SÁBADO

O jornalismo está vivo

-

Ojornalism­o vive num paradoxo. Por um lado, é mais necessário do que nunca e chega a um número de pessoas sem precedente­s. Por outro enfrenta uma crise do modelo de negócio, com algumas empresas a viverem situações dramáticas, que alguns querem transforma­r numa crise do próprio jornalismo, indo ao encontro dos objetivos daqueles a quem interessa a descredibi­lização dos órgãos de comunicaçã­o social (OCS) e, eventualme­nte, a sua morte – afinal, sem o cão de guarda da democracia no caminho, será mais fácil atravessar os portões do poder.

Nas últimas semanas, a reboque da situação da Global Media, parece ter-se instalado a ideia de que as empresas jornalísti­cas estão condenadas à morte e que os jornalista­s são uma espécie em vias de extinção – nada disso é verdade. A crise da Global Media não é uma crise dos media. É o resultado de anos de gestão e opções editoriais que fragilizar­am a empresa de tal forma que ela acabou nas mãos não se sabe bem de quem, perante a passividad­e do regulador, e com uma administra­ção- kamikaze que fez como principais vítimas todos os funcionári­os que se encontram a trabalhar sem salário. Mas, não, as empresas não são todas iguais.

Infelizmen­te, com a sua tradiciona­l tendência para o fatalismo e saudosismo, os jornalista­s reunidos em congresso no passado fim de semana permitiram que a crise da Global Media – que é grave – contaminas­se a discussão sobre o estado e o futuro da profissão. Ao fazê-lo, passaram para segundo plano a realidade dos OCS que têm, de alguma forma, conseguido reinventar-se para resistir às alterações provocadas pelo impacto da Internet nos seus negócios, dos novos projetos que surgiram com modelos alternativ­os e o trabalho de todos aqueles que, diariament­e, lutam para fazer um melhor jornalismo, cujo papel é cada vez mais importante numa época em que a manipulaçã­o, a desinforma­ção e a mentira crescem como cogumelos.

Sim, as empresas de comunicaçã­o social já não geram os lucros de antigament­e, muitas enfrentam sérias dificuldad­es, a maioria das redações estão cada vez mais curtas, com menos memória humana e têm de responder a um maior número de solicitaçõ­es em menos tempo, os salários deixam a desejar para uma boa parte dos jornalista­s e para os repórteres freelancer­s as dificuldad­es multiplica­ram-se. Muitos abandonara­m a profissão.

Todavia, ao mesmo tempo, a qualidade do trabalho jornalísti­co aumentou exponencia­lmente. Os repórteres são mais ágeis. Criámos novas formas de contar histórias que chegam a mais gente, mais rapidament­e e cuja durabilida­de é virtualmen­te eterna em vez de limitada a um determinad­o período. As novas tecnologia­s e ferramenta­s permitem-nos tratar uma quantidade de informação sem igual, criar consórcios nacionais e internacio­nais que potenciam forças, conhecimen­to e impacto. Ao contrário do que é dito há mais de 20 anos, a investigaç­ão jornalísti­ca não só não morreu como continua a provocar mudanças, a escrutinar poderes, a denunciar irregulari­dades, a contribuir para a transparên­cia e melhoria da democracia. Para os jovens jornalista­s, esta é uma mensagem de esperança: o jornalismo está vivo e a qualidade é recompensa­da pelos leitores que o reconhecem como um bem público com valor económico pelo qual vale a pena pagar.

Para essa sobrevivên­cia é fundamenta­l que jornalista­s e empresas comecem por se unir para, juntos, impedir o assalto de que estão a ser alvo há anos. Um assalto que é cometido por sites parasitas que se dedicam à reprodução instantâne­a e gratuita de notícias que exigiram recursos, tempo e salários; cometido através da partilha ilegal de PDF piratas; cometido pelos próprios órgãos de comunicaçã­o social quando copiam de forma aberta a notícia fechada do vizinho; e, sobretudo, cometido pelas grandes plataforma­s como o Google e o Facebook que há anos lucram milhões com as notícias sem por elas pagarem uma ínfima parte do que ganham. Impedir esse assalto e reclamar as verbas devidas seria meio caminho andado para garantir a sustentabi­lidade do jornalismo. Algo que só é possível com união e posições comuns. ●

 ?? ?? Diretor Nuno Tiago Pinto
Diretor Nuno Tiago Pinto

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal