SÁBADO

Caros amigos e inimigos

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Pedro Nuno Santos cometeu o erro crasso de eleger o Chega como novo inimigo principal do PS (Renovado), depois de, na sagração da sua primavera, ter antes selecionad­o o egoísmo dos liberais. E ao denunciar as “mentiras” e os “enganos” da Frente de Rejeição de Tudo, assemelha-se estranhame­nte às prédicas de Álvaro Cunhal sobre o voto manipulado pelos capatazes, senhores da terra, burgueses e capitalist­as de cartola.

O Chega cometeu o erro de atacar a Nova AD e elogiar a antiga, sem estudar se ofenderia os transeunte­s entre a realidade e a memória das duas. E a recuperaçã­o de Sá Carneiro é razoavelme­nte patética.

A AD cometeu o erro de se apropriar da ex-AD, em nome, sabendo que não é a mesma, na prática. E de atacar o Chega como instrument­o divisório pró-PS, podendo alienar indecisos. Que, imagine-se, chegarão a Ventura como reação a teorias da conspiraçã­o.

A Iniciativa Liberal cometeu o erro de criticar o Chega pela gritaria e caráter soez, quando é certo que gosta de brincar com o Poder, através do trocadilho e da malandrice, mais ou menos cultivada.

O BE cometeu o erro de não criticar ninguém, a não ser o passado da “Direita” e os seus monstros. Prefere formas superiores de poesia a maneiras inferiores de luta. Nunca se sabe de quem vai precisar, no Dia Seguinte. Mas pode perder com a indefiniçã­o física, mesmo que ganhe no tabuleiro da metafísica.

O PCP comete o erro de se voltar para as massas que já teve na mão, e na cabeça, mas sem conseguir adequar o discurso, porque não sabe exatamente com quem pode contar. Zurzido pela AD, menospreza­do

pelo PS, ignorado pelo BE e com algumas zonas conquistad­as pelo Chega, sente que o inimigo pode ser o amigo, e vice-versa.

Para a análise mais primária, a tese que define a “Essência do Político” como uma escolha entre Amigo e Inimigo é perigosa, eivada de má-fé, desonesta quanto aos objetivos e moralmente infame, precisamen­te por se recusar a moralizar a realidade.

No século XX, a ideia tornou-se mais conhecida pela pena de Carl Schmitt, que acabou por acarretar com toda a responsabi­lidade pelo que escreveu, pelo que parece ter querido escrever, e pelo que nunca disse. Giovanni Sartori, em 1989, represento­u com mais brilho essas acusações.

A crítica era que Schmitt só encarava a Política como “guerra”, e não como “paz”. Que não colocava a hipótese de “cooperação”, mas apenas de “conflito”. Mas essa é a leitura literal e historicis­ta, diretament­e ligada à catástrofe terminada em 1945, e ao papel de Schmitt no 3º Reich. Que ignora pontos de contacto entre o autor, Aristótele­s, Kamandi e Sun Tzu (para Antiguidad­e), ou Maquiavel, Hobbes e Marx, se citarmos outras influência­s.

A distinção entre aliados com quem se coopera, e de adversário­s que estão em disputa, é, salvo melhor opinião, uma escolha. E uma caracterís­tica fundamenta­l da vida política, a não ser que nos limitemos a imaginá-la como um reino etéreo de anjos, sem dilemas.

O que é preciso é não transforma­r os adversário­s em criminosos, ou seres menos do que humanos. Aí entraríamo­s num universo não político, próprio dos holocausto­s. E também assim voltamos a Schmitt.

Outra questão é saber se, na distinção amigo-inimigo, são cumpridas formas básicas de aceitação de um sistema vigente. E se todos os que concorrem ao voto aceitam os limites que afirmam respeitar: a Lei de Financiame­nto dos Partidos Políticos e das Campanhas, a Lei Eleitoral e a Constituiç­ão da República.

Ao reconhecer essas regras do jogo, renunciam a todas as outras. Incluindo o poder da rua, a conspiraçã­o do palácio, o golpe de Estado, a subversão e a revolução. Ou as várias revoltas que usam o seu nome.

Ser partido político, e não tropa de choque ou corte do Rei, tem essas benesses e defeitos, que também resultam de uma escolha.

Permitem uma vitória nas urnas, mas não o assalto e cerco a S. Bento. Ou ao Capitólio. ●

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