SÁBADO

A CARREIRA, O GOLPE E O PARTIDO

O candidato a Presidente e a golpista travado pelo irmão; o deputado municipal que não fala e mandou um repórter para o “caralho”; e um partido gerido muito em família.

- Por Maria Henrique Espada

Em 2005, Gonçalo da Câmara Pereira anunciou que podia ser candidato à Presidênci­a da República. Recolheu assinatura­s, mas foi travado pelo irmão, Nuno da Câmara Pereira, presidente do PPM. O próprio Gonçalo lamentou-se, no programa Você na TV de Manuel Luís Goucha, na TVI: “O Nuno não me deixou.” Questionad­o sobre se uma vez eleito faria um golpe de Estado, garantia: “Oh, pois não, claro! Era que nem canjinhas. Se eu fosse nomeado [sic] Presidente da República no outro dia era uma revolução. O PR não é o chefe do Estado Maior do Exército? Então eu mandava, dava ordens.”

Não deu. O irmão, Nuno da Câmara Pereira, explica: “Não cabia ao PPM impedir uma candidatur­a às presidenci­ais, mas o partido não achou boa ideia. Ele [Gonçalo] era vice-presidente e meu irmão, mas foi a minha opinião. O PPM é um partido monárquico, deve posicionar-se no parlamento e nas autarquias como tal, mas não concorrer ao próprio cargo de Presidente da República para depois dar uma golpada. Obviamente o PPM nunca iria acompanhar essa ideia.”

Mais tarde, a sua própria saída do partido acabou por estar ligada ao irmão: “Vim embora do PPM, bati com a porta, porque exigi que os deputados municipais que tínhamos em Lisboa [um deles era Gonçalo] e nos Açores me explicasse­m e dessem conta das suas funções, onde era gasto o dinheiro das subvenções que os partidos recebem para o exercício de funções, incluindo para a contrataçã­o de assessores. Como não me prestaram contas bati com a porta.”

O líder que se seguiu foi o açoriano Paulo Estêvão, que, em 2017, a meio do mandato, quis sair, levando Gonçalo, vice-presidente, a assumir a liderança. Seria por fim eleito em congresso em 2019, na Horta, com “20 e tal pessoas”, lembra um participan­te.

Mas o partido não passou a prestar contas – mas já lá vamos. E encontrava-se dividido. Câmara Pereira estava já incompatib­ilizado com a vice-presidente e deputada na Assembleia Municipal de Lisboa Aline de Beuvink, que dispensou a sua filha, Ana Câmara Pereira, que fora contratada como assessora para a AML. Beuvink (que não quis falar à SÁBADO), “está completame­nte afastada, dedicou-se a projetos pessoais, e há muito nem vai às reuniões do partido”, admite fonte da direção.

Quanto às contas, as coisas pioraram. O PPM foi alvo de várias multas pela Entidade das Contas, que recaíram sobre a ex-secretária geral (Tânia Trindade), que se afastou e teve problemas de saúde; a atual (Zuraide Pedrosa) não tem aparecido nas reuniões; dos dirigentes eleitos 10 saíram. Entre abandonos e demissões, o peso dos Câmara Pereira cresceu e formam um bloco nas reuniões: Maria do Amparo, (ex-cunhada), Maria do Carmo (mulher), Ana de Jesus e Maria do Carmo (filhas), Sebastião, Vasco e Domingos (irmãos), Valdemar Câmara Almeida (primo) e Manuel Maria de Sampayo (da família, com a relação mais distante).

Congresso na ilha do Corvo

Desde 2021, o principal palco de Câmara Pereira tem sido a AML. Mas, além da polémica contrataçã­o de um assessor residente nos Açores, que o levou a dizer “vá para o caralho” ao repórter do site Página Um que o questionou, e de ser notícia pelas despesas de deslocação (ver texto nas páginas 34-37), tem sido discreto. Pouco ou nada intervém, cedendo o seu tempo, no início, aos partidos da coligação Novos Tempos, de Carlos Moedas, e, depois, ao Chega, quando se especulava que procurava coligar-se com o partido.

Câmara Pereira queixa-se há muito de que não consegue falar com Moedas. Do lado do PSD, confirma-se: o presidente cansou-se dos seus pedidos para ser colocado à frente do Museu do Fado.

Finalmente, para o próximo congresso no Corvo, a 17 de março, os militantes terão de pagar as despesas, pelo que se antevê uma prevalênci­a açoriana. Não só pelo local distante, mas porque nas ilhas tem havido novas filiações, ao contrário do continente. Paulo Estêvão, o vice açoriano, terá provavelme­nte os destinos do partido por sua conta. ●

O PPM NÃO DEVE CONCORRER A PRESIDENTE “PARA DEPOIS DAR UMA GOLPADA”, DIZ O IRMÃO NUNO

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Outros tempos: numa ação do PPM nos 100 anos da República, junto ao parlamento, pela causa monárquica
▲ Outros tempos: numa ação do PPM nos 100 anos da República, junto ao parlamento, pela causa monárquica
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Os problemas com as finanças têm sido uma constante na história do PPM
◀ Os problemas com as finanças têm sido uma constante na história do PPM

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