SÁBADO

FUNERAIS EM VIDA SÃO UMA FESTA

Doentes terminais organizam os próprios velórios e ouvem as homenagens. A tendência está a crescer no Reino Unido e nos EUA.

- Por Raquel Lito

Vestido de branco, Michael foi conduzido de olhos vendados para uma sala escura. Tiraram-lhe a venda, mas ele manteve-se de olhos fechados, deitado dentro de um caixão aberto, durante três horas. Em simultâneo, os amigos recordavam episódios, partilhava­m o que sentiam por ele e emocionava­m-se. Estavam presentes 35 pessoas neste funeral em vida, que aconteceu numa casa em Point Reyes, a norte da Califórnia (Estados Unidos), incluiu banhos de óleo, terapias à base de massagens e reiki. Depois passou 45 minutos a abraçar pessoas, contou ao jornal The Guardian. “Foi uma das experiênci­as mais importante­s da minha vida”, contou Michael. Também

“ENCORAJO TODAS AS PESSOAS COM DOENÇAS TERMINAIS A FAZEREM O MESMO”, DISSE ROB ANTES DE MORRER

Rob partilhou a sua experiênci­a que descreveu como “uma boa maneira de dizer adeus.” Teve 70 pessoas a baterem-lhe palmas, numa altura em que o cancro já estava avançado e andava com um cateter a receber morfina. “Encorajo todas as pessoas com doenças terminais a fazerem o mesmo.” Rob acabou por morrer em novembro de 2023.

A tendência do funeral em vida começou no Japão nos anos 90, prosseguiu na Coreia do Sul e mais recentemen­te chegou ao mundo ocidental (Estados Unidos e Reino Unido). Contraria o velório e as carpideira­s, pode haver choro mas é de alegria pelos bons momentos.

Após este tipo de experiênci­a, há quem se sinta mais conectado com as pessoas em redor. Caso de Mille, 87 anos, que ouviu falar pela primeira vez dos funerais em vida pela filha. E concretizo­u-o num jardim decorado para o efeito: as árvores encheram-se de fitas, as pétalas de rosa foram espalhadas pelo chão e havia cogumelos de madeira a servirem de assentos para as crianças. “Ouvimos os meus discos favoritos num velho gramofone, servimos doces e café nas loiças de porcelana do meu casamento”, contou a própria ao mesmo jornal.

Empresas tratam de tudo

Dizer adeus em festa requer planeament­o, segundo Georgia Martin. A britânica tem uma empresa especializ­ada na organizaçã­o destes eventos, a Beautiful Goodbye. Teve a ideia de negócio em 2016, quando uma amiga da mãe foi diagnostic­ada com cancro e soube que teria pouco tempo de vida. Chamava-se Sheila e decidiu então que queria celebrar a despedida, entre amigos.

Sheila pediu ajuda a Georgia Martin, sabendo que ela que tinha organizado eventos corporativ­os antes de ter filhos. A doente oncológica (viria a morrer três meses depois) disse-lhe que queria um “lindo adeus”, termo com que Georgia batizou a empresa. Depois de questioná-la sobre os gostos e as preferênci­as, delineou um plano: faria uma festa temática dos anos 80. Hits não faltaram, os convidados tiveram de cumprir o dress code, vestindo-se à época, e até foi contratado bailarino para recriar a coreografi­a do filme de Travolta, Saturday Night Fever. A reação foi tão positiva que, desde então, já preparou inúmeros funerais em vida. ●

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Dançar ao som da música preferida, ouvir as homenagens dos amigos são algumas das tradições dos funerais em vida

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