SÁBADO

OSCOSTUMES, AFAMÍLIA EODINHEIRO

Foi um dos herdeiros do vasto património imobiliári­o dos condes de Tarouca e casou-se com outra herdeira de famílias abastadas. As partilhas ao longo das décadas e das gerações familiares foram reduzindo as posses. Hoje vive da agricultur­a.

- Por Marco Alves

Entregue a 11 de novembro de 2007 no Tribunal Constituci­onal, a declaração de rendimento­s e património de Gonçalo da Câmara Pereira é quase espartana. O presidente do Partido Popular Monárquico (PPM) declarou um Mitsubishi Pajero, uma moto Suzuki e dois imóveis em Arronches, distrito de Portalegre. Declarou ainda três dívidas bancárias: €10.000 ao BCP, €20.000 à Caixa Agrícola e €7.500 à Cofidis.

Casado em comunhão de adquiridos e com residência em Belém (Lisboa), declarou €66.341 de rendimento­s em 2005 e apenas €5.781 em 2004. Não é possível determinar de onde vieram estes proveitos, uma vez que foram incluídos na rubrica “Outros”. As alíneas dos rendimento­s de trabalho dependente e independen­te, bem como prediais, comerciais, agrícolas ou capitais ficaram em branco. Eventualme­nte este montante de 2005 – e a explicação para ser tão diferente do de 2004 – será devido à participaç­ão de Gonçalo da Câmara Pereira no reality show Quinta das Celebridad­es.

FAMÍLIA

Como se verifica nesta declaração de rendimento­s, a família Câmara Pereira não possui nem ostenta o luxo e a riqueza que eventualme­nte se

TERÁ VENDIDO AS VACAS E HOJE TEM CINCO ÉGUAS E UM GARANHÃO DE PÓNEI DA TERCEIRA PARA HIPISMO

terá a impressão de que existe entre os Câmara Pereira. São a típica família portuguesa conservado­ra com origens remotas na antiga nobreza que herdou um vasto património imobiliári­o (neste caso, terrenos e casas em Lisboa e no Alentejo), que por sua vez foi depois sendo espartilha­do ao longo das gerações, em grande parte devido à vasta descendênc­ia. Por exemplo, só Gonçalo da Câmara Pereira tem sete irmãos, 14 sobrinhos, três filhas e 10 netos.

Dos vários ramos familiares, destacaría­mos o materno, sobretudo o sub-ramo Teles da Silva. É daqui que vem o grande sustento da família nas últimas gerações. A mãe de Gonçalo da Câmara Pereira descendia dos condes de Tarouca e obtinha o seu sustento “das rendas das propriedad­es herdadas”, conta um familiar. Recorde-se que os últimos condes de Tarouca foram Sebastião de Sousa e Menezes (falecido em 1934) e a sua mulher, Eugénia Teles da Silva (que morreu em 1946).

Para distribuir pelos 13 filhos, os condes deixaram um vasto património de terrenos e casas no Alentejo (em Arronches, Campo Maior e Elvas) e em Lisboa (por exemplo, o Salão Lisboa, prédio no Martim Moniz, que hoje é dos Câmara Pereira, ou a casa na rua Nova da Trindade, ao Bairro Alto, onde Gonçalo da Câmara Pereira viveu muito tempo).

A condessa (bisavó dos irmãos Câmara Pereira) era ela própria descendent­e dos marqueses de Alegrete (título que remonta ao século XVII), que em Lisboa, por exemplo, eram praticamen­te os donos do Martim Moniz (daí o referido Salão Lisboa estar hoje na posse dos Câmara Pereira).

Depois havia o lado paterno da família, que não tinha propriamen­te grandes posses, mas onde houve vários elementos de prestígio e nobreza (descendem dos Figueiredo Cabral da Câmara, condes de Belmonte). Há vários médicos, administra­dores e economista­s neste lado da família. Foram donos de quintas e propriedad­es na periferia de Lisboa. Por exemplo, Aníbal Dias Pereira (bisavô dos Câmara Pereira), tinha a quinta da Cartaxeira, em Carcavelos – onde foi pioneiro do famoso Vinho de Carcavelos. O avô Armando tinha a Quinta do Pinheiro, em Rio de Mouro (Sintra), onde nasceu o pai dos Câmara Pereira, em 1922.

Trata-se de Nuno da Câmara Pereira, que foi (entre outras coisas) Inspetor-Chefe da Inspeção-Geral do Trabalho, o que o obrigava a mudanças regulares de morada – por isso os Câmara Pereira nasceram em várias cidades; Gonçalo, por exemplo, nasceu em Lisboa e cresceu em Évora, de onde saiu para a tropa e a guerra no Ultramar. Quando regressou, instalou-se em Lisboa e ganhou muito dinheiro como fadista, como já disse em entrevista­s.

Devido às funções na Inspeção-Geral do Trabalho, o patriarca era uma personalid­ade bem vista entre a população alentejana, conta uma fonte da família, o que explica que tenha passado praticamen­te incólume durante o PREC, ainda que os 10 mil hectares da família em Arronches (que vinham dos condes de Tarouca) tivessem sido ocupados. Foram mais tarde recuperado­s e divididos pela vasta descendênc­ia.

“Usámos todos fundilhos nas calças”, diz à SÁBADO um membro dos Câmara Pereira, para ilustrar como a família chegou à segunda metade do século XX já em modo austero e remediado. “Criar oito filhos [pelos pais dos Câmara Pereira] não foi fácil…”

Em setembro de 1974, Gonçalo da Câmara Pereira casou-se com Maria do Carmo Dotti Santos da Costa Amaral, também ela co-herdeira de vasto património imobiliári­o, sobretudo do lado materno (a família Dotti e a família dos Santos). A grande moradia em Belém – elitista bairro lisboeta – e que foi residência do casal durante muito tempo, era de Maria do Carmo. Embora não seja claro na declaração de rendimento­s no Tribunal Constituci­onal (que rasura dados pessoais para quem faz as consultas) a morada declarada por Gonçalo da Câmara Pereira naquele ano de 2007 deveria ser esta moradia (apenas se consegue ler que fica na antiga freguesia de Santa Maria de Belém).

Maria do Carmo é ainda descendent­e, pelo lado paterno, dos Costa Amaral, família influente e com poder, mas muito numerosa. O avô, João do Amaral, foi próximo de Salazar, com quem estudou em Coimbra, pelo que se lê no livro Os Deputados à Assembleia Nacional (1935-1974), de Tavares Castilho. João do Amaral passou três décadas do Estado Novo como deputado e foi jornalista e administra­dor de empresas.

DINHEIRO

Desde essa declaração de rendimento de finais de 2007 (já passaram 16 anos) não houve mais nenhuma entregue no Tribunal Constituci­onal por Gonçalo da Câmara Pereira. Na altura fê-lo por ser vereador da Câmara Municipal de Arronches.

Segundo a lei, deveria ter entregado uma declaração em 2005 (quando assumiu funções) e em 2009 (quando terminou). Não o fez, da mesma forma que não consta hoje no Tribunal Constituci­onal qualquer declaração por ser – e já desde 2017 – presidente de um partido (o PPM).

Não consta igualmente no dossiê que a SÁBADO consultou que o Ministério Público tenha detetado estas omissões. O agora candidato dos monárquico­s no âmbito da coligação AD-Aliança Democrátic­a não esclareceu à SÁBADO por que motivo não entregou mais declaraçõe­s e quais são os seus rendimento­s hoje.

Câmara Pereira declarou em 2007 ser dono de metade do capital social da Herdade da Torre de Arronches, Sociedade Agrícola, não fazendo qualquer referência a património depositado em contas à ordem ou a prazo – só era obrigado a fazê-lo se tivesse um montante superior a 50 salários mínimos nacionais (o que em 2007 correspond­ia a €20.150).

Durante a pandemia, instalou-se de vez em Arronches, onde já estavam a morar dois irmãos: Luís (64 anos, agricultor) e Sebastião (61 anos, hoje também agricultor depois de se ter dedicado ao imobiliári­o).

Dois outros irmãos estão em Évora: Vasco (69 anos, engenheiro zootécnico reformado) e Maria da Conceição (73 anos, era secretária da administra­ção da antiga fábrica da Siemens em Évora). Foi esta irmã que herdou a casa de Lisboa na rua Nova da Trindade, já referida, onde Gonçalo morou e que tem estado quase sempre no mercado de arrendamen­to.

Finalmente, em Sintra estão os outros três irmãos: Domingos (ou “Mico”, 59 anos, cantor), Nuno (71 anos, engenheiro agrícola, cantor, ex-deputado e ex-presidente do PPM) e Maria Francisca (72 anos, que, tal como a irmã, foi também secretária de administra­ção, mas neste caso na Atlas Copco, em Vila Viçosa).

Maria Francisca foi também diretora executiva do Colégio do Menino Jesus, que funciona num palacete em Carnide, Lisboa. É uma IPSS de inspiração católica que remonta a 1932, cofundada por uma tia-avó dos Câmara Pereira. Em 1985, a últi

ma das fundadoras (Beatriz Moraes Sarmento, de 99 anos) entregou a gestão do colégio a Nuno da Câmara Pereira, A direção executiva está hoje a cargo da sua filha Maria Madalena Câmara Pereira, 46 anos.

Quanto a Gonçalo, está instalado em Arronches, de onde viaja de carro sempre que há reuniões da Assembleia Municipal de Lisboa, onde é deputado eleito pelo PPM. Por isso, cobra subsídio de transporte pelos 420 km de ida e volta, além da senha de presença, num total de €320 por reunião. Estes gastos (não era o único deputado a cobrar subsídio de alojamento) estoiraram em poucos meses o orçamento da AML.

Em outubro de 2022 justificou-se assim à SÁBADO: “A AML tem um ritmo de reuniões agressivo, pago portagens, 17 euros, mais 50 euros de gasóleo. Até tive de comprar um automóvel e tudo. E ando aqui atrás das vacas, quando saio tenho de pagar a alguém para vir fazer isso. Faço serviço público com gosto desde 1969, agora não vou pôr do meu bolso para ir.” Segundo informou a AML à SÁBADO, o deputado mantém ainda hoje a morada em Arronches. Quantos aos outros, assinaram um acordo (com exceção dos do CDS) em que não cobram o subsídio se morarem a menos de 14 km.

Foi nesta propriedad­e da família que nasceu em 2010 um vinho, o Terra dos Porcos, que começou a ser comerciali­zado em 2017. Hoje, pouco ou nada se sabe dele. Segundo se lê no site do Instituto Nacional de Propriedad­e Industrial o registo “Terra dos Porcos”, em nome de Gonçalo da Câmara Pereira, está caducado por falta do pagamento da renovação desde abril de 2023. Na Internet, a SÁBADO também não encontrou o vinho à venda.

Pode também verificar-se que no fim de 2022 o fadista registou com a filha Ana da Câmara Pereira (também ela fadista) a marca “The World is a Book” para fins turísticos. Contactada pela SÁBADO, Ana da Câmara Pereira diz que a ideia era organizar visitas ao Alentejo “e promover o fado de outra maneira” em Lisboa. O projeto nunca chegou a andar para a frente, diz, sem especifica­r. Ana não se recorda por que registaram em Portugal uma marca (The World is a Book) que já existia no mercado internacio­nal como blogue e página de viagens.

“O pai não ‘tá a atender?”, perguntou, entretanto, admirada por não ser Gonçalo da Câmara Pereira a falar com a SÁBADO e a dar explicaçõe­s. Uma das perguntas enviadas ao candidato por mensagem era se este silêncio tinha sido imposto pelos parceiros de coligação.

Gonçalo da Câmara Pereira registou entretanto o Centro Hípico de Arronches, para escola e organizaçã­o de eventos hípicos. Segundo a página de Internet, é “uma associação sem fins lucrativos com início de atividade em 29 de março de 2023”, fruto de um “protocolo com a Universida­de dos Açores” para “desenvolvi­mento da nova raça autóctone de equinos, o pónei da Terceira”. No centro hípico estão cinco éguas e um garanhão, lê-se.

Terá abandonado a criação de gado. Em outubro, no programa Goucha, Gonçalo da Câmara Pereira contou, a propósito de um diagnóstic­o errado de cancro, que pensou que ia morrer. Ao seu estilo, disse que “ia desta para melhor” porque esperava que no Céu “houvesse umas gajas boas”. Acrescento­u que “devia dinheiro, tinha dívidas” e que por isso quis deixar o cadastro limpo: “Vendi tudo, paguei a toda a gente e agora não tenho dinheiro, não tenho vacas, não tenho nada. Tive que fazer um alojamento local...” ●

OS CÂMARA PEREIRA HERDARAM UM VASTO PATRIMÓNIO DOS CONDES DE TAROUCA, QUE FOI SENDO DIVIDIDO

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Em 2017, a desfilar nas Marchas de Lisboa pelo bairro de Benfica com Carolina Tavares
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Fotografia do álbum pessoal de Gonçalo da Câmara Pereira na herdade da Torre, em Arronches, com a família. Ao centro estão os pais
▼ Fotografia do álbum pessoal de Gonçalo da Câmara Pereira na herdade da Torre, em Arronches, com a família. Ao centro estão os pais
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Numa festa de Natal do BES em 2005 com uma das filhas e netos
▲ Numa festa de Natal do BES em 2005 com uma das filhas e netos
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Antes de entrar na Quinta
das Celebridad­es. Na caixa da guitarra, um autocolant­e monárquico
▶ Antes de entrar na Quinta das Celebridad­es. Na caixa da guitarra, um autocolant­e monárquico
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Entre 2014 e 2018 esteve no “Trio Maravilha”, rubrica do Você na TV (TVI) sobre “temas de machos”
▲ Entre 2014 e 2018 esteve no “Trio Maravilha”, rubrica do Você na TV (TVI) sobre “temas de machos”
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Numa cena da Quinta das Celebridad­es, reality show de 2015 da TVI. Ficou em
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◀ Numa cena da Quinta das Celebridad­es, reality show de 2015 da TVI. Ficou em 6.º lugar

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