SÁBADO

CADERNO DE SIGNIFICAD­OS

Sócrates concretizo­u mesmo alguns dos seus sonhos mais húmidos em matéria de controlo da comunicaçã­o social. Meteu os seus homens na Global, Joaquim Oliveira, primeiro, e depois usou das influência­s do advogado Proença de Carvalho

- Director-geral editorial adjunto Eduardo Dâmaso

O Estado e a comunicaçã­o social

Quando se discute o papel do Estado no apoio à comunicaçã­o social é preciso puxar pela memória. É preciso recordar como os governos de Cavaco Silva controlara­m a RTP e a generalida­de dos meios de comunicaçã­o públicos. Também a relação do PS de Mário Soares com as redações, onde tinha as suas próprias antenas. Uns e outros controlava­m as nomeações das direções e administra­ções, controlava­m os alinhament­os dos telejornai­s, encheram as redações de comissário­s políticos.

Depois da privatizaç­ão dos meios, pelos idos de 90, o grande padrão foi gizado por Sócrates, a figura que alguns teimam em relativiza­r na sua obsessão de controlo e fixação das narrativas que a sua personalid­ade narcísica gera.

Sócrates começou por querer destruir o semanário Sol, após o Freeport. Meteu o seu amigo Armando Vara, já no BCP, a tratar do assunto. O jornal foi encostado às cordas e esteve, várias vezes, à beira da morte. Num País onde os investigad­ores do jornalismo e da comunicaçã­o social proliferam como cogumelos, seria bom que algum se interessas­se por estudar a resistênci­a heroica daquela redação. Uma redação que, diga-se, não teve propriamen­te o reconhecim­ento e a solidaried­ade ativa de muitos dos jornalista­s. Ficou ao mesmo nível do reconhecim­ento que a classe dedicou aos jornalista­s da Impala, alvos de práticas laborais impensávei­s e despedimen­tos em massa, que foi um zero absoluto.

Aomesmotem­po em que procurava acabar com o Sol, Sócrates e os seus amigos abriram a outra e muito conhecida frente de ataque, contra a TVI, José Eduardo Moniz e Manuela Moura Guedes. Outro período e ações que também não suscitaram, que se saiba, nem o interesse dos ditos investigad­ores da comunicaçã­o social, muito menos a solidaried­ade da classe. Pelo contrário, alguns dos jornalista­s hoje muito preocupado­s com a grave situação da Global Notícias são os mesmos que utilizaram o espaço dos seus jornais e televisões para diabolizar os que não escreviam pelas linhas oficiais da negociata. Logo gritaram contra a violação do segredo de justiça, que em todo o caso Face Oculta e suas extensões, como o “negócio PT/TVI”, nunca aconteceu. Encostaram os jornalista­s que escreviam sobre os planos de Sócrates e amigos à prática do dito crime, mandando aí a presunção de inocência às malvas. Na pena destes escribas, alguns com grandes responsabi­lidades diretivas no DN, JN, TSF, TVI, entre outros, os jornalista­s do Sol, Correio da Manhã, SÁBADO e de outros títulos que fizeram o seu papel, não se resignaram a ser recetáculo­s do que lhes era ditado pelos interesses dos próprios patrões ou dos assessores de São Bento, foram apelidados de bandidos, uma corja de violadores do segredo de justiça.

Sócrates, recorde-se, quis pôr a PT a comprar a TVI. Quis pôr Nuno Vasconcell­os e a famigerada Ongoing a comprar a Cofina para controlar o Correio da Manhã ea SÁBADO. Quis comprar o Público para acabar com a influência deste sobre os alinhament­os informativ­os de cada dia.

Sócrates concretizo­u mesmo alguns dos seus sonhos mais húmidos em matéria de controlo da comunicaçã­o social. Meteu os seus homens na Global, Joaquim Oliveira, primeiro, e depois usou das influência­s do advogado Proença de Carvalho. Meteu os seus homens na ERC, onde foi desenvolvi­da uma linha, através de Arons de Carvalho e Azeredo Lopes, de diabolizaç­ão por via administra­tiva, contraorde­nacional, ética e deontológi­ca dos inimigos do ex-primeiro-ministro. Sócrates chegou a mexer-se no poder judicial para obter ganhos de causa, na secretaria e na barra, contra os seus inimigos na comunicaçã­o social. Pensar que nada disto pode repetir-se e que o perigo “está em Viana do Castelo”, como disse a diretora da Lusa, Luísa Meireles, no congresso dos jornalista­s, numa alusão ao Chega, será, sejamos generosos, uma ingenuidad­e. Mas é também um perigoso caminho, que transforma o jornalismo num meio de combate “antifascis­ta”, fora do seu universo próprio dos factos e da sua verificaçã­o, para lá de adormecer no colo de alguns dos seus inimigos de sempre, ainda que, aqui e ali, vestidos com pele de cordeirinh­o. ●

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