“ACHO QUE VOU FICAR SOLTEIRA, ESSAS COISAS NÃO SEPROCURAM”
Começou a carreira aos 10 anos, na mesma altura em que experimentou o primeiro cigarro. Quer parar, mas o tabaco ajuda-a, tira-lhe “a ansiedade”. A atriz continua a encher salas, como a do Rivoli, no Porto. Em breve, voltará aos ecrãs da SIC numa nova novela.
Marina Mota não descansou enquanto não encontrou o dono de uma carteira que viu no chão do estacionamento do hotel, onde estava hospedada no Porto. Odeia a indiferença e adora pregar partidas aos colegas, como quando colou algo muito desagradável no bigode de José Raposo. Desta vez, não fez das suas. Andou sempre em correria entre Lisboa e o Porto, fez refeições fora de horas e teve de decorar páginas de texto. Aos 61 anos, não pensa abrandar. Falámos ao telefone, de quinta-feira a segunda, quando a atriz era cabeça de cartaz no Teatro Rivoli, com a revista Bravo 2023. Aproveitou os tempos livres para estudar o guião no hotel. Próximo desafio profissional? Fazer a sofrida Judite, vítima de violência doméstica na nova novela da SIC, Senhora do Mar (estreia em breve). Fã da adrenalina do palco, diz que não trabalha para prémios. as luzes, o som dos microfones e da banda de seis músicos. Numa pausa do ensaio geral técnico, na véspera de estreia, Marina atende a chamada. Rápida, mas esclarecedora.
Olá, Marina. Como correm as coisas por aí no Porto?
Estou a finalizar esta aventura Bravo 2023, que esteve no São Luiz, em Lisboa, e agora vem para aqui. É uma revista à moda dos Praga, que faz a revisão ao ano de 2023. É como uma entrega de prémios àquilo que correu mal.
No espetáculo, o ator André Teodósio segura um Globo de Ouro. Estranha o facto de nunca ter ganho este troféu?
Não sei se é estranho. Raríssimas vezes fui nomeada [foi para Melhor Atriz em 2023, pelo desempenho na série da RTP Motel Valkirias, mas
Nunca fiz o meu trabalho a pensar em prémios. Sabe-me muito bem ter casas esgotadas
perdeu para Sara Matos, que fez as trigémeas na novela Sangue Oculto da SIC]. Nunca fiz o meu trabalho a pensar em prémios. É evidente que quando eles acontecem, penso que alguém gostou. O meu maior Globo de Ouro é o público. Esse é que nunca me abandona. Sabe-me muito bem ter as casas esgotadas, no Rivoli a sala vai estar cheia para os dois dias [tem 1.300 lugares]. É a segunda vez que aqui atuo, a primeira foi há 13 anos com a comédia 3 em Lua de mel, em que a minha filha Erika se estreou como atriz. Ao fim de 51 anos de carreira – comecei aos 10 a cantar – continuo a ter a mesma adrenalina.
A demissão do primeiro-ministro António Costa é um tema incontornável em
Bravo 2023?
É. Uma das características da revista é a crítica social e política.
Já decidiu em quem vai votar?
Ainda não formei opinião, mas quero exercer o meu direito de cidadania em março. Tenho visto pouca coisa, por estar inserida neste projeto e em simultâneo a gravar a nova novela da SIC, Senhora do Mar. Nos intervalos da peça, leio o caderno de cenas que tenho de gravar 2ª (dia 15), 3ª (16) e 5ª (18). Serão 25 cenas. Sou a mãe da protagonista, interpretada por Sofia Ribeiro. Chamo-me Judite.
Como faz para decorar tantos papéis ao mesmo tempo?
É um treino que a revista dá. Há compartimentos onde arrumamos as personagens e tiramo-las quando precisamos de brincar com elas. Brincar entre aspas. Neste espetáculo interpreto várias: Marina Abramovic [artista performativa]; Cláudia Nayágua, inspirada na influencer Cláudia Nayara; faço uma brincadeira ao José Castelo Branco sobre as rendas altíssimas que se praticam na Baixa pombalina; também faço referência ao êxito português da Netflix, Rabo de Peixe; e tento organizar uma manifestação com gente desorganizada e que não chega a lado nenhum.
SEXTA-FEIRA, 12 2h27
Os telefonemas acontecem, por vezes, fora de horas, dada a intensidade de trabalho da atriz. Acabara de chegar ao hotel.
Como correu o ensaio?
Correu dentro do previsto, acabou às 23h20. À meia-noite, fomos jantar à marisqueira Majara, em Matosinhos. Éramos quase 25, foi toda a companhia. O Jorge, o dono, por gentileza ficou à nossa espera, porque o restaurante fecha mais cedo. O Agostinho, um dos funcionários, tratou-nos como família. Comi francesinha.
Tinham o restaurante por vossa conta?
Sim, só para nós. Havia um piano e a Sofia, um dos elementos da banda, pôs-se a tocar. Cantámos, fizemos o comboio [risos]. Vou tentar dormir.
11h50
Contrariando sempre os horários normais, Marina tomou um pequeno-almoço tardio, às 11h, na sala de refeições do hotel: pão com manteiga, café e ovo mexido. Juntou-se à mesa Sofia, o tal elemento da banda que deu tração ao comboio no jantar de equipa.
Bom dia, dormiu bem?
Demoro muito a adormecer, a adrenalina a baixar. Falámos às 2h30 e adormeci às 4h15. Dormi as minhas seis horas normais, acordei às 10h e tal e fiquei na cama um bocadinho.
Conte-me mais sobre a sua personagem em Senhora do Mar?
A Judite sofreu de violência doméstica e fará terapia.
Na vida real, já fez terapia?
Nunca senti necessidade, mas tenho alguma curiosidade.
É crente?
Sou. Já li a Bíblia na totalidade, admiro a personalidade de Jesus, mas não sou católica. Provavelmente, se o Papa Francisco tivesse sido escolhido há 30 anos, continuaria a ser católica. Fui batizada, fiz a primeira comunhão, casei-me com Carlos Cunha pela igreja [1982], nos Jerónimos.
Porquê nos Jerónimos?
Porque achei que o meu casamento
Já li a Bíblia na totalidade, admiro a personalidade de Jesus, mas não sou católica
seria para sempre [durou 14 anos e tiveram a filha Erika]. O copo-d’água foi no Castelo de São Jorge; a lua de mel no Guincho, em casa de uns amigos. No dia seguinte, voltámos ao trabalho, no Parque Mayer.
Tem convicções fortes?
Há uns anos era muito mais interventiva e tive consciência da minha impotência. Às vezes vou pelo lado mais simples, de não querer ver. Porque sei que não posso fazer nada para mudar isto. Posso dar a minha opinião, mas estamos todos muito virados para a vidinha e fazemos pouco para acabar com o que está errado. Quando posso ser útil, de uma forma efetiva, sou. Assinei uma petição para acabar a guerra Israel-Hamas, feita pela Amnistia.
Voltando às rotinas, ou à falta delas, a que horas vai almoçar?
Às 15h30 vou comer uma carbonara no hotel. Às 17h30 tenho de estar no teatro, porque o espetáculo começa às 19h30.
Então “muita merda”, conforme se diz aos atores na estreia.
Diz-se isso e o ator não agradece. Acho muito curiosa a história associada à expressão: antes de haver veículos motorizados, as pessoas iam para os teatros de charrete. Os cavalos ficavam à entrada e sujavam a rua. Quanto mais sujassem, mais público havia.
15h10
Momentos mortos não existem na sua agenda. Todos os intervalos são para ler e reler as cenas de Senhora do Mar. Às 23h, quando terminar a peça, ainda vai arrumar o camarim. Trouxe “um estendal” de pincéis, sombras, batons, porque é a própria que se maquilha e penteia antes de entrar em palco.
Nesta revista, pregou alguma partida do calibre da que fez a José Raposo em A Prova dos Novos, de 1988, no Teatro Variedades?
Não me lembro de ter feito nenhuma, porque este espetáculo tem curta duração. N’A Prova dos Novos eu saía de um número a cantar o fado, a seguir o pano abria e apareciam o José Raposo e o Fernando Mendes. Quando o pano estava a abrir, o Zé ainda vinha com o bigode na mão. Eu era assistente de encenação e dizia-lhe: “Ó Zé, se cai o bigode, se a fita não cola não há tempo.” Um dia, pus-lhe cocó no bigode [risos]. Ele tinha de estar 40 minutos em cena. Foi indescritível a atitude do Zé. Olhava, vinha aos bastidores e dizia: “cheira a merda”. Depois foi uma risota, mas também remédio santo. Passou a chegar a horas.
Em 51 anos de carreira, só parou seis meses em 2019 por causa de uma prótese no joelho. Serviu também de pausa sabática?
Ao fim de três meses estaria pronta para trabalhar. Não quis, porque tinha implantes dentários para fazer. Mas não aguentei um ano parada. Voltei ao trabalho ao fim de seis meses, assim que surgiu uma oportunidade. Prometi que depois dos 60 iria cuidar mais de mim e gerir melhor o meu tempo. Enquanto tenho qualidade de vida, quero aproveitar o tempo para fazer o que quiser, nem que seja nada.
Tem saudades de se apaixonar?
Acho que vou ficar solteira, essas coisas não se procuram. Acontecem. Não me tenho cruzado com pessoas que me falem a esse lado. Não sou de coisas virtuais. Continuo a gostar do olhar, da sedução, do riso.
SEGUNDA-FEIRA,15 22h
Às 14h saiu de casa para as gravações da nova novela da SIC, nos estúdios da SP Televisão no Cacém. Fala depois connosco, enquanto passa os olhos pelo guião, como sempre. No dia seguinte, esperam-na 16 cenas e terá de acordar às 7h.
Sabe-lhe bem o regresso a casa, em Colares?
Já tinha muitas saudades de casa, dos passarinhos e dos meus animais. Tenho três cães: a Isabel, Bela para os amigos; o António que é o Tó; e o Sebastião. Tenho uma gata, a Emília, e um gato da minha filha, o Max Alfredo. Na propriedade, moro eu com a minha mãe – o meu pai já não está connosco, infelizmente –; a minha irmã e o meu sobrinho. Na outra casa mora a minha filha e os meus netos, de 19 e 17 anos.
Diz-se alfacinha de gema, nascida e criada em Alcântara. Há quanto tempo deixou de viver na cidade?
Desde os 30 anos. O último sítio onde vivi foi na rua de São Paulo, no Cais do Sodré, com o Carlos Cunha. Não gosto de multidões, nem de trânsito, nem de buzinas, nem de gente que não se cumprimenta. Gosto de meios pequenos, de ir a mercearias, de sossego.
Fala de cuidar de si, da vida no campo mas continua a fumar. Nunca pensou parar?
Fumo desde os 10 anos. Estou a fazer um tratamento à base de estímulos na orelha, com um pequeno aparelho. Espero que venha a resultar. Tira-me um pouco a ansiedade, mas não está a ser fácil. Tenho de ganhar mais força de vontade. Reduzi substancialmente de 17 cigarros por dia para seis ou sete, mas vou conseguir. ●
Fumo desde os 10 anos. Estou a fazer um tratamento, tira-me um pouco a ansiedade, mas não está a ser fácil [deixar]
Ao fim de 51 anos de carreira – comecei em aos 10 a cantar – continuo a ter a mesma adrenalina