THE SMILE: VIAGEM PARA BOM PORTO
No novo disco, a banda de Thom Yorke e Jonny Greenwood torna a acertar em cheio, explorando os limites do que pode ser uma canção.
QUANDO SE PENSA numa carreira musical longa, que se estende durante décadas, é fácil pensar em duas formas de a gerir. Por um lado, há aquilo a que poderíamos chamar a fórmula AC/DC: uma banda encontra uma receita de sucesso – um tipo exato de canção de sucesso – e passa o resto da vida a tentar recriá-la, alterando a letra mas mexendo com a maior parcimónia nesse modelo de canção, operando com o cuidado de quem procede a uma intervenção cirúrgica. Por outro, há a fórmula Marco Polo: os eternos exploradores, sempre sequiosos de reinventar a sua música, numa busca permanente para encontrar novos modelos de canção que lhes sirvam a imaginação.
Nenhuma fórmula é por si vencedora. A mudança pode ser refrescante ou uma desilusão: também há quem nunca nade para fora de pé e continue a maravilhar o mundo, como há quem se tente reinventar e se espalhe ao comprido.
Depois há uma categoria à parte, uma espécie de extraterrestres distantes de tudo isto, Thom Yorke e Jonny Greenwood fase The Smile. Continuam à procura de novos sons, novas progressões rítmicas e novos mundos sonoros por descobrir? Sim. Soam como nunca os ouvimos? Certamente. Continuam a soar como sempre soaram? De algum modo, também.
Não é fácil explicar, mas tentaremos. Os The Smile nascem como mais um projeto paralelo aos Radiohead de Thom Yorke e Jonny Greenwood, com a particularidade de neste os dois estarem juntos: saltaram fora os restantes três membros dos Radiohead, entrou Tom Skinner (baterista dos renovadores do jazz Sons of Kemet). O primeiro álbum, A Light for Attracting Attention, chegou em 2022 e foi recebido com a maior devoção,
Às primeiras escutas, soa a um álbum menos enérgico do que o anterior mas a impressão com que dele se sai é similar: os The Smile continuam a encontrar beleza no caos sónico
da crítica e de melómanos. O segundo, Wolf Eyes, é editado esta 6ª feira, 26 de janeiro, e se tivéssemos de apostar o nosso dinheiro, arriscávamos que a reação será semelhante.
Às primeiras escutas, soa a um álbum menos enérgico do que o anterior – não será fácil encontrar aqui canções como a intempestiva You Will Never Work in Television Again –, mas, estéticas musicais e detalhes técnicos à parte, a impressão com que dele se sai é similar: conjugando géneros diferentes (o krautrock, a eletrónica, o rock propositadamente sabotado), pontuando a música com acordes esquizoides, sons estranhos, elementos dissonantes e uma certa fantasmagoria sombria, é igualmente inovador e eficaz a criar beleza por entre o caos sónico.
Destacam-se as explorações de Teleharmonic, Read the Room (com um riff de guitarra mais rockeiro, obsessivamente tocado), Friend of a Friend (em registo mais baladeiro, a que as cordas da Orquestra Contemporânea de Londres assentam bem) e a serena e bela – ainda que sempre com aquela claustrofobia neurótica tão típica de Yorke, e a desaguar na reta final numa parede cortante e agressiva de som – Bending Hectic. Em suma: por mares desde sempre navegados, Thom Yorke e Jonny Greenwood, agora com o marujo Tom Skinner como companheiro de viagem, continuam a encontrar novos mundos. Para ver ao vivo, no próximo verão, no festival MEO Kalorama, em Lisboa. ●