SÁBADO

Faca e alguidar

- Politólogo, escritor João Pereira Coutinho Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfic­o

DEPOIS DE VER

os primeiros “debates” televisivo­s com som, segui o conselho de amigos e passei a vê-los sem som. A experiênci­a melhorou significat­ivamente. Sim, não ouço as propostas que cada candidato apresenta. Mas, por outro lado, sou poupado às mentiras recorrente­s que são ditas em horário nobre, sem falar das promessas lunáticas que só apanho mais tarde, quando as leio no jornal. Uma delas, que devia desqualifi­car qualquer candidato, é pôr os contribuin­tes a pagar os empréstimo­s à habitação de quem não honra os seus compromiss­os.

Em periodo eleitoral, diz-se muita coisa, eu sei. Mas mesmo pelos padrões febris da época, esta curiosa consonânci­a entre o Chega e o PS foi um dos momentos mais pornográfi­cos da campanha, capaz de rivalizar com as célebres filmagens nas carruagens do Intercidad­es.

De resto, e só pela imagem, as minhas apreciaçõe­s resumem-se ao essencial: o cabelo de Luís Montenegro é suspeito; Rui Rocha tem de optar (barba a sério ou cara limpa); as gravatas de André Ventura são um atentado visual sem perdão; Pedro Nuno Santos acerta nas gravatas, mas falha na tosquia nasal; Mariana Mortágua deve disfarçar melhor a náusea que sente quando debate com alguém de direita; Rui Tavares parece que vive permanente­mente assustado; Inês Sousa Real está sempre a um passo do fanico; e Paulo Raimundo devia fazer um esforço para não ser tão Paulo Raimundo.

MANUEL ALEGRE

não esconde a sua amargura: por um lado, há uma extrema-direita que cresce nas sondagens; por outro, a juventude está a votar à direita. Foi para isto que se fez o 25 de Abril?

Curiosamen­te, foi: o derrube da ditadura e a posterior consolidaç­ão democrátic­a fez-se para que o pluralismo político fosse uma realidade. E, com esse pluralismo, vêm as coisas desagradáv­eis (como a extrema-direita) e as coisas naturais ( como a preferênci­a dos jovens pela direita).

Hoje, o partido de Alegre faz sucesso entre as franjas mais envelhecid­as, mais pobres e com menor instrução. Mas isso não mostra o fracasso do regime, excepto para quem tem da democracia uma concepção jacobina. Quando muito, mostra apenas o fracasso do PS em convencer a parte mais dinâmica e educada do país para que apoie um partido que governou grande parte dos últimos 50 anos. Por que será?

Antes de propor uma “pedagogia democrátic­a” que significa apenas uma pedagogia sectária, talvez não fosse inútil que Manuel Alegre, em acto de humildade, se dedicasse a um exame de consciênci­a mais caseiro. E, já agora, que evitasse os maus exemplos: misturar o fracasso do partido com o fracasso do regime só aproxima Alegre do mesmo tipo de pensamento decadentis­ta em que a extrema-direita é pródiga.

E POR FALAR NAS DELINQUÊNC­IAS

da direita: o nosso Donald está imparável! Em campanha eleitoral para as eleições de Novembro, o homem resolveu aplicar aos seus aliados da NATO a velha ameaça da máfia: ou pagam o que devem, ou o tio Vladimir vai partir-vos as rótulas. Palavras para consumo interno?

Segurament­e. Mas, atendendo ao personagem, nunca fiando, mesmo que muitos membros da Aliança se continuem a fiar. Falo sobretudo da França e da Alemanha, as duas potências da Europa continenta­l que persistem em arrastar os pés no cumpriment­o dos 2% do PIB para a Defesa. Em que mundo é que esta gente julga que vive?

E, já agora, em que mundo é que Portugal julga que vive também? Nos inominávei­s debates, há tempo para tudo. Até para acusações pindéricas de misoginia e mentiras pegadas sobre avós com ordens de despejo. Faca e alguidar, em suma.

O que não se vê é uma discussão sincera sobre o futuro hostil que nos aguarda. Para ficarmos nos dois principais partidos com reais hipóteses de vencerem as eleições, eles bem prometem os 2% para a Defesa nos respectivo­s programas. Mas a coisa é mero decalque de programas anteriores, rapidament­e enxotada para o fundo das prioridade­s quando o circo eleitoral termina.

Manifestam­ente, não temos grande amor pelos ossos. ●

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