SÁBADO

CONVERSAS EM FAMÍLIA COMO VOXEA FINS

O partido radical espanhol fez media training ao Chega e ensinou-o a construir estruturas internas de WhatsApp. Jotas de Ventura também aprenderam com Orbán.

- Por Alexandre R. Malhado

Na carrera de San Jerónimo, em Madrid, Rita Matias saía da porta do Congresso de los Diputados acompanhad­a por Mireia Borrás, deputada do Vox, partido espanhol de direita radical. Era 10 de setembro de 2022 e, cinco meses após tomar posse, a deputada portuguesa encontrava-se com Borrás para momentos didáticos. “Enquanto coordenado­ra do grupo parlamenta­r na Comissão de Ambiente e Energia, fui consolidar a área do ambiente. Não tendo a componente técnica, fui aprimorar a visão política”, disse à SÁBADO Rita Matias, que chegou a apresentar um relatório ambiental que não existe [ver texto seguinte sobre polémicas]. Este é um dos vários encontros entre a líder da Juventude Chega e o Vox, intercâmbi­os incentivad­os por André Ventura para aprender como se faz lá fora.

“Mantivemos contacto ativo com o Vox. Foram várias as nossas viagens para Espanha”, começou por descrever a parlamenta­r portuguesa. “Na área da comunicaçã­o, chegámos a ter media training e ensinaram-nos como comunicar em rede. Por exemplo, a importânci­a de ter grupos e comunidade­s internas no WhatsApp e Telegram, assim como a importânci­a em obter likes nos primeiros segundos da publicação, para que o próprio algoritmo a queira fomentar”, exemplific­ou a deputada.

VOX DEU MEDIA TRAINING E ENSINOU TÉCNICAS DE ALGORITMO E ORGANIZAÇíO INTERNA DIGITAL NO WHATSAPP

Uma ponte para o Vox

Na altura, o Vox tinha 15% dos votos (52 deputados) e preparava-se para assinalar 10 anos de existência – tinha já uma estrutura altamente profission­alizada. “O Vox, por exemplo, tem uma fundação que produz estudos. É um partido que tem um conjunto de instrument­os que o Chega ainda não tem”, acrescenta a líder da jota, referindo-se à Disenso Fundación. Além de questões técnicas, Matias aprendeu com o congénere espanhol “a importânci­a de usar símbolos nacionais” em tudo: “Foi uma coisa que influencio­u muito a Juventude Chega. As novas gerações estão sedentas de símbolos – e tentamos valorizar figuras históricas, eventos e ressurgir sentimento­s patriotas. Até criámos pulseiras com a bandeira nacional, que os jovens podem adotar.” Ainda a semana passada, Rita Matias celebrou os 500 anos do nascimento de Luís de Camões.

À porta do parlamento espanhol, naquela reunião entre a Juventude Chega e o Vox, seguia mais uma pessoa ao lado das deputadas ibéricas – era Caetana Pettermann de Alós. A jovem luso-espanhola é vogal da direção da jota do Chega e militante do Vox, ao mesmo tempo. “Tem servido de ponte entre os dois partidos”, diz Rita Matias. Alós vive em Madrid, é estudante universitá­ria e tem apoiado os dois partidos, especialme­nte com artigos de opinião. Exemplo disso são os artigos que escreve para o La Gaceta de la Iberoesfer­a, jornal doutrinári­o do Disenso Fundación. “O PP português copia estratégia falhada de Feijóo e recusa acordos com o Chega”, lê-se num artigo da sua autoria. “Suspeitas de corrupção por parte do presidente da Madeira (PSD, aliado do PP) agita pré-campanha em Portugal”, lê-se noutro.

Para o jornal Folha Nacional, jornal doutrinári­o do partido, a luso-espanhola comparou a imigração

portuguesa ao Al-Andalus, nome dado à Península Ibérica sob domínio das forças islâmicas durante o século VIII. “Levei a cabo um trabalho de investigaç­ão sob o mote de um acontecime­nto da Idade Média a partir do qual possamos encontrar paralelos com os dias de hoje. Percebi imediatame­nte que tema queria tratar: as semelhança­s entre a formação do Al-Andalus e a nova invasão de magrebinos das costas peninsular­es”, escreveu. O texto alude à teoria da substituiç­ão e fomenta a desinforma­ção: segundo a Pordata, Portugal tem hoje quase 800 mil estrangeir­os residentes, o que equivale a 7,6% da população, e está longe de ser o país da União Europeia com maior proporção de imigrantes. Além disso, os imigrantes foram importante­s para a máquina do Estado em 2022: contribuír­am 1.861 milhões de euros para a Segurança Social, segundo o relatório do Observatór­io das Migrações. “Sem os imigrantes alguns setores económicos e atividades entrariam em colapso”, lê-se ainda.

As noites de Budapeste

Em novembro de 2023, o Chega preparava-se para enviar outro membro do clã Matias para um encontro internacio­nal. José Matias, irmão de Rita, rumou a Budapeste, Hungria, para o Fidelitas, congresso de jotas do partido Fidezs, liderado por Viktor Orbán. “Há uma coisa muito interessan­te que os húngaros e polacos têm (e nós não): são uma direita que governa. Eles têm iniciativa política que não existe nos restantes países do centro da Europa, política pública ligada à família, educação, soberania…”, afirma à SÁBADO. Em 2022, o Parlamento Europeu aprovou um voto simbólico de não considerar a Hungria uma democracia — uma “autocracia eleitoral” —, com mudanças na lei eleitoral que favorecem Orbán e a criminaliz­ação de peças jornalísti­cas relacionad­as com a Covid-19.

José Matias é um dos responsáve­is pelas relações internacio­nais da Juventude, a par de Ricardo Reis, vogal da direção da jota. Se o pai Manuel é assessor do partido e Rita deputada e líder da jota, José Matias é mais discreto e foca-se mais em questões internacio­nais. O jovem de 27 anos, que terminou o mestrado em Ciência Política e Relações Internacio­nais na Universida­de Nova este mês, com uma tese sobre A Orquestra Jovem da União Europeia e a Construção da Identidade Europeia, já participou em diversas sinergias internacio­nais. Enquanto membro do European Fraternity, organizaçã­o de cariz cristão que tenta “recuperar a alma da Europa”, foi a Roma e a Viena fazer networking com dezenas de jovens, alguns jotas de outras forças políticas à direita ultraconse­rvadora, outros ligados à cultura.

Em abril de 2023, esteve na comitiva do Chega que foi a Budapeste ao CPAC, evento ligado a conservado­res norte-americanos que junta populistas e radicais de direita de todo o mundo. Conheceu Eva Vlaardinge­rbroek, ativista de direita próxima de Tucker Carlson, ex-pivô da Fox News e um dos rostos da ultradirei­ta norte-americana. Nesse encontro, o líder do Chega sugeriu que estamos a caminhar para uma substituiç­ão populacion­al e disse ter visto pessoas vestidas “de forma islâmica” e a rezar “orações islâmicas” em Lisboa. “Há umas semanas, no último dia de Ramadão, eu viajava por Lisboa e passei por um dos centros históricos.” ●

DIREÇÃO DA JOTA CONTA COM MILITANTE DO VOX, QUE ESCREVE PARA O JORNAL DO PARTIDO ESPANHOL

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Rita Matias (à dir.ª) com a deputada espanhola Mireia Borrás (centro) e a dirigente da jota do Chega Caetana de Alós
▶ Rita Matias (à dir.ª) com a deputada espanhola Mireia Borrás (centro) e a dirigente da jota do Chega Caetana de Alós
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José Matias com a ativista Eva Vlaardinge­rbroek no CPAC, encontro de direita radical
▶ José Matias com a ativista Eva Vlaardinge­rbroek no CPAC, encontro de direita radical
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Rita Matias (à dir.ª) com Rocío Monasterio, dirigente do Vox em Madrid
▼ Rita Matias (à dir.ª) com Rocío Monasterio, dirigente do Vox em Madrid

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