O fanatismo, por Mariana Mortágua
Ainda regressando ao tema da avó de Mariana Mortágua, esse épico glorioso da indignação bloquista contra Ventura e os fanáticos de extrema-direita que estavam no governo de Passos Coelho.
Numa assentada, a líder bloquista enveredou pela habitual fuga da esquerda tribalista, diabolizando tudo o que a contraria. A SÁBADO, que publicou a notícia dos 400 euros de renda da avó é de extrema-direita. E Passos Coelho, que disse duas coisas óbvias sobre segurança e imigração, também não vai com menos, é um tenebroso agente do antissemitismo e da xenofobia de Marine Le Pen e Meloni.
O facto de a avó de Mariana Mortágua viver numa casa de uma instituição particular de solidariedade social, por 400 euros de renda, na avenida de Roma, como publicou esta revista, não deve ser penalizador da senhora, como é óbvio. Ainda bem que consegue viver com uma renda baixa e numa zona central da cidade. Mas trata-se, manifestamente, de uma coisa bem conhecida dos catálogos de denúncia do Bloco: um daqueles privilégios que lhes costuma encher a boca na gritaria contra os ricos e os burgueses. Não é a regra entre pensionistas portugueses. É um privilégio. E também é apenas uma notícia, feita com toda a seriedade e honestidade que caracteriza a SÁBADO, não é uma manobra da extrema-direita.
A identificação de uma ação elementar de liberdade de imprensa com a extrema-direita, por parte de Mariana Mortágua, é gravemente indiciadora da sinistra conceção, que domina para aquelas bandas, sobre as liberdades próprias do jornalismo.
A imprensa boa é a que não os aborrece com temas e perguntas maçadoras. É a que desvaloriza a história da avó de Mortágua com um leve levantar do sobrolho e diz que é apenas uma pequena chatice. É aquele conglomerado de publicações que se autoproclamam defensoras do jornalismo independente, ainda que financiado por profissionais liberais da área do Bloco, ou de jornalistas fofinhos para as causas deste partido e de Mariana Mortágua que grassam por algumas das redações do País. Não tenho nada contra o que pensam ser o jornalismo independente, o combate contra a extrema-direita ou o jornalismo de causas catalogadas politicamente, que identifica, por exemplo, todos os polícias com a prática de abusos de autoridade. Não tenho o direito de mexer uma palha na liberdade deles, mas não abdico de falar sobre o fanatismo que os caracteriza. Sobre o fanatismo tribalista desta esquerda que está a perder o povo. Como aconteceu nas últimas décadas em França, onde o povo da esquerda migrou quase todo para as hostes da extrema-direita, deixou de se sentir representado na velha casa grande das lutas pelo salário, pela habitação, educação e saúde.
Em França, o povo abandonou sucessivamente o Partido Comunista Francês, o Partido Socialista e os partidos de extrema-esquerda, deixando um grupúsculo de fanáticos em torno de Jean Luc Mélanchon, equiparados à radicalidade da extrema-direita no recente funeral do grande Robert Badinter, pela sua viúva, que não quis nem uns nem outros nas exéquias.
Mariana Mortágua, que tem o discurso social bem afinado, que é inteligente, escusava de se deixar enroupar pelas vestes de um fanatismo básico. Escusava de se deixar envolver por uma velha lógica maniqueísta que vem do século XIX e que não caracteriza o universalismo dos valores básicos da esquerda, como bem escreve Susan Neiman, no seu livro A Esquerda Não É Woke, editado há semanas pela Presença.
Não será essa esquerda woke, tribal, fanática, que vai derrotar Le Pen, Meloni, Salvini ou o terramoto Trump. Quanto mais André Ventura. Uma esquerda que mete Passos Coelho e Ventura no mesmo saco, que corta pontes com o povo, que já só conhece o caminho para a Cova da Moura em tempos de campanha, ou nem isso, que se acomoda aos esquemas de uma certa burguesia do millieu político mediático de Lisboa, é uma esquerda perdida, decadente, autocentrada, já mais de funcionários do que de eleitores. Não é disso que precisamos. ●