A ESPERANÇA JUVENIL
Na noite anterior, eu tinha escrito uma sequência de palavras que durante anos desejara poder escrever numa mensagem: “Amanhã apanho-te em casa entre as 12h30 e as 13h.” A possibilidade de dar boleia a uma amiga parecera-me, por muito tempo, um sonho adiado pela preguiça de tirar a carta. Agora, era um gosto fazer de motorista. Um gosto pontuado pela descontração de nem sequer ter de lhe dar uma hora certa.
O plano estava traçado: aquele sábado tinha sido bloqueado para um almoço que podia durar todo o dia (e poucas coisas serão capazes de superar um almoço de amigos que se pode transformar num jantar que se pode transformar numa festa – e que, praticamente sem esforço, fará de uma boa história uma ótima memória).
Ela era daquelas pessoas que chegava sempre atrasada porque mandava a gargalhada sonora à frente. Assim, nem estranhei quando entrou no meu carro já a rir, o que me fez rir sem motivo e em uníssono, coisa a que, ao fim de quase 20 anos, também já me acostumei. Portanto, foi neste contexto – duas pessoas a rirem e uma em cada duas a não saber porquê – que as seguinte palavras foram proferidas: “Isto está péssimo.”
Com “isto” ela queria dizer o País e com “péssimo” ela que
NA RÁDIO DO CARRO COMO NA TELEVISÃO QUE ELA DESLIGARA EM CASA, DISCORRIA-SE SOBRE O CRESCIMENTO DO POPULISMO
ria dizer tremendamente assustador. Na rádio do meu carro como na televisão que ela desligara em casa antes de sair, discorria-se sobre o crescimento do populismo. Com comentários e especulações, cada uma descreveu o que andava a ler, pensar e sentir. E como duas amigas de longa data, recorremos à memória.
“Tenho a sensação de que há 20 anos éramos esperançosos”, disse ela, lembrando tempos em que discutíamos política, dançávamos contra a crise e descíamos as avenidas para gritarmos mas também para nos abraçarmos. Sabendo perfeitamente ao que se referia, ponderei calar-me, mas acabei por confessar-lhe: “Eu às vezes não sei se éramos mais esperançosos ou se passávamos só mais tempo bêbados e em festa.” ●