O feminista António Pinto Pereira
O DR. PINTO PEREIRA, candidato do Chega às eleições legislativas por Coimbra, é um feminista desde esta segunda-feira. Palavra de honra, o senhor acordou nessa manhã aflito com a desigualdade de género e decidiu, então, assumir-se como um campeão pelos direitos das mulheres portuguesas.
Na qualidade de visada pelos seus esforços, posiciono-me desde já dispensando a sua tão genuína preocupação. É que o Dr. Pinto Pereira, como chegou anteontem ao movimento feminista, ainda está um bocadinho confuso. Vamos por partes.
A Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra organizou uma mesa redonda com os candidatos por Coimbra às legislativas, com foco em propostas que travem a emigração sem retorno de jovens qualificados em Portugal. Segundo o Diário de Coimbra e alguns relatos de pessoas que estiveram presentes, a discussão terá descambado durante uma intervenção do candidato do Chega para o tema da imigração. Principiou, então, o Dr. Pinto Pereira por rejeitar a ideia de que representa um partido “fascista” ou “nazi” porque – pasme-se – se propõe a defender as camadas mais frágeis da sociedade, como as mulheres.
Aqui está o primeiro equívoco do Dr. Pinto Pereira: as mulheres, que correspondem a metade da população do país, não são, felizmente, uma “camada frágil da sociedade”. Isto, claro, graças a mudanças legislativas e a evoluções de mentalidade, sobretudo desde o 25 de Abril, a que o mais recém-feminista não podia ser mais alheio.
Mas não ficamos por aqui. Como, exatamente, é que o Chega se propõe a “defender as mulheres”? Das 16 vezes que a palavra “mulher” aparece no seu programa, 10 são em associação à maternidade/gravidez ou vida familiar, 1 é sobre “impedir o avanço do fundamentalismo islâmico”, que objetivamente não existe em Portugal e serve apenas uma narrativa xenófoba, e 2 são sobre não reconhecer mulheres trans como “mulheres biológicas”, o que quer que isso seja.
Por outras palavras, para o Chega, o papel da mulher na sociedade prende-se, maioritariamente, com a sua capacidade de engravidar e constituir família. Alternativamente, os direitos das mulheres servem também como pretexto para discursos e medidas xenófobas e transfóbicas, com a desculpa de que estão a “proteger as mulheres”.
Após as suas elucidadíssimas declarações quanto à fragilidade da condição feminina, o Dr. Pinto Pereira sentiu a necessidade de esclarecer a audiência quanto à circunstância de “estarmos a ficar populados por pessoas que não falam a nossa língua e não são ‘nossos’”. Um brilhante orador, portanto.
A ministra Ana Abrunhosa, que estava no debate enquanto representante do PS por Coimbra, abandonou a mesa, afirmando que se “recusa” a participar em discursos xenófobos. Fez bem. Talvez não tenha sido a atitude mais eficaz do ponto de vista da estratégia eleitoral, uma vez que os democratas devem ser capazes de se sentar à mesa com os iliberais, refutando as suas ideias e convencendo a audiência do superior mérito das suas posições. Isto, na teoria. Na prática, a atitude de Ana Abrunhosa é perfeitamente compreensível e reflete o cansaço de muitas de nós ao ouvir, sucessivamente, as barbaridades proferidas pelos senhores do Chega que, ainda por cima, agora se apresentam, sonsamente, como defensores dos nossos direitos para fins puramente racistas. É, realmente, nauseante.
Após a saída da ministra, o feminista António Pinto Pereira defendeu-se: “Defendo as mulheres porque entendo que são muito mais importantes e valiosas do que os homens, ponto final.” Tenho a sensação de que muitos militantes do Chega se insurgirão contra esta afirmação, mas nada temam: a declaração não deixa de ser profundamente machista e não tem nada de feminista. É que o Dr. Pinto Pereira só afirma que as mulheres “são muito mais importantes e valiosas do que os homens” precisamente porque as perceciona como seres frágeis, carentes de proteção e merecedoras da sua condescendência, honrando os valores machistas do seu partido. Caso considerasse que as mulheres são seres humanos iguais aos homens – capazes dos mesmos defeitos e mesmas virtudes – certamente não nos presentearia com semelhante afirmação. ●