CONVERSAS EM FAMÍLIA COMO VOXEA FINS
O partido radical espanhol fez media training ao Chega e ensinou-o a construir estruturas internas de WhatsApp. Jotas de Ventura também aprenderam com Orbán.
Na carrera de San Jerónimo, em Madrid, Rita Matias saía da porta do Congresso de los Diputados acompanhada por Mireia Borrás, deputada do Vox, partido espanhol de direita radical. Era 10 de setembro de 2022 e, cinco meses após tomar posse, a deputada portuguesa encontrava-se com Borrás para momentos didáticos. “Enquanto coordenadora do grupo parlamentar na Comissão de Ambiente e Energia, fui consolidar a área do ambiente. Não tendo a componente técnica, fui aprimorar a visão política”, disse à SÁBADO Rita Matias, que chegou a apresentar um relatório ambiental que não existe [ver texto seguinte sobre polémicas]. Este é um dos vários encontros entre a líder da Juventude Chega e o Vox, intercâmbios incentivados por André Ventura para aprender como se faz lá fora.
“Mantivemos contacto ativo com o Vox. Foram várias as nossas viagens para Espanha”, começou por descrever a parlamentar portuguesa. “Na área da comunicação, chegámos a ter media training e ensinaram-nos como comunicar em rede. Por exemplo, a importância de ter grupos e comunidades internas no WhatsApp e Telegram, assim como a importância em obter likes nos primeiros segundos da publicação, para que o próprio algoritmo a queira fomentar”, exemplificou a deputada.
VOX DEU MEDIA TRAINING E ENSINOU TÉCNICAS DE ALGORITMO E ORGANIZAÇÃO INTERNA DIGITAL NO WHATSAPP
Uma ponte para o Vox
Na altura, o Vox tinha 15% dos votos (52 deputados) e preparava-se para assinalar 10 anos de existência – tinha já uma estrutura altamente profissionalizada. “O Vox, por exemplo, tem uma fundação que produz estudos. É um partido que tem um conjunto de instrumentos que o Chega ainda não tem”, acrescenta a líder da jota, referindo-se à Disenso Fundación. Além de questões técnicas, Matias aprendeu com o congénere espanhol “a importância de usar símbolos nacionais” em tudo: “Foi uma coisa que influenciou muito a Juventude Chega. As novas gerações estão sedentas de símbolos – e tentamos valorizar figuras históricas, eventos e ressurgir sentimentos patriotas. Até criámos pulseiras com a bandeira nacional, que os jovens podem adotar.” Ainda a semana passada, Rita Matias celebrou os 500 anos do nascimento de Luís de Camões.
À porta do parlamento espanhol, naquela reunião entre a Juventude Chega e o Vox, seguia mais uma pessoa ao lado das deputadas ibéricas – era Caetana Pettermann de Alós. A jovem luso-espanhola é vogal da direção da jota do Chega e militante do Vox, ao mesmo tempo. “Tem servido de ponte entre os dois partidos”, diz Rita Matias. Alós vive em Madrid, é estudante universitária e tem apoiado os dois partidos, especialmente com artigos de opinião. Exemplo disso são os artigos que escreve para o La Gaceta de la Iberoesfera, jornal doutrinário do Disenso Fundación. “O PP português copia estratégia falhada de Feijóo e recusa acordos com o Chega”, lê-se num artigo da sua autoria. “Suspeitas de corrupção por parte do presidente da Madeira (PSD, aliado do PP) agita pré-campanha em Portugal”, lê-se noutro.
Para o jornal Folha Nacional, jornal doutrinário do partido, a luso-espanhola comparou a imigração
portuguesa ao Al-Andalus, nome dado à Península Ibérica sob domínio das forças islâmicas durante o século VIII. “Levei a cabo um trabalho de investigação sob o mote de um acontecimento da Idade Média a partir do qual possamos encontrar paralelos com os dias de hoje. Percebi imediatamente que tema queria tratar: as semelhanças entre a formação do Al-Andalus e a nova invasão de magrebinos das costas peninsulares”, escreveu. O texto alude à teoria da substituição e fomenta a desinformação: segundo a Pordata, Portugal tem hoje quase 800 mil estrangeiros residentes, o que equivale a 7,6% da população, e está longe de ser o país da União Europeia com maior proporção de imigrantes. Além disso, os imigrantes foram importantes para a máquina do Estado em 2022: contribuíram 1.861 milhões de euros para a Segurança Social, segundo o relatório do Observatório das Migrações. “Sem os imigrantes alguns setores económicos e atividades entrariam em colapso”, lê-se ainda.
As noites de Budapeste
Em novembro de 2023, o Chega preparava-se para enviar outro membro do clã Matias para um encontro internacional. José Matias, irmão de Rita, rumou a Budapeste, Hungria, para o Fidelitas, congresso de jotas do partido Fidezs, liderado por Viktor Orbán. “Há uma coisa muito interessante que os húngaros e polacos têm (e nós não): são uma direita que governa. Eles têm iniciativa política que não existe nos restantes países do centro da Europa, política pública ligada à família, educação, soberania…”, afirma à SÁBADO. Em 2022, o Parlamento Europeu aprovou um voto simbólico de não considerar a Hungria uma democracia — uma “autocracia eleitoral” —, com mudanças na lei eleitoral que favorecem Orbán e a criminalização de peças jornalísticas relacionadas com a Covid-19.
José Matias é um dos responsáveis pelas relações internacionais da Juventude, a par de Ricardo Reis, vogal da direção da jota. Se o pai Manuel é assessor do partido e Rita deputada e líder da jota, José Matias é mais discreto e foca-se mais em questões internacionais. O jovem de 27 anos, que terminou o mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Nova este mês, com uma tese sobre A Orquestra Jovem da União Europeia e a Construção da Identidade Europeia, já participou em diversas sinergias internacionais. Enquanto membro do European Fraternity, organização de cariz cristão que tenta “recuperar a alma da Europa”, foi a Roma e a Viena fazer networking com dezenas de jovens, alguns jotas de outras forças políticas à direita ultraconservadora, outros ligados à cultura.
Em abril de 2023, esteve na comitiva do Chega que foi a Budapeste ao CPAC, evento ligado a conservadores norte-americanos que junta populistas e radicais de direita de todo o mundo. Conheceu Eva Vlaardingerbroek, ativista de direita próxima de Tucker Carlson, ex-pivô da Fox News e um dos rostos da ultradireita norte-americana. Nesse encontro, o líder do Chega sugeriu que estamos a caminhar para uma substituição populacional e disse ter visto pessoas vestidas “de forma islâmica” e a rezar “orações islâmicas” em Lisboa. “Há umas semanas, no último dia de Ramadão, eu viajava por Lisboa e passei por um dos centros históricos.” ●
DIREÇÃO DA JOTA CONTA COM MILITANTE DO VOX, QUE ESCREVE PARA O JORNAL DO PARTIDO ESPANHOL