CADERNO DE SIGNIFICADOS
Sócrates concretizou mesmo alguns dos seus sonhos mais húmidos em matéria de controlo da comunicação social. Meteu os seus homens na Global, Joaquim Oliveira, primeiro, e depois usou das influências do advogado Proença de Carvalho
O Estado e a comunicação social
Quando se discute o papel do Estado no apoio à comunicação social é preciso puxar pela memória. É preciso recordar como os governos de Cavaco Silva controlaram a RTP e a generalidade dos meios de comunicação públicos. Também a relação do PS de Mário Soares com as redações, onde tinha as suas próprias antenas. Uns e outros controlavam as nomeações das direções e administrações, controlavam os alinhamentos dos telejornais, encheram as redações de comissários políticos.
Depois da privatização dos meios, pelos idos de 90, o grande padrão foi gizado por Sócrates, a figura que alguns teimam em relativizar na sua obsessão de controlo e fixação das narrativas que a sua personalidade narcísica gera.
Sócrates começou por querer destruir o semanário Sol, após o Freeport. Meteu o seu amigo Armando Vara, já no BCP, a tratar do assunto. O jornal foi encostado às cordas e esteve, várias vezes, à beira da morte. Num País onde os investigadores do jornalismo e da comunicação social proliferam como cogumelos, seria bom que algum se interessasse por estudar a resistência heroica daquela redação. Uma redação que, diga-se, não teve propriamente o reconhecimento e a solidariedade ativa de muitos dos jornalistas. Ficou ao mesmo nível do reconhecimento que a classe dedicou aos jornalistas da Impala, alvos de práticas laborais impensáveis e despedimentos em massa, que foi um zero absoluto.
Aomesmotempo em que procurava acabar com o Sol, Sócrates e os seus amigos abriram a outra e muito conhecida frente de ataque, contra a TVI, José Eduardo Moniz e Manuela Moura Guedes. Outro período e ações que também não suscitaram, que se saiba, nem o interesse dos ditos investigadores da comunicação social, muito menos a solidariedade da classe. Pelo contrário, alguns dos jornalistas hoje muito preocupados com a grave situação da Global Notícias são os mesmos que utilizaram o espaço dos seus jornais e televisões para diabolizar os que não escreviam pelas linhas oficiais da negociata. Logo gritaram contra a violação do segredo de justiça, que em todo o caso Face Oculta e suas extensões, como o “negócio PT/TVI”, nunca aconteceu. Encostaram os jornalistas que escreviam sobre os planos de Sócrates e amigos à prática do dito crime, mandando aí a presunção de inocência às malvas. Na pena destes escribas, alguns com grandes responsabilidades diretivas no DN, JN, TSF, TVI, entre outros, os jornalistas do Sol, Correio da Manhã, SÁBADO e de outros títulos que fizeram o seu papel, não se resignaram a ser recetáculos do que lhes era ditado pelos interesses dos próprios patrões ou dos assessores de São Bento, foram apelidados de bandidos, uma corja de violadores do segredo de justiça.
Sócrates, recorde-se, quis pôr a PT a comprar a TVI. Quis pôr Nuno Vasconcellos e a famigerada Ongoing a comprar a Cofina para controlar o Correio da Manhã ea SÁBADO. Quis comprar o Público para acabar com a influência deste sobre os alinhamentos informativos de cada dia.
Sócrates concretizou mesmo alguns dos seus sonhos mais húmidos em matéria de controlo da comunicação social. Meteu os seus homens na Global, Joaquim Oliveira, primeiro, e depois usou das influências do advogado Proença de Carvalho. Meteu os seus homens na ERC, onde foi desenvolvida uma linha, através de Arons de Carvalho e Azeredo Lopes, de diabolização por via administrativa, contraordenacional, ética e deontológica dos inimigos do ex-primeiro-ministro. Sócrates chegou a mexer-se no poder judicial para obter ganhos de causa, na secretaria e na barra, contra os seus inimigos na comunicação social. Pensar que nada disto pode repetir-se e que o perigo “está em Viana do Castelo”, como disse a diretora da Lusa, Luísa Meireles, no congresso dos jornalistas, numa alusão ao Chega, será, sejamos generosos, uma ingenuidade. Mas é também um perigoso caminho, que transforma o jornalismo num meio de combate “antifascista”, fora do seu universo próprio dos factos e da sua verificação, para lá de adormecer no colo de alguns dos seus inimigos de sempre, ainda que, aqui e ali, vestidos com pele de cordeirinho. ●