Populistas e maluquinhos contra a corrupção
Um governo, um partido, uma coligação que quisesse verdadeiramente combater a corrupção não assentava baterias contra magistrados e polícias. Não vinha com a conversa serôdia dos riscos de judicialização da política, menu apetitoso que os respetivos gurus da comunicação eleitoral andam a vender aos cartilheiros que colocaram em tudo o que é painel de “análise” política ou tertúlia da televisão por cabo. Olhava para si próprio e para o que pode hoje dizer e fazer na matéria. Ora, aí, estamos conversados. Nesta campanha eleitoral vamos a caminho do zero absoluto.
Um parêntesis antes de chegar ao silêncio ruidoso que aí vai em matéria de combate à corrupção. A judicialização da política nem em Itália aconteceu, quanto mais aqui. Em Itália aconteceu apenas o resultado do trabalho de uma geração de grandes magistrados que se empenhou em processos contra a máfia, a delinquência de Estado e a corrupção incrustada no topo do poder político, económico e religioso. Processos e organizações que desafiavam a própria ideia de soberania democrática e de Estado de direito. No fim, demasiados, juízes, procuradores, polícias, morreram nas trincheiras dessa guerra e muito poucos foram para a política, quando a I República caiu. Sobrou o caso de Antonio Di Pietro, que abraçou, legitimamente, uma carreira política, mas nunca mais voltou à magistratura. Quem destruiu, de resto, a dita I República foram os partidos que a fundaram depois da II Guerra Mundial, num efeito combinado entre a corrupção, que atolou a Democracia Cristã e os socialistas, e o fim da Guerra Fria, que os descartou dos interesses norte-americanos.
Regressemos, então, à corrupção. Um partido, governo ou coligação que lhe quisesse pegar, olhava, pelo menos, para o relatório do quinto ciclo de avaliação das políticas nacionais, realizado pelo muitíssimo credível Grupo de Estados Contra a Corrupção ( GRECO). Desta vez, o trabalho do GRECO centrou-se na prevenção da corrupção e na promoção da integridade em governos centrais e forças e serviços de segurança. Não poderia ser um tema mais atual. A sua leitura é eloquente.
APortugalfaltatudo o que há muito sabíamos. O Mecanismo Nacional Anticorrupção é pouco mais do que uma treta; a Entidade para a Transparência está criada no papel mas paralisada; a Estratégia Nacional Anticorrupção não tem um plano de ação nem de avaliação; o célebre código de conduta do governo não contempla orientações objetivas em matéria de conflito de interesses e ofertas, nem de supervisão e sanções, é uma espécie de lei-cartaz, como diria Marcelo Rebelo de Sousa; a fiscalização das portas giratórias não é feita de forma consistente.
O GRECO aponta ainda o dedo a uma situação há muito escandalosa e que
foi substancialmente agravada com a lei de proteção de dados pessoais. O sistema de declaração de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos públicos e políticos está transformado numa cortina de escrutínio, não num verdadeiro escrutínio. Não há sequer uma plataforma operacional para o arquivo eletrónico das declarações que, aliás, são cada vez mais entregues de forma incompleta, rasuradas em elementos essenciais, ao abrigo da lei dos dados pessoais, que tem servido aqui, basicamente, para afastar os olhares indiscretos dos jornalistas sobre a matéria.
Enfim, as recomendações feitas pelo GRECO para ultrapassar um diagnóstico tão grave dariam um excelente programa de governo. Desde que saísse do papel. Todavia, nesta matéria, os chamados partidos históricos da democracia portuguesa parecem ter feito um pacto suicida. Entregaram as despesas desta conversa (e também da dramática situação salarial dos polícias) ao Chega na esperança da diabolização do tema. Corrupção fica para populistas e maluquinhos, amigos dos procuradores e companhia, como gostam de dizer os democratas autoencartados da luta antifascista contra Ventura. É a gloriosa política dos cordões sanitários, não se fala, não existe, que, de resto, tem sido coroada de êxito… na missão de ajudar a bloquear por completo o sistema político, como vai acontecer nas próximas eleições. ●