Um terço da minha geração
O PAÍS DESCOBRIU esta semana algo que qualquer millennial ou gen Z português já sabe há muito tempo. Uma circunstância que faz parte das nossas vidas, que define as nossas relações familiares e de amizade e que, segundo “os especialistas”, terá impacto na realidade em que viverão os nossos filhos, se viverem em Portugal.
Para nós, não é novidade, mas agora temos números concretos: mais de 850 mil jovens nascidos em Portugal, hoje entre os 15 e os 39 anos, residem no estrangeiro – cerca de 30%. Instintivamente, bate certo: parece que quase todas as famílias e grupo de amigos têm, nos últimos anos, pelo menos um jovem emigrado.
Para quem fica, é agridoce: por um lado, temos desculpa para viajar, com casas onde ficar pelo mundo fora; amigos, irmãos ou primos falantes de línguas exóticas; visibilidade sobre culturas diferentes e sobre a vida noutros lugares, que nos vai alargando os horizontes mesmo ficando para trás. Mas, por outro, para além das saudades e da tristeza de só conseguirmos reunir toda a gente por altura do Natal, há um sentimento desconcertante por saber que muitos dos nossos emigrantes continuam por lá não porque querem, necessariamente, mas porque Portugal não lhes oferece a possibilidade de regressar em condições que consideram dignas.
Num mundo cada vez mais globalizado, não há dúvida de que viver, estudar ou trabalhar fora é uma oportunidade maravilhosa que deve ser aproveitada por todos os que a ela possam aceder. O confronto com outras culturas, formas de organizar a sociedade, o pensamento e o trabalho são sempre enriquecedoras. Não devemos cair num discurso miserabilista de fazer um luto de cada vez que um jovem saí de Portugal para viver fora. Se conseguirmos atrair o regresso de boa percentagem de quem sai, é um movimento com mais-valia para Portugal. O problema está nesta segunda parte.
Nunca fui emigrante de longo prazo, mas tive a experiência de viver fora de Portugal duas vezes para estudar e trabalhar, em Londres (em 2015/2016) e Bruxelas (em 2020/2021). Em ambas as instâncias, que foram muito diferentes, assisti à mesma realidade: jovens portugueses inteligentes, competentes, felizes com a experiência de viver fora, mas com pouca vontade de “criar raízes” no estrangeiro. O ideal, para a vasta maioria com quem me cruzei, é viver fora antes de constituir família.
Aqui, não há volta a dar. Voltar a viver em Portugal, para alguém que tenha um estimulante e bem pago emprego no estrangeiro, passa por uma de duas hipóteses: sacrifício pessoal pela perda significativa de rendimento ou ter uma grande sorte. Não admira, portanto, que a escolha dos jovens emigrantes esteja já feita à partida. Não voltam, para grande prejuízo de Portugal.
Diz-se que é preciso uma aldeia para tomar conta de uma criança. Quem escolhe – nestas circunstâncias – ter um filho no estrangeiro é porque conclui que a rede de apoio que poderia ter em Portugal, com a família e os amigos por perto, não compete com o salário mais alto, com os benefícios de apoios às famílias e com o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal que pode ter lá fora, longe dos seus. É triste e devia convocar uma reflexão aprofundada sobre o estado do nosso país para as jovens famílias.
PS: Não compreendo a obsessão, a propósito deste tema, com o conceito “mulher em idade fértil” sem que ninguém pense nos “homens em idade fértil”. A idade fértil das mulheres é, em abstrato, entre os 12 e os 45 anos, mas ninguém pensa numa rapariga adolescente como potencial mãe neste contexto. O conceito a usar, para homens e mulheres, deveria ser algo mais perto de “em idade média de constituir família”. ●