7 milhões para o lobo se vestir de cordeiro
O ESTADO DE ISRAEL gastou cerca de 7 milhões de dólares num anúncio de propaganda que foi transmitido durante o SuperBowl deste domingo – a final da competição de futebol americano NFL que conta anualmente com milhões de espetadores – com foco nos pais de famílias israelitas que estão reféns do Hamas desde 7 de outubro de 2023.
Enquanto o anúncio estava no ar, Israel preparava-se para lançar uma série de ataques aéreos em Rafah naquela madrugada, que veio a vitimar mais de 100 pessoas e de onde foram recolhidos dois reféns israelitas. Metade da população de Gaza (cerca de
1,3 milhões de pessoas) está refugiada em tendas naquele local. Israel sabia das possíveis consequências devastadoras de ataques aéreos numa região com uma enorme concentração de refugiados, mas isso não os demoveu. Os resultados estão à vista.
O ataque do Hamas de 7 de outubro, que matou mais de 1100 de israelitas e tomou cerca de 250 reféns, foi aberrante e não devem existir reticências em afirmá-lo. Mas a desproporção da resposta de Israel, com contornos chocantes e práticas que já se aproximam do conceito de genocídio da população de Gaza (como decorre do processo judicial que está pendente no Tribunal Internacional de Justiça) demonstra que o direito de autodefesa está já largamente ultrapassado.
Desde 7 de outubro, mais de 28.000 palestinianos foram mortos e mais de 65.000 ficaram feridos. Perto de 70% das vítimas são mulheres e crianças, o que torna estes factos ainda mais revoltantes, especialmente considerando a sofisticação do exército israelita (IDF), que sabe bem o que faz.
Perante esta gritante desproporção, esgotam-se as palavras perante as sucessivas notícias da carnificina que todos os dias se agrava sobre a população de Gaza. Notícias de civis, crianças, mulheres e idosos mortos de forma cruel, histórias de dor infinita e trauma geracional, privações severas de alimentos, higiene e cuidados de saúde básicos da população sobrevivente, em direta consequência das ações premeditadas do Estado de Israel. No meio de tudo isto, um anúncio milionário em que Israel se apresenta como vítima. A hipocrisia é insuportável.
Agora, como se o massacre que tem acontecido nos últimos quatro meses não fosse suficiente, Netanyahu ameaça evacuar a população de Gaza da região de Rafah, que diz ser o próximo alvo do IDF, já que a cidade é, nas suas palavras, o “último bastião” do Hamas.
Perante os vários avisos de provável catástrofe humanitária caso o IDF avance sobre Rafah, por parte da ONU, da União Europeia e até do próprio Tribunal Internacional de Justiça, Netanyahu não parece sensibilizar-se.
A esta luz, o apelo do alto-representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrell, deve ser especialmente tido em conta: os Estados-membros da UE têm de cessar, imediatamente, o fornecimento de armas a Israel. Não faz sentido reconhecer o massacre em curso e contribuir financeiramente para a sua concretização. Borrell, corajosamente, também pediu esta semana aos Estados Unidos que cortem o financiamento militar a Israel, considerando o elevadíssimo número de civis mortos em Gaza. Este ciclo de violência atroz cometido por uma nação que representa, em parte, um povo que foi sujeito ao ato mais hediondo da história da Humanidade – o holocausto – ficará para historiadores, sociólogos e psicólogos futuros avaliarem e refletirem. Nós, que estamos a assistir a um enorme massacre em direto e em grande detalhe – com acesso a informação, vídeos e imagens em tempo real como nunca antes foi possível – resta-nos lidar com a distopia que é ver uma nação ocupante levar a cabo uma tentativa de limpeza étnica enquanto transmite anúncios de televisão nos quais figura como oprimida. O ar está irrespirável. ●