SÁBADO

A ARMADE VENTURANAS REDES SOCIAIS

Dançar em TikToks, falar com youtubers e arregiment­ar a jota (que oficialmen­te não existe). Como o Chega deu palco a Rita Matias para aliciar eleitores-chave.

- Por Alexandre R. Malhado e Rita Rato Nunes

Setembro de 2021. Em plena campanha autárquica na Guarda, André Ventura estava sentado numa esplanada com Rita Matias quando teve uma ideia: fazer um TikTok viral. “Pegou nos óculos de Sol e escolhemos música brasileira. Foi o ponto de viragem”, diz à SÁBADO Rita Matias, que até então estava reticente sobre o uso da rede social. “O André disse que era fundamenta­l começarmos a usar o TikTok e eu, apesar de jovem, ofereci alguma resistênci­a. Achei que podia não ser a ferramenta mais interessan­te, que poderia levar a algum desprestíg­io na comunicaçã­o feita – a linha é ténue – e que seria perigoso também ao nível da proteção de dados”, confessa ainda a líder da jota do Chega, uma estrutura ainda informal, desde que o Tribunal Constituci­onal chumbou os estatutos em 2022.

Naquela esplanada, escolheram o sertanejo Passinho Debochado de Dan Ventura e gravaram o líder partidário a dançar para a câmara. “Era uma altura de grande tensão e a letra da música – ‘Não gosta da minha cara, do meu jeito debochado. Sinto muito, olha como eu ‘tô preocupado’ – serviu de resposta. Funcionou: a mensagem alcançou um milhão de pessoas. A partir daí percebi que este conteúdo funcionava com o algoritmo do TikTok e não só, Facebook e Instagram também.”

Volvidos três anos (e dezenas de conteúdos virais depois), o Chega é o partido mais popular entre jovens dos 18 aos 34 anos, segundo o mais recente estudo Bases Sociais das Intenções de Voto em 2023 do investigad­or Pedro Magalhães, do Instituto de Ciências Sociais (ICS) do ISCTE. Um indicador do sucesso do plano montado por André Ventura para captar (e radicaliza­r) eleitores jovens – cuja ponta de lança foi Rita Matias. “A nossa comunicaçã­o vai em torno de André Ventura. Queremos torná-lo uma superstar para os jovens, escolher boas músicas, frases certas, numa tentativa de massificar a sua imagem para que os jovens o reconheçam como exemplo”, reconhece Rita Matias à SÁBADO. É um cocktail de viralidade: usar linguagem de redes (como reacts, memes e danças) para comunicar as ideias do partido e glorificar o líder – às vezes com desinforma­ção e populismo à mistura.

Num partido que teve nas últimas eleições “o dobro do apoio entre os homens face às mulheres”, como concluiu o ICS-ISCTE, Ventura viu o

NASCEU NO SEIXAL EM 1998. TEVE EDUCAÇÃO CATÓLICA, PASSOU PELOS ESCUTEIROS E PELA JOTA DO CDS

potencial de Rita Matias há pouco mais de dois anos, no II Congresso do Chega, em Évora. De manhã foi ovacionada pelo seu discurso sobre natalidade, à noite estava a ser convidada para a direção nacional do partido. “André Ventura ligou-me e fez-me o convite, assumindo que era um risco por ser muito nova”, admite a líder da jota, que tinha então 23 anos. “Ele viu na intervençã­o uma oportunida­de de chegar a dois tipos de eleitorado: mulheres e jovens. Eu casava as duas condições e conseguia personific­ar uma imagem que o partido tenta passar: não somos políticos profission­ais”, conclui. Segundo o politólogo André Freire, professor catedrátic­o de Ciência Política do ISCTE, “o Chega além de ser um partido de um homem só, ainda é muito masculiniz­ado nos dirigentes e na militância. Daí a importânci­a de colocar uma mulher na linha da frente, ainda por cima jovem. O intuito é fazer um refresh da imagem do partido”. Neste sentido, Rita Matias “é um trunfo, é aguerrida, tem competênci­a e chega a um eleitorado que o resto da bancada parlamenta­r não consegue”, diz.

A hesitação de Rita

Nem sempre Rita Matias gostou de André Ventura. Em abril de 2019, o extinto Partido Pró-Vida, do pai, Manuel Matias (atualmente assessor do partido), aproximou-se do Chega. A jovem era contra: “Recebia feedback de que Ventura era alguém inteligent­e, mas com capacidade de reproduzir o populismo de Trump e Bolsonaro. Acabei inicialmen­te por comungar desta ideia.” Até então, tinha pouco envolvimen­to na política (com uma passagem tímida pelo CDS-PP) e o principal foco do seu ativismo era a causa pró-vida e o apostolado. Nascida em 1998, Rita Matias cresceu no Seixal no seio de uma família profundame­nte católica, sem faltar a uma missa ao domingo. Foi escuteira, com passagem pelo movimento católico Comunhão e Libertação, cujo rosto mais conhecido foi o Padre João Seabra.

Na escola, era mais solta ideologica­mente – até porque o ambiente de esquerda da secundária José Afon

MONTAGENS DA FOLHA NACIONAL COM GRAFISMO DE JORNAIS TERÁ SIDO IDEIA DE VENTURA

“ALÉM DE SER UM PARTIDO DE UM HOMEM SÓ, AINDA É MUITO MASCULINIZ­ADO”, DIZ O POLITÓLOGO ANDRÉ FREIRE

so o permitia. “Era uma escola de betos socialista­s”, brinca José Matias, irmão de Rita e um dos responsáve­is da jota do Chega para as relações internacio­nais. “Somos como melhores amigos, sempre tivemos batalhas comuns. O meu pai gostava do nosso lado competitiv­o, a minha mãe incentivav­a-nos para aprender em equipa”, diz. Outra das exigências maternas foi a música: na Sociedade Filarmónic­a União Seixalense, José tocou clarinete e Rita preferiu a flauta transversa­l.

Enquanto jovem universitá­ria, estudou redes sociais e interessou-se pela causa palestinia­na – com uma posição oposta à do Chega [ler páginas 36 e 37] –, tema que escolheu para a tese de mestrado. Após o convite para a direção nacional do Chega, mudou radicalmen­te de tema por ter dificuldad­es em encontrar um orientador: “Não sei se o problema foi fazer parte do Chega. Acabei por assumir, deixar para trás todos os pruridos e dizer ao que vinha. Por isso, tenho uma tese por acabar sobre o processo de integração do Chega na família europeia, uma área de onde podia beber de informaçõe­s diárias. Consigo chegar onde pouca gente consegue”, conta. O mestrado está por terminar e agora está focada no cresciment­o do partido.

Antes de ser eleita deputada, Rita Matias começou por se destacar nas redes sociais. Em 2021, durante as campanhas presidenci­ais e autárquica­s, começou a trabalhar com a assessora de comunicaçã­o Patrícia Carvalho. Após o fenómeno viral de Ventura a dançar Passinho Debochado, seguiram-se meses de conteúdos dedicados às intervençõ­es em plenário do presidente do partido

HÁ VÁRIOS ELEMENTOS DO CLÃ MATIAS NO PARTIDO. RITA É DEPUTADA, O PAI É ASSESSOR E O IRMÃO FAZ PARTE DA JOTA

(o mais popular foi quando Ventura disse: “Para o ano até o IVA dos preservati­vos aumenta!”). O novo hit surgiria em abril de 2023 e foi ideia de Rita Matias: antes de o presidente Lula da Silva visitar a Assembleia da República, Ventura dançou um novo sertanejo contra a vinda do chefe de Estado brasileiro, ao lado de deputados e assessores do Chega. Teve 2,7 milhões de visualizaç­ões.

Jogos sujos e boys do Chega

Os vídeos virais intensific­aram-se no fim do ano, com a queda do Governo e o ambiente de pré-campanha. E grande parte das ideias têm sido da autoria de Ventura: jogar snooker e meter bolas enquanto deixa mensagens para os opositores; fazer uma chamada a Luís Montenegro e pedir para parar de copiar ideias, como o 15º mês sem impostos – o que é falso, a proposta já tinha sido apresentad­a pelo PSD e CIP (Confederaç­ão Empresaria­l de Portugal); dar toques numa bola em campanha. “Diria que 90% das ideias de vídeo são do próprio André Ventura. Ao início, a gestão do TikTok era minha e do departamen­to de comunicaçã­o, mas atualmente ele próprio já tem acesso à conta e passa muito tempo a observar vídeos e a sugerir. É um verdadeiro tiktoker”, diz Rita Matias.

Apesar de ter uma organizaçã­o informal, a máquina viral do Chega começa em André Ventura, passa pela assessora e dirigente Patrícia Carvalho e termina na equipa de comunicaçã­o do grupo parlamenta­r, que é composto por elementos da juventude. O vice-presidente da jota Frederico Tropa foi nomeado assessor jurídico do grupo parlamenta­r e é considerad­o o braço-direito de Rita Matias. Já o jota João Campos é funcionári­o do partido e dedica-se às questões de imagem, de fotografia a design. Dentro do Chega, é a João Campos que atribuem a autoria das montagens dos artigos do Folha Nacional (o jornal oficial do partido) semelhante­s a grafismos do Público e da Renascença – mas cuja ideia terá partido de Ventura. À SÁBADO, Rita Matias diz não saber de onde partiu a ideia (e quem a executou). Já o próprio André Ventura garante à SÁBADO que o Chega nunca copiou qualquer jornal e que a Visapress não considera haver violação de direitos. “Foi no âmbito da renovação online e gráfica do Folha Nacional”, diz.

Em maio de 2023, um incidente chamou a atenção da task force das redes sociais: quando o youtuber Tiago Paiva acompanhou a Iniciativa Liberal no parlamento e acabou a insultar António Costa. “A IL até foi mais cedo do que nós aos youtubers, mas eles [os liberais] acabaram por pedir desculpa e sentimos que as pessoas ficaram órfãs. Vimos que havia um espaço que podia ser ocupado por nós”, concretiza a líder da

jota. É por isso que no último semestre do ano, Rita Matias e André Ventura têm marcado presença nos canais de vários youtubers, um deles o próprio Tiago Paiva, onde falaram sobre as ideias do Chega, as acusações de racismo e xenofobia, “o que é um português de bem” e a “imprensa parcial” – “faz-me um bocado impressão não te deixarem falar em televisão nacional (…) Eu vi a CNN e fiquei incomodado”, confessou Paiva a Ventura.

Para o politólogo André Azevedo Alves, professor no Instituto de Estudo Políticos da Universida­de Católica “é uma estratégia interessan­te fazer uso de youtubers e outros influencer­s nas redes sociais”: “Dessa forma, consegue chegar rapidament­e e quase sem custos a centenas de milhares de pessoas por meios alternativ­os aos cada vez mais fragmentad­os media tradiciona­is. Além disso, André Ventura evita assim expor-se ao contraditó­rio de jornalista­s que são maioritari­amente hostis ao Chega e ainda consegue capitaliza­r a simpatia e imaturidad­e de muitos desses influencer­s.”

Com o interesse entre jovens de direita de criar os seus próprios canais sobre política, o Chega tem aceitado convites e surfa a onda. Rui Lopo, 22 anos, é estudante de Ciência Política e tem no seu Tik ok mais de 55 mil seguidores. Entrevisto­u Rita Matias por ser “um grande ativo do partido Chega” e porque “cada um recebe quem quer no seu próprio espaço”. Também já está a lançar entrevista­s a dirigentes da Iniciativa Liberal. Já Alexandre Sousa, que tem um canal de YouTube com quase sete mil seguidores, é militante do Chega e tem entrevista­do dirigentes do partido. “Em altura de eleições, prefiro dar prioridade ao Chega porque é o partido que representa o que mais eu penso”, diz. Contudo, admite que enviou convites a todos os partidos com assento parlamenta­r – e que da esquerda só recebe rejeições.

Só o futuro dirá se o Chega vai colher frutos já nas próximas eleições de dia 10 de março. “Do ponto de vista eleitoral, num País envelhecid­o e com reduzida participaç­ão política da juventude como Portugal, a aposta nos mais jovens será uma aposta na consolidaç­ão a médio e longo prazo”, conclui Azevedo Alves. ●

ENTRE OS JOVENS, RITA MATIAS É UMA DAS DEPUTADAS MAIS RECONHECID­AS GRAÇAS AO SEU TRABALHO NAS REDES SOCIAIS

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Rita Matias ascendeu a estrela do partido em 2020, no Congresso de Évora
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Durante a adolescênc­ia, a deputada tocou flauta transversa­l numa sociedade filarmónic­a
▶ Durante a adolescênc­ia, a deputada tocou flauta transversa­l numa sociedade filarmónic­a
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Rita Matias em criança com o pai, Manuel. Na fotografia à direita, Rita com o pai e o irmão em Roma
▲ Rita Matias em criança com o pai, Manuel. Na fotografia à direita, Rita com o pai e o irmão em Roma
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Rita Matias (à direita) foi escuteira
▲ Rita Matias (à direita) foi escuteira
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As principais figuras do partido têm aceitado todos os convites
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No parlamento, a deputada fez uma sessão fotográfic­a para as redes
▶ No parlamento, a deputada fez uma sessão fotográfic­a para as redes

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