SÁBADO

O TRAFICANTE QUE SE TORNOU INFLUENCER

Arquimedes Nicastro foi condenado, esteve preso e sobreviveu para contar a sua história. Escreveu um livro e tornou-se advogado criminal.

- Por Susana Lúcio

Eram 7h da manhã quando o batalhão de choque da Polícia Militar do estado de São Paulo (ROTA), Brasil, invadiu a casa de Arquimedes Nicastro, em Atibaia. “Pensei que seria morto nesse dia”, conta o então traficante de haxixe no seu canal de YouTube. No dia 4 de maio de 2012, o jovem, então com 27 anos, foi um de uma dúzia de detidos numa grande operação policial contra o crime organizado. Quando chegou à cadeia era famoso. “Passou na televisão e os caras da cela viram: ‘Você é grandão!’”, recorda. Só saiu em 2015 e não regressou ao crime. Escreveu um livro, Lo-Debar (referência à Terra dos Esquecidos da Bíblia), e em 2020 criou um canal de YouTube, que hoje tem 204 mil subscritor­es, onde conta a sua experiênci­a e quer mostrar os reclusos como seres humanos.

Radialista e músico numa banda, foi seduzido para o crime pelo dinheiro. Ganhava cerca de 280 euros por mês e ofereceram-lhe quase 9.400 euros para encontrar um local onde descarrega­r haxixe oriundo do Paraguai. “Quando recebi os primeiros 5 mil reais [935 euros] fui para o shopping como criança, me lambuzando com aquele dinheiro”, conta.

RADIALISTA, FOI SEDUZIDO PARA O CRIME PELO DINHEIRO. GANHAVA €280 POR MÊS, OFERECERAM-LHE €9.400

A partir de 2008 ficou responsáve­l pela logística do tráfico de haxixe na região de Atibaia, no estado de São Paulo. Comprou um terreno, construiu uma casa e acreditou que nunca seria apanhado. “Sentimo-nos o gajo mais esperto”, diz. Nunca ameaçou ninguém por falta de pagamento, mas conta que um amigo foi morto depois de ter ameaçado outro bandido. “O cara pensou: ‘Chora a mãe dele, não chora a minha.’”

Execuções com cocaína

A primeira noite na cadeia foi posto numa cela com capacidade para 10 reclusos, mas onde estavam 40. “O último a chegar dorme junto ao banheiro. Dormimos três num colchão de solteiro.” Com o tempo, tornou-se o mediador de conflitos da cela e depois do pavilhão e era ele que escrevia os recursos judiciais dos parceiros. Garante que a ideia de uma cadeia onde há sempre violência – com execuções e violações – não é

verdadeira. “Quando chegamos há um acolhiment­o dos mais velhos: ‘calma, estamos no mesmo sofrimento’, dizem-nos.” O ruído constante só para na hora da telenovela e do jornal da noite.

Arquimedes Nicastro explica que isso não quer dizer que não haja execuções nas prisões, só que os métodos mudaram. E esclarece: já não se esfaqueia porque provoca muita burocracia, usa-se bebida injetada com doses fatais de cocaína.

Para sobreviver, leu vários livros e escreveu três sobre o seu dia a dia, desafiado por uma amiga. Como líder de pavilhão dos reclusos, negociava com o diretor reivindica­ções, como mais medicament­os, e esteve à beira de incitar ao motim. “Mas o preso não quer a rebelião.”

Quando saiu da prisão, a primeira

COMO LÍDER DE PAVILHÃO DA CADEIA AMEAÇOU INCITAR OS RECLUSOS AO MOTIM

coisa que fez foi beber um refrigeran­te de laranja gelado e tomar um duche de água quente: luxos impossívei­s na cadeia. Agora dá palestras sobre o Poder das Escolhas. “Digo para os jovens: Quer tomar droga? Força, mas prepare-se para as consequênc­ias.” Outra mudança: formou-se em Direito Criminal para ajudar as famílias de reclusos a lidar com o sistema judicial brasileiro. ●

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Vendeu mais de 10 mil livros sobre a sua vida na cadeia. Uma das suas participaç­ões em podcasts teve mais de 2 milhões de visualizaç­ões
▶ Sucesso Vendeu mais de 10 mil livros sobre a sua vida na cadeia. Uma das suas participaç­ões em podcasts teve mais de 2 milhões de visualizaç­ões
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Aqui no podcast Escola Sonora,
em Itatiba, São Paulo, em 2021 2
2 Aqui no podcast Escola Sonora, em Itatiba, São Paulo, em 2021 2
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1 Arquimedes Nicastro conta a sua história em vários podcasts 1
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