O mundo deixou de importar?
Este sábado assinalam-se dois anos da invasão russa da Ucrânia. Ao longo destes 731 dias, habituámo-nos às imagens de guerra e destruição, às notícias de avanços e recuos nas trincheiras, aos relatos de morte, massacres e crimes de guerra cometidos de parte a parte, alguns deles ocultados propositadamente em guerras de desinformação que não são mais do que batalhas pela opinião pública. Mas, apesar do hábito, a guerra não é um filme ou um videojogo, como recorda nesta edição João G., o português que há dois anos luta contra o invasor russo na Ucrânia. Ela é real, e está a ter impactos tremendos – e duradouros.
Desde o início, a guerra às portas da Europa provocou um choque nas cadeias de abastecimento, um aumento dos preços de petróleo e gás natural e teve impacto no aumento da inflação e do custo de vida dos cidadãos europeus. Ela levou à redução do crescimento das das economias e ao risco de recessão e, com a enorme incerteza sobre o que poderá acontecer no futuro, abalou a confiança dos investidores. Um estudo do Banco Nacional suíço, de setembro de 2023, dava mesmo conta de que esses efeitos seriam piores no médio e no longo prazo.
A União Europeia (UE) respondeu à invasão russa com uma solidariedade total. Esse apoio da UE e dos seus Estados-membros traduziu-se, até ao fim de janeiro deste ano, em mais de 71 mil milhões de ajuda militar, financeira, humanitária e de emergência, acrescidos de 17 mil milhões destinados a apoiar os refugiados ucranianos espalhados pelos países europeus. Já em fevereiro, os líderes europeus aprovaram um pacote de mais 50 mil milhões de euros de assistência financeira para o período entre 2024 e 2027, condicionados ao cumprimento de determinadas condições por parte do Governo ucraniano. Uma quantia mínima para as necessidades ucranianas e que em breve poderá ter de subir substancialmente com as dificuldades crescentes de Joe Biden conseguir aprovar novos pacotes de ajuda. Todo esse dinheiro não surgiu, nem surgirá, do vácuo: ele provém do orçamento comunitário, ou seja, dos Estados-membros, Portugal incluído.
A NATO, dada como moribunda há alguns anos por Emanuel Macron, recompôs-se e tornou-se fundamental no envio de auxílio militar à Ucrânia. Alargou-se à Finlândia e, espera-se que em breve, à Suécia ao mesmo tempo que viu o resultado das eleições nacionais provocar divisões internas sobre a resposta à Rússia. A pressão cresce para que os países contribuam com os famosos 2% do PIB para o esforço militar da aliança, compromisso que se torna ainda mais urgente com a perspetiva do regresso de Donald Trump à Casa Branca e um eventual abrandamento do apoio americano à Ucrânia.
O mundo é um lugar complexo, perigoso e demasiado interligado para que os cerca de 4.150 km que separam Lisboa de Kiev protejam os portugueses dos efeitos da guerra ou das mudanças estratégicas que ocorrem no interior da União Europeia. O País não é uma ilha imune ao que se passa à volta, nem que seja pela influência do turismo na economia nacional.
Portugal sempre se orgulhou de ser um País pequeno com vocação global e uma influência inversamente proporcional à sua dimensão. A voz do País era ouvida dos dois lados do Atlântico, respeitada em África e no Sudeste Asiático. Mantinha uma delicada rede de alianças que, nos últimos 25 anos, lhe permitiu ter um papel decisivo na independência de Timor-Leste ou na reforma das instituições europeias. Deu ao mundo um presidente da Comissão Europeia e um secretário-geral da ONU, dois ex-primeiros-ministros com mundo e noção dessa vocação global. Chegar ao fim de uma maratona de 28 debates sem que se saiba o que os principais candidatos à liderança do Governo pensam sobre a guerra na Ucrânia e já agora no Médio Oriente, a posição do País no mundo, os seus desafios e dificuldades ou qual é o caminho que a UE deverá seguir no seu processo de integração e de estratégia de defesa parece mostrar que o País está condenado a remeter-se à sua real dimensão. ●