O campeonato da vitimização
NOS ÚLTIMOS TEMPOS
tem sido apontado o surgimento de uma cultura de “vitimização”, associada à esquerda, pelos críticos do “wokismo”. À medida que as mulheres e as várias minorias vão ganhando voz para denunciar as desigualdades que sofrem, o exercício em que alguém se apresenta publicamente como vítima tem sido incentivado e, em alguns espaços, essa qualidade podee trazer a tão desejada atenção doss pares e até popularidade em maioror escala. Veja-se o caso do comedianteante nor-norte-americano Hasan Minhaj,nhaj, re-recentemente denunciado porpor ter contado histórias falsas so-bre a sua vida pessoal, nasas quais sofria discriminaçãoo por ser de ascendência in-diana e muçulmano. Subitamente, ser “vítima” e ser “oprimido” é algo que pode compensar, para além da condescendente “pena”, como uma forma de ganhar credibilida-dade e admiração.
Reconheço pertinência à crítica e penso que, à esquerda, devemos estar atentos a este vício. Refle-tindo mais profundamenteente sobre este viés, apercebo--me que a tendência para a viti-vitimização como forma de açãoação polí-política e mediática não é exclusivaclusiva da esquerda. Também à direitaita observamos, cada vez mais, um discurso que premeia a qualidade de ser “vítima” – com uma grande diferença essencial: é que, à direita, os opressores, os causadores da violência que se propõem combater, são imaginários.
Observamos este fenómeno, desde logo, em dois grandes temas: a alegada insegurança causada pelos imigrantes e a doutrinação causada pela “ideologia de género” nas escolas. Em ambos os casos, a direita se propõe defender as supostas vítimas de perigos que, objetivamente, inexistem.
Pedro Passos Coelho, num comício da campanha da AD na Escola de Hotelaria e Turismo do Algarve, em Faro, disse: “Nós precisamos de ter um País aberto à imigração, mas cuidado que precisamos também de ter um País seguro. Na altura, o governo fez ouvidos moucos disso e, na verdade, hoje as pessoas sentem uma insegurança que é resultado da falta de investimento e de prioridade que se deu a essas matérias. Não é um acaso.” Isto, na mesma semana que David Freitas, coordenador da investigação criminal da Unidade Nacional Contra o Terrorismo da PJ, deu uma entrevista ao Diário de Notícias afirmando a total inexistência de um nexo causal entre mais imigração e criminalidade. Também Luís Marques Mendes, insuspeito de esquerdismo, demonstrou, no seu comentário de domingo à noite na SIC, que apesar do aumento da população estrangeira em Portugal, verificou-se uma diminuição do número de reclusos estrangeiros.
Em suma, todos os indicadores desmentem a existência de um nexo causal entre mais imigrantes e mais criminalidade. Mas Pedro Passos Coelho não quis que os factos atrapalhassem um bom momento de vitimização com enorme potencial de mobilização de votos e decidiu, por isso, militar em defesa de um suposto “sentimento” de insegurança pela presença de migrantes, o que, trocado por miúdos, se chama xenofobia e racismo.
Quem sofre, realmente, de insegurança são as mulheres portuguesas nas suas casas, vítimas de violência doméstica. Curiosamente, as mesmas vítimas de insegurança que o Chega quer desproteger em nome do combate à “ideologia de género”. “Ideologia de género”, uma vez mais, é uma expressão inventada na década de 1990, no Conselho Pontifício para a FamíliaFamília, da Congregação para a Doutrina da Fé, ala conservadora da Igreja Católica, mais rececentemente usada pela extretrema-direita para demonizar a igualdade de género e os ideais feministas de emancipação das mulheres e da comunidade LGBT+ sob a capa da defesa dos “direitos das crianças”. É sob este pretexto que o Chega se propõe cortar financiamento para auxílio a estas (verdadeiras) vítimas.
No fundo, é quase como se a direita mais extrextremista se quisesse ocupar do combate a fantasmas para nos distrair das verdadeiras fontes de opressão. No campeonato da vitimização, prefirofiro sempsempre alinhar com quem vai mantendo alguma adesão à realidadedade e aos factos. ●