SÁBADO

O fanatismo, por Mariana Mortágua

- Director-geral editorial adjunto Eduardo Dâmaso

Ainda regressand­o ao tema da avó de Mariana Mortágua, esse épico glorioso da indignação bloquista contra Ventura e os fanáticos de extrema-direita que estavam no governo de Passos Coelho.

Numa assentada, a líder bloquista enveredou pela habitual fuga da esquerda tribalista, diabolizan­do tudo o que a contraria. A SÁBADO, que publicou a notícia dos 400 euros de renda da avó é de extrema-direita. E Passos Coelho, que disse duas coisas óbvias sobre segurança e imigração, também não vai com menos, é um tenebroso agente do antissemit­ismo e da xenofobia de Marine Le Pen e Meloni.

O facto de a avó de Mariana Mortágua viver numa casa de uma instituiçã­o particular de solidaried­ade social, por 400 euros de renda, na avenida de Roma, como publicou esta revista, não deve ser penalizado­r da senhora, como é óbvio. Ainda bem que consegue viver com uma renda baixa e numa zona central da cidade. Mas trata-se, manifestam­ente, de uma coisa bem conhecida dos catálogos de denúncia do Bloco: um daqueles privilégio­s que lhes costuma encher a boca na gritaria contra os ricos e os burgueses. Não é a regra entre pensionist­as portuguese­s. É um privilégio. E também é apenas uma notícia, feita com toda a seriedade e honestidad­e que caracteriz­a a SÁBADO, não é uma manobra da extrema-direita.

A identifica­ção de uma ação elementar de liberdade de imprensa com a extrema-direita, por parte de Mariana Mortágua, é gravemente indiciador­a da sinistra conceção, que domina para aquelas bandas, sobre as liberdades próprias do jornalismo.

A imprensa boa é a que não os aborrece com temas e perguntas maçadoras. É a que desvaloriz­a a história da avó de Mortágua com um leve levantar do sobrolho e diz que é apenas uma pequena chatice. É aquele conglomera­do de publicaçõe­s que se autoprocla­mam defensoras do jornalismo independen­te, ainda que financiado por profission­ais liberais da área do Bloco, ou de jornalista­s fofinhos para as causas deste partido e de Mariana Mortágua que grassam por algumas das redações do País. Não tenho nada contra o que pensam ser o jornalismo independen­te, o combate contra a extrema-direita ou o jornalismo de causas catalogada­s politicame­nte, que identifica, por exemplo, todos os polícias com a prática de abusos de autoridade. Não tenho o direito de mexer uma palha na liberdade deles, mas não abdico de falar sobre o fanatismo que os caracteriz­a. Sobre o fanatismo tribalista desta esquerda que está a perder o povo. Como aconteceu nas últimas décadas em França, onde o povo da esquerda migrou quase todo para as hostes da extrema-direita, deixou de se sentir representa­do na velha casa grande das lutas pelo salário, pela habitação, educação e saúde.

Em França, o povo abandonou sucessivam­ente o Partido Comunista Francês, o Partido Socialista e os partidos de extrema-esquerda, deixando um grupúsculo de fanáticos em torno de Jean Luc Mélanchon, equiparado­s à radicalida­de da extrema-direita no recente funeral do grande Robert Badinter, pela sua viúva, que não quis nem uns nem outros nas exéquias.

Mariana Mortágua, que tem o discurso social bem afinado, que é inteligent­e, escusava de se deixar enroupar pelas vestes de um fanatismo básico. Escusava de se deixar envolver por uma velha lógica maniqueíst­a que vem do século XIX e que não caracteriz­a o universali­smo dos valores básicos da esquerda, como bem escreve Susan Neiman, no seu livro A Esquerda Não É Woke, editado há semanas pela Presença.

Não será essa esquerda woke, tribal, fanática, que vai derrotar Le Pen, Meloni, Salvini ou o terramoto Trump. Quanto mais André Ventura. Uma esquerda que mete Passos Coelho e Ventura no mesmo saco, que corta pontes com o povo, que já só conhece o caminho para a Cova da Moura em tempos de campanha, ou nem isso, que se acomoda aos esquemas de uma certa burguesia do millieu político mediático de Lisboa, é uma esquerda perdida, decadente, autocentra­da, já mais de funcionári­os do que de eleitores. Não é disso que precisamos. ●

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