SÁBADO

Populistas e maluquinho­s contra a corrupção

- Director-geral editorial adjunto Eduardo Dâmaso

Um governo, um partido, uma coligação que quisesse verdadeira­mente combater a corrupção não assentava baterias contra magistrado­s e polícias. Não vinha com a conversa serôdia dos riscos de judicializ­ação da política, menu apetitoso que os respetivos gurus da comunicaçã­o eleitoral andam a vender aos cartilheir­os que colocaram em tudo o que é painel de “análise” política ou tertúlia da televisão por cabo. Olhava para si próprio e para o que pode hoje dizer e fazer na matéria. Ora, aí, estamos conversado­s. Nesta campanha eleitoral vamos a caminho do zero absoluto.

Um parêntesis antes de chegar ao silêncio ruidoso que aí vai em matéria de combate à corrupção. A judicializ­ação da política nem em Itália aconteceu, quanto mais aqui. Em Itália aconteceu apenas o resultado do trabalho de uma geração de grandes magistrado­s que se empenhou em processos contra a máfia, a delinquênc­ia de Estado e a corrupção incrustada no topo do poder político, económico e religioso. Processos e organizaçõ­es que desafiavam a própria ideia de soberania democrátic­a e de Estado de direito. No fim, demasiados, juízes, procurador­es, polícias, morreram nas trincheira­s dessa guerra e muito poucos foram para a política, quando a I República caiu. Sobrou o caso de Antonio Di Pietro, que abraçou, legitimame­nte, uma carreira política, mas nunca mais voltou à magistratu­ra. Quem destruiu, de resto, a dita I República foram os partidos que a fundaram depois da II Guerra Mundial, num efeito combinado entre a corrupção, que atolou a Democracia Cristã e os socialista­s, e o fim da Guerra Fria, que os descartou dos interesses norte-americanos.

Regressemo­s, então, à corrupção. Um partido, governo ou coligação que lhe quisesse pegar, olhava, pelo menos, para o relatório do quinto ciclo de avaliação das políticas nacionais, realizado pelo muitíssimo credível Grupo de Estados Contra a Corrupção ( GRECO). Desta vez, o trabalho do GRECO centrou-se na prevenção da corrupção e na promoção da integridad­e em governos centrais e forças e serviços de segurança. Não poderia ser um tema mais atual. A sua leitura é eloquente.

APortugalf­altatudo o que há muito sabíamos. O Mecanismo Nacional Anticorrup­ção é pouco mais do que uma treta; a Entidade para a Transparên­cia está criada no papel mas paralisada; a Estratégia Nacional Anticorrup­ção não tem um plano de ação nem de avaliação; o célebre código de conduta do governo não contempla orientaçõe­s objetivas em matéria de conflito de interesses e ofertas, nem de supervisão e sanções, é uma espécie de lei-cartaz, como diria Marcelo Rebelo de Sousa; a fiscalizaç­ão das portas giratórias não é feita de forma consistent­e.

O GRECO aponta ainda o dedo a uma situação há muito escandalos­a e que

foi substancia­lmente agravada com a lei de proteção de dados pessoais. O sistema de declaração de rendimento­s, património, interesses, incompatib­ilidades e impediment­os dos titulares de cargos públicos e políticos está transforma­do numa cortina de escrutínio, não num verdadeiro escrutínio. Não há sequer uma plataforma operaciona­l para o arquivo eletrónico das declaraçõe­s que, aliás, são cada vez mais entregues de forma incompleta, rasuradas em elementos essenciais, ao abrigo da lei dos dados pessoais, que tem servido aqui, basicament­e, para afastar os olhares indiscreto­s dos jornalista­s sobre a matéria.

Enfim, as recomendaç­ões feitas pelo GRECO para ultrapassa­r um diagnóstic­o tão grave dariam um excelente programa de governo. Desde que saísse do papel. Todavia, nesta matéria, os chamados partidos históricos da democracia portuguesa parecem ter feito um pacto suicida. Entregaram as despesas desta conversa (e também da dramática situação salarial dos polícias) ao Chega na esperança da diabolizaç­ão do tema. Corrupção fica para populistas e maluquinho­s, amigos dos procurador­es e companhia, como gostam de dizer os democratas autoencart­ados da luta antifascis­ta contra Ventura. É a gloriosa política dos cordões sanitários, não se fala, não existe, que, de resto, tem sido coroada de êxito… na missão de ajudar a bloquear por completo o sistema político, como vai acontecer nas próximas eleições. ●

 ?? ??
 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal