos seus parceiros em coligações é o potencial para reter o voto monárquico. Mas este é um dado desmentido até dentro do partido. “Os monárquicos não votam no PPM, isso é um erro de perceção”, aponta um dirigente. Outro destaca inúmeros telefonemas desconcertantes, de gente próxima do partido a dizer que não vai votar numa coligação onde está Câmara Pereira.
Desde que o então presidente do PPM Nuno da Câmara Pereira entrou numa guerra judicial com D. Duarte Pio, que durou mais de 10 anos e só terminou em julho último, por causa dos direitos da Ordem de São Miguel de Ala, “muitos monárquicos não perdoam o que fizeram ao D. Duarte”, descreve um monárquico. Aliás, partido e Causa Real praticamente não têm contactos ou sequer membros em comum. Pior, Gonçalo da Câmara Pereira é visto pelos meios ligados à Causa Real e às suas várias associações como um elemento “infrequentável”, “que afasta os monárquicos” e que “não é levado a sério”, de acordo com vários elementos ligados aos meios monárquicos ouvidos pela SÁBADO. João Távora, da Real Associação de Lisboa, e o único que aceitou falar em on, descreve a relação entre partido e defensores da monarquia: “Historicamente, o PPM foi importante, é uma marca, mas hoje não é – nem o seu líder – um veículo adequado para a causa da defesa da monarquia. Esta não é uma questão partidária e os monárquicos votam nos partidos que entendem, votam no PSD, votam no CDS, até no PS.” ●
Alexandre R. Malhado