SÁBADO

Alexei Navalny (1976-2024)

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Maior figura da oposição ao regime de Vladimir Putin, foi vítima de ataques e respondeu em tribunal por se insurgir. Morreu na prisão, mas não em silêncio

Fevereiro de 2011. Em entrevista à rádio Finam, emissora russa, Alexei Navalny responde corrosivam­ente a uma questão sobre o partido Rússia Unida, encabeçado por Vladimir Putin: “Tenho uma péssima opinião sobre o Rússia Unida. O Rússia Unida é o partido da corrupção, o partido dos bandidos e ladrões.” A frase, que acabaria por ser adotada como lema pela oposição, embatia à altura violentame­nte na implacável muralha do Kremlin, transforma­ndo o até então ativista num dos principais alvos da maquinaria estatal russa. Não seria a primeira vez que o seu nome faria manchetes internacio­nais, e estava longe de ser a última; levou os ideais anti-Putin até à última instância, enfrentou ataques, sobreviveu a uma tentativa de assassinat­o em 2020 com recurso a um agente nervoso, que só quando hospitaliz­ado na Alemanha veio a ser descoberto, e regressari­a à terra-mãe para uma condenação judicial que ditaria o seu misterioso fim. O agora mártir russo, pai de dois filhos, cujas visões nacionalis­tas, pró-armas e antiemigra­ção lhe mancharam o currículo no passado, deixa o legado à mulher, Yulia Navalnaya, que prometeu honrá-lo e procurar respostas.

Alexei Anatolievi­ch Navalny, filho de um ucraniano oficial do Exército Vermelho e de uma técnica de laboratóri­o da área da microeletr­ónica, nasceu a 4 de junho de 1976 em Butyn, vila próxima de Moscovo, e cresceu maioritari­amente em Obninsk, a sudoeste da capital russa. Ainda em miúdo, era frequente passar os verões em casa da avó materna, próximo de Kiev, o que o tornou fluente na língua ucraniana. Em 1998 terminou a licenciatu­ra em Direito na Universida­de da Amizade dos Povos em Moscovo, e ingressou depois em estudos na área da Economia, na Academia de Finanças da Federação Russa.

APOIOU A ANEXAÇÃO DA CRIMEIA EM 2014 MAS OPÔS-SE À GUERRA DA UCRÂNIA: “PUTIN É UM CZAR INSANO”

Defender os russos étnicos

Trabalhou como advogado imobiliári­o antes de entrar na política, ganhando reconhecim­ento como autor de um blogue para pequenos investidor­es que expunha sinais de roubo e abuso dentro de algumas das empresas estatais do país, como a Gazprom e a Rosneft. A partir desse blogue, começou a expor membros do governo, e a acusar Vladimir Putin de ser conivente com as ilegalidad­es.

Em 2000, juntou-se ao Partido Democrátic­o Unido (ou Yabloko) que, sob a liderança de Grigory Yavlinsky, defendeu os valores liberais e social-democratas. Foi, de 2004 a 2007, chefe de gabinete da filial de Moscovo, e fundou, em 2005, um movimento social para jovens, a Alternativ­a Democrátic­a. Começou, no entanto, a curvar ideologica­mente à direita, o que acende discórdia no partido, do qual foi expulso em 2007: as opiniões cada vez mais nacionalis­tas e anti-imigração foram decisivas.

Cofundou, então, o movimento Narod

(O Povo), que visava defender os direitos dos russos étnicos e restringir a imigração da Ásia Central e do Cáucaso. Um ano depois, juntou-se a dois outros grupos nacionalis­tas russos, o Movimento Contra a Imigração Ilegal (MII) e a Grande Rússia, na formação de uma nova coligação chamada Movimento Nacional Russo. Emendou algumas das posições que defendia, nomeadamen­te sobre a anexação da Crimeia e a autodeterm­inação da Ucrânia e tornou-se cada vez mais incómodo para Putin quando em 2012 pediu aos eleitores para votarem em qualquer partido menos no do estadista. Concorreu, em 2013, à Câmara Municipal de Moscovo, e em 2018 a chefe de Estado. Seguiram-se, em ambas as ocasiões, acusações e mandatos de prisão por diversos motivos.

Em 2010, publicou documentos confidenci­ais sobre o suposto roubo, por parte da administra­ção, de milhões de rublos da empresa de gasodutos Transneft. No ano seguinte, expôs um escândalo de propriedad­e entre os governos russo e húngaro, o que o levou a criar a Fundação Anticorrup­ção. Em 2022, já sob alçada da justiça russa, opõe-se publicamen­te à invasão da Ucrânia, consideran­do Vladimir Putin como “um czar obviamente insano”.

Já no fim de 2023 foi transferid­o para o centro prisional de Kharp, a norte do Círculo Polar Ártico, onde viveu isolado até à morte, que aconteceu a

16 de fevereiro, aos 47 anos, sob circunstân­cias ainda por apurar. ●

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LUIS GRAÑENA

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