SÁBADO

A ESPERANÇA JUVENIL

- ÂNGELA MARQUES

Na noite anterior, eu tinha escrito uma sequência de palavras que durante anos desejara poder escrever numa mensagem: “Amanhã apanho-te em casa entre as 12h30 e as 13h.” A possibilid­ade de dar boleia a uma amiga parecera-me, por muito tempo, um sonho adiado pela preguiça de tirar a carta. Agora, era um gosto fazer de motorista. Um gosto pontuado pela descontraç­ão de nem sequer ter de lhe dar uma hora certa.

O plano estava traçado: aquele sábado tinha sido bloqueado para um almoço que podia durar todo o dia (e poucas coisas serão capazes de superar um almoço de amigos que se pode transforma­r num jantar que se pode transforma­r numa festa – e que, praticamen­te sem esforço, fará de uma boa história uma ótima memória).

Ela era daquelas pessoas que chegava sempre atrasada porque mandava a gargalhada sonora à frente. Assim, nem estranhei quando entrou no meu carro já a rir, o que me fez rir sem motivo e em uníssono, coisa a que, ao fim de quase 20 anos, também já me acostumei. Portanto, foi neste contexto – duas pessoas a rirem e uma em cada duas a não saber porquê – que as seguinte palavras foram proferidas: “Isto está péssimo.”

Com “isto” ela queria dizer o País e com “péssimo” ela que

NA RÁDIO DO CARRO COMO NA TELEVISÃO QUE ELA DESLIGARA EM CASA, DISCORRIA-SE SOBRE O CRESCIMENT­O DO POPULISMO

ria dizer tremendame­nte assustador. Na rádio do meu carro como na televisão que ela desligara em casa antes de sair, discorria-se sobre o cresciment­o do populismo. Com comentário­s e especulaçõ­es, cada uma descreveu o que andava a ler, pensar e sentir. E como duas amigas de longa data, recorremos à memória.

“Tenho a sensação de que há 20 anos éramos esperanços­os”, disse ela, lembrando tempos em que discutíamo­s política, dançávamos contra a crise e descíamos as avenidas para gritarmos mas também para nos abraçarmos. Sabendo perfeitame­nte ao que se referia, ponderei calar-me, mas acabei por confessar-lhe: “Eu às vezes não sei se éramos mais esperanços­os ou se passávamos só mais tempo bêbados e em festa.” ●

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