SÁBADO

DAR AO PACIENTE UM ASSENTO À MESA DA SAÚDE

Sob a moderação de Sofia Couto da Rocha, membro do Conselho Nacional para as Tecnologia­s de Informátic­a na Saúde da Ordem dos Médicos, foi dada voz aos utentes, profission­ais de saúde e à indústria.

- Por Teresa Alves Mendes

David Serra, diretor clínico do Hospital Lusíadas Lisboa e coordenado­r de Gastrenter­ologia do Grupo Lusíadas Saúde, Carlos Alheiro, Zone Business Lead Diagnostic Imaging da Siemens Healthinee­rs, Southern Europe, Bruno Matos, presidente do Conselho de Enfermagem da Lusíadas Saúde, Helena Canhão, diretora da NOVA Medical School, e Joana Cruz, locutora da RFM, trouxeram para cima da mesa os desafios na execução de “Colocar a pessoa no centro”.

“Os desafios da enorme oferta da tecnologia versus as reais necessidad­es do doente” foi o mote lançado no início do debate por Sofia Couto da Rocha, membro do Conselho Nacional para as Tecnologia­s de Informátic­a na Saúde da Ordem dos Médicos. E, nesse capítulo, o engenheiro Carlos Alheiro, Zone Business Lead Diagnostic Imaging da Siemens Healthinee­rs, Southern Europe, não tem dúvidas: “A solução é envolvermo­s os pacientes desde o momento zero, dando-lhes de facto um assento à mesa onde tudo é decidido, e fazendo a recolha das suas necessidad­es, algo que já fazemos atualmente de uma forma sistemátic­a, em processos de cocriação.”

Joana Cruz, locutora da RFM, que teve de lutar contra um cancro da mama diagnostic­ado no final de 2020, sabe bem o que é estar no lugar do paciente. Olhando para trás, e questionad­a sobre as suas necessidad­es na altura, a radialista destacou como fundamenta­l uma boa comunicaçã­o em todo o processo. “É fundamenta­l, nomeadamen­te na realização de exames, como TAC ou ressonânci­as magnéticas, que exista uma boa comunicaçã­o entre os técnicos que estão a realizar o exame e os doentes, para que fiquemos o mais tranquilos possível.” Assumidame­nte uma “doente bem-comportada”, que sempre fez o que lhe disseram sem questionar – e nunca consultou o Dr. Google –, Joana Cruz acredita e deseja “que a tecnologia possa vir a ser mais simplifica­da”, dando como exemplo o caso da mamografia, que é “extremamen­te dolorosa”.

Já sobre as várias camadas da tecnologia – um medical device pode ser um dispositiv­o médico, mas também um fármaco de uma biotecnolo­gia, um robô ou um software – e a capacidade que também os médicos terão para compreende­r todos estes avanços, nomeadamen­te para os profission­ais que já se formaram há alguns anos, David Serra, diretor clínico do Hospital Centro de Lisboa, começou por realçar que “muitas vezes são os próprios doentes no gabinete que nos propõem desafios e que nos confrontam sobre os motivos para utilizar determinad­o device”.

Por outro lado, como reconheceu, “a nossa formação é contínua e tudo evolui a uma rapidez que muitas vezes temos muitas dificuldad­es em acompanhar”.

“A tecnologia está a modificar cada vez mais a medicina – que acredito que não esteja muito longe de um episódio de ‘Black Mirror’ –, mas é essencial que a questão humana não se perca e que a tecnologia seja sempre a favor e não eventualme­nte contra nós.”

“O futuro tecnológic­o é o individual­ismo levado ao seu expoente máximo, com a medicina de precisão. Mas nunca esquecendo, por melhor e mais rápido que seja o diagnóstic­o que nós façamos, que a empatia e o humanismo com o profission­al de saúde são o fundamenta­l.”

Tecnologia para toda a gente

Sobre como a formação terá de se adaptar aos novos desafios trazidos pela tecnologia, a diretora da NOVA Medical School, Helena Canhão, referiu que “a pressão de update é um desafio para os estudantes de Medicina, mas também o é para os docentes, para os doentes e para os profission­ais de saúde”. Na sua opinião, “enquanto educadores, temos de pensar como é que vamos ensinar os nossos estudantes, mas também os nossos doentes e a população geral, tentando prever o futuro da saúde nos próximos 10 anos”. E embora “não seja fácil” a previsão do que vem aí, “precisamos de lidar com esta incerteza, assegurand­o ao mesmo tempo que o que estamos a ensinar e a fazer hoje é válido para o futuro e que quem está a produzir tecnologia está a produzir algo que é válido hoje e que tem de ser naturalmen­te válido por algum tempo”. Para o efeito, Helena Canhão defende que “os doentes têm de estar no centro do desenvolvi­mento, mas a sociedade em si e a literacia em saúde precisam de ser estimulada­s de uma forma transversa­l, porque a saúde é transversa­l”.

A fundadora do projeto Patient Innovation recordou com orgulho “a quantidade

“Devemos utilizar os avanços tecnológic­os para aumentar o toque humano e dar também ao paciente um assento à mesa onde a saúde é pensada, sendo cogestor da sua própria saúde.”

“Precisamos de olhar para a questão dos cuidados humanizado­s e para a questão da tecnologia não como uma versus a outra, mas como dois pilares que sustentam esta centralida­de do doente. Não podemos ver isto de forma concorrenc­ial porque não o é de todo e, sim, encontrar o espaço e a sincronia necessária de forma que uma ajude a outra, e, com o tempo que se ganha com a tecnologia, que consigamos medir o que estamos a fazer com esse tempo, porque esse tempo tem de acrescenta­r valor.”

de soluções que os doentes desenvolve­m que são realmente ‘fora da caixa’, e que são dirigidas às suas necessidad­es”, consideran­do que este é um conceito que precisa de ser muito mais generaliza­do: “Pre

“Há uma evolução muito grande e, na verdade, o doente já está no centro do sistema. Caminhamos cada vez mais para uma medicina mais individual­izada e de precisão, até pela exigência das pessoas, porque os próprios profission­ais são diferentes e a forma de trabalhar interdisci­plinar requer que isto aconteça.”

cisamos de promover muito mais a saúde e não só olhar quando as pessoas estão doentes, e precisamos também de tecnologia que sirva toda a gente de forma diferente e individual­izada, mas que as pessoas a saibam utilizar.”

Convidado a partilhar algumas experiênci­as com a tecnologia, o enfermeiro Bruno Matos, presidente do Conselho de Enfermagem da Lusíadas Saúde, destacou “o desafio” que representa a utilização dos gadgets na prestação de cuidados, consideran­do a importânci­a de fatores como a “heterogene­idade” e a diversidad­e de literacia entre os profission­ais de diferentes gerações. Gerir essa diversidad­e é uma tarefa desafiador­a. “Embora a utilização de gadgets seja comum para algumas gerações, para outras é uma novidade”, defendendo que “a preparação dos profission­ais, desde a fase académica, se torna crucial para facilitar essa transição” e que “identifica­r e envolver desde o início as pessoas mais e menos familiariz­adas com a tecnologia nas equipas de saúde é um passo fundamenta­l”.

A aversão à tecnologia muitas vezes está associada à falta de confiabili­dade, especialme­nte em ambientes de cuidados intensivos. Na sua opinião, a validação, o acompanham­ento e o apoio contínuo são cruciais para garantir o bom funcioname­nto dessa transição, evidencian­do a “importânci­a de preparar os profission­ais, especialme­nte na academia, para lidar não apenas com os aspetos visíveis, como gadgets, mas também com tecnologia­s mais avançadas, como os sistemas de apoio à decisão clínica”.

Por fim, além dos profission­ais, o enfermeiro sublinhou “a importânci­a de envolver também os doentes nesse processo de transição tecnológic­a”, sendo “fundamenta­l educar os pacientes sobre essas mudanças, evitando surpresas desagradáv­eis, como a falta de comunicaçã­o direta durante determinad­os procedimen­tos”. Na prática, “este é um processo que tem de ser um end-to-end, desde a escola até aos profission­ais e à literacia dos próprios doentes, garantindo que, de facto, o tempo liberto pela tecnologia acrescente valor”. ●

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 ?? ?? O painel incluiu, da esquerda para a direita, Joana Cruz, locutora da RFM; David Serra, diretor clínico do Hospital Lusíadas Lisboa e coordenado­r de Gastrenter­ologia do Grupo Lusíadas Saúde; Carlos Alheiro, Zone Business Lead Diagnostic Imaging da Siemens Healthinee­rs, Southern Europe; Bruno Matos, presidente do Conselho de Enfermagem da Lusíadas Saúde; Helena Canhão, diretora da NOVA Medical School; e Sofia Couto da Rocha, membro do Conselho Nacional para as Tecnologia­s de Informátic­a na Saúde da Ordem dos Médicos
O painel incluiu, da esquerda para a direita, Joana Cruz, locutora da RFM; David Serra, diretor clínico do Hospital Lusíadas Lisboa e coordenado­r de Gastrenter­ologia do Grupo Lusíadas Saúde; Carlos Alheiro, Zone Business Lead Diagnostic Imaging da Siemens Healthinee­rs, Southern Europe; Bruno Matos, presidente do Conselho de Enfermagem da Lusíadas Saúde; Helena Canhão, diretora da NOVA Medical School; e Sofia Couto da Rocha, membro do Conselho Nacional para as Tecnologia­s de Informátic­a na Saúde da Ordem dos Médicos
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