UMA TRAGÉDIA GREGA ATUAL
A celebrar 26 anos, a companhia Assédio regressa aos textos de Martin Crimp com a peça Terno e Cruel, em cena no Teatro Nacional São João, no Porto, até 3 de março.
João Cardoso: “Martin Crimp tem uma visão muito irónica sobre a realidade. A tragédia às vezes surge-nos como uma espécie de teatro do absurdo”
A PARTIR de As Traquínias, tragédia grega de Sófocles (497 ou 496 a.C.) sobre amor, guerra e ciúmes, nasceu Terno e Cruel (2004), uma adaptação do dramaturgo britânico Martin Crimp para os tempos modernos. O casal da história original, Dejanira e Héracles, foi transformado num general que comete atrocidades e crimes de guerra, e numa mulher que anseia pelo regresso do marido a casa. Ainda assim, as duas tragédias encontram-se na forma como abordam o sofrimento causado pela guerra e as suas consequências.
A companhia portuense Assédio, que celebra 26 anos de existência, revisita o texto de Martin Crimp no Teatro Nacional São João, no Porto. Esta é a sétima peça do autor produzida pela companhia, que já revisitou obras de Crimp como Play with Repeats (1990) e Attempts on Her Life (1997). A nova encenação pode ser vista a partir desta quinta-feira, 22, até 3 de março.
Em Terno e Cruel, de Martin Crimp, as personagens ganham traços psicológicos que não tinham na tragédia grega original, tornando-se menos ingénuas e mais impenitentes. João Cardoso, encenador, decidiu seguir o mesmo caminho. “Martin Crimp adaptou [a peça], mas atualizou-a também. Pôs-nos à frente personagens que facilmente identificamos como reais. Ele tem sempre uma visão muito irónica sobre a realidade, portanto, a tragédia às vezes surge-nos como uma espécie de teatro do absurdo. São cenas hiperirónicas”, detalha à SÁBADO.
O encenador realça ainda a importância da peça no contexto atual: “No momento atual, com guerras na Europa e em Israel é oportuno [voltar a este texto].”
Tal como Martin Crimp pretendia, a peça chama a atenção para o que se passa à nossa volta. “Às vezes vemos as notícias no jornal e quase nem ligamos. Acho que o espetáculo chama a atenção para isso, para estarmos mais atentos e intervirmos, na medida do possível”, vinca João Cardoso.
Do elenco fazem parte atores como Ângela Marques, Daniel Silva, Inês Afonso Cardoso, João Castro, Lé Baldé, Luísa Guerra e o próprio encenador. ●