PLÁGIO, ERROS E PASSOS EM FALSO
Um discurso copiado, um relatório fictício, mudanças de atitude sobre a Palestina: os momentos infelizes na curta carreira da deputada do Chega.
MATIAS, ELEITA DEPUTADA EM 2022, JÁ FOI ACUSADA, VÁRIAS VEZES, DE DIVULGAR INFORMAÇÃO FALSA NA AR
Rita Matias chega a Coimbra, ao terceiro Congresso do partido, em 2021, como estrela em ascensão. Recém-eleita vogal da direção, o seu discurso é aguardado e um dos mais aplaudidos, mas a originalidade daquele deixa a desejar: a estrutura, a temática (aborto, direitos das mulheres) e a maioria das palavras são uma réplica da mensagem deixada pela primeira-ministra italiana e líder do partido pós-fascista Fratelli d’Italia, Giorgia Meloni, ao Congresso Mundial da Família, dois anos antes.
As semelhanças entre os dois discursos são evidentes, mas, acusada de plágio, a deputada, na altura, escudou-se atrás do termo “inspiração”. Três anos volvido, à SÁBADO, admite: “Foi duro, mas hoje reconheço que este foi um dos momentos mais importantes: permitiu-me crescer muito e ganhar alguma bagagem para encarar o dia a dia aberta à crítica. O Chega gera muito amor ou ódio.”
Rita pode ter endurecido a carapaça, todavia, os problemas com o uso indevido de fontes de informação não se ficaram por aqui, bem como as posições confusas ou contraditórias.
Palestina: pró ou contra?
▶ Quando o ataque do Hamas contra Israel, a 7 de outubro, reacendeu o conflito de décadas no Médio Oriente, o Chega propôs uma saudação “à legítima defesa israelita” e “uma condenação sem reservas ao Hamas”. E Rita Matias foi para as redes sociais criticar as manifestações pró-Palestina, defendendo que estas seriam o mesmo que “legitimar o terrorismo”. Mas, se recuarmos uns anos, a parlamentar tem um histórico de empenho na defesa do povo que agora critica. Sem admitir a incongruência das duas posições ou desconforto com a mensagem do seu partido.
Em julho de 2019, Rita Matias foi monitora num campo de férias da Missão Diplomática da Palestina em Portugal, no Seixal. Acompanhou 22 jovens palestinianos e discursou em defesa da liberdade deste povo.
Continuou a olhar para a situação em Gaza ao longo do seu percurso escolar. Em 2019, durante o mestrado, escolheu como tema “as redes sociais e o conflito israelo-palestino” para um trabalho, no âmbito da unidade de Estudos de Globalização. E propôs-se, nos objetivos do documento, a que a SÁBADO teve acesso, estudar como se pode promover uma “cultura de paz” na Palestina. Quis inclusive ampliar esta base e dedicar a tese de mestrado na Universidade Nova aos “projetos de colaboração da UE que promovem a paz no Médio Oriente”, contou a própria à SÁBADO, acrescentando que chegou a acompanhar “refugiados na Palestina e que seria por ali o caminho [da tese]”. “Só não consegui deslocar-me à Palestina, porque começou a pandemia.” E trocou este
tema pelo estudo do processo de integração europeia do Chega.
Escrito no mural
▶ Nas redes sociais, Rita Matias tem partilhado informação de fontes pouco credíveis ou descontextualizada, como uma “notícia” sobre heterossexuais serem obrigados a “namorar com ‘mulheres trans’ para combater o ódio”, que foi produzida por um “blogue cristão” inglês ( Pulpit & Pen), onde a frase citada não é corroborada por nenhum estudo científico.
Numa outra publicação, em julho, legendou uma fotografia do livro inglês Alfie’s Book com a frase: “A normalização da pedofilia está em curso.” Todavia, o livro aponta precisamente em sentido contrário ao que a deputada faz crer, alertando para o problema das relações abusivas.
O relatório-fantasma
▶ No parlamento, já subverteu, por mais de uma vez, a mensagem de notícias. Em julho, durante uma audição ao ministro do Ambiente, a deputada defendeu que as previsões dos governantes sobre o clima têm falhado, socorrendo-se de um alegado documento do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas, de 1989, que diria que, até à viragem do milénio, haveria países submersos. “Pasmem-se (sic), chegamos a 2023 e nenhuma das nações foi submersa”, concluiu, disponibilizando-se para mostrar o relatório que estaria a citar. No entanto, no fim da sessão teve de dar o dito por não dito, a pedido dos deputados, a quem fez chegar, em vez de um relatório, uma notícia da Associated Press, em que não estava explanada nenhuma afirmação sobre a possibilidade de nações submersas. “A questão não existe”, viria a admitir. ●
DEPUTADA TROCOU TESE DE MESTRADO SOBRE PALESTINA POR ESTUDO DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA DO CHEGA