SÁBADO

A MALA MAIS DESEJADA JÁ É QUARENTONA

- Por Vanda Marques

Tem lista de espera, não se compra nas lojas da Hermès – tem de ser encomendad­a – e é inspirada na cantora Jane Birkin. A invenção de Jean-Louis Dumas continua a atrair estrelas como as Kardashian, Gigi Hadid e Jennifer Lopez.

Uma conversa de aeroporto nunca foi tão rentável ou inspirador­a. Jane Birkin estava no avião ao lado do presidente da casa de alta-costura Hermès, Jean-Louis Dumas e queixava-se de como as carteiras não eram práticas. “Disse-lhe: ‘Porque não fazem uma mala quatro vezes maior que a Kelly [carteira dedicada à atriz Grace Kelly], que possa ser usada aberta? As raparigas gostam de ter as coisas todas à mão e conseguirm­os esticar o braço e tirar de lá o que precisamos’”, contou Jane Birkin numa entrevista à CNN.

Reza a lenda que nesse voo entre Paris e Londres a cantora pegou num saquinho para vomitar típico de aviões e desenhou aquela que viria a ser uma das malas mais desejadas do mundo. Antes disso, Dumas tinha reparado como a própria cantora tinha deixado cair os seus pertences da mala que usava. Estávamos em 1983 e um ano depois a famosa casa francesa lançava a carteira Birkin.

A cantora e atriz inglesa ajudou a tornar a mala conhecida e inicialmen­te bastava-lhe receber um exemplar, pelo uso do seu nome. Mas o sucesso foi tal que a Hermès começou a dar-lhe parte do lucro, que Jane doava à caridade. Estima-se que recebesse cerca de 40 mil dólares [36 mil euros] em royalties.

“Sabes, quando morrer as pessoas vão-se lembrar da música Je T’Aime Moi Non Plus, mas provavelme­nte só vão falar da carteira”, desabafou na mesma entrevista à CNN. A verdade é que nos obituários da atriz, que morreu em 2023, além do famoso álbum que fez com o ex-marido Serge Gainsbourg – apenas um numa carreira com mais 16 discos e 90 filmes –, a carteira entrou em todos os textos sobre a sua vida.

De carteira prática para quem precisava de carregar tudo, tornou-se símbolo de status. Jane Birkin chegou a brincar com o tamanho excessivo da carteira – que a cantora gostava de personaliz­ar com autocolant­es das causas que defendia – e brincou a dizer que já tinha um problema no braço por colocar lá dentro tantas coisas.

Em entrevista à Vogue, em 2012,

explicava o que transporta­va na carteira: “A minha agenda, o meu Blackberry, as fotografia­s das minhas filhas [Kate Barry, Charlotte Gainsbourg e Lou Doillon], a minha maquilhage­m. Lá dentro encontro a confusão de que sempre gostei.” Quanto à popularida­de da Birkin – quer as falsas quer as verdadeira­s, tornaram-se ainda mais mediáticas com a ajuda de Victoria Beckham, que tem uma coleção de 100, e da série Sexo e a Cidade –, a atriz tinha ideias, no mínimo originais. “É bom que todos queiram ter uma. Continuo a dizer à Hermès façam uma de plástico, divirtam-se. Ou até uma de papelão. Assim não seria tão pesada. Se as pessoas preferem a verdadeira, tudo bem, mas se querem as réplicas, tudo bem. Não penso nessas coisas.”

Dezoito horas de costura

Mas a exclusivid­ade de uma carteira como a da Hermès – casa fundada em 1837 – não lida bem com plásticos. A pele é de mais alta qualidade, tal como era tradição da empresa, que começou por fazer selas e arreios para cavalos. Há carteiras feitas de pele de avestruz, couro de alta qualidade, como o de vitela e até de crocodilo. Uma das mais famosas foi feita desta pele, com ouro e diamantes, foi vendida por 450 mil euros. Os crocodilos de água salgada são os que têm a melhor pele e são necessário­s três para dar origem a uma carteira. Jane Birkin não gostou nada de saber que o seu nome estava envolvido com este tipo de exploração animal. A PETA (organizaçã­o People for the Ethical Treatment of Animals) incentivou a Hermès a considerar alternativ­as mais amigas dos animais. Birkin até fez um comunicado e pediu para retirarem o seu nome “da Birkin Croco até que melhores práticas, de acordo com as normas internacio­nais, sejam adotadas”.

Polémicas à parte, estes 40 anos da Birkin só têm contribuíd­o para o cresciment­o da marca. Aliás, a carteira Birkin vai aumentar o preço este ano. Isto depois de, no quarto trimestre de 2023, as suas vendas terem disparado 17,5%. Com preços a

A CANTORA JANE BIRKIN USOU UM SAQUINHO PARA VOMITAR DO AVIÃO PARA DESENHAR A MALA

começar nos 9 mil euros e a ultrapassa­r os 220 mil euros – uma chegou mesmo aos 2 milhões de dólares [1,8 milhões de euros], a Sac Bijou Birkin feita de diamantes. O fascínio de estrelas como as Kardashian, cantoras como Jennifer Lopez, modelos como Gigi Hadid, permanece. Quão especial tem de ser uma carteira com pouco mais de 1,5 kg, cerca de 25 cm de largura, um número de série? Nas palavras de Birkin, que odiava mudar de carteira: “Ela vai para onde eu for. Vai apanhar os mesmos aviões e vai ser apertada e carregada e até pode terminar como uma almofada.” ●

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A cantora anglo-francesa Jane Birkin, que deu o nome ao modelo de malas Hermès
2 A cantora anglo-francesa Jane Birkin, que deu o nome ao modelo de malas Hermès
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Kim Kardashian (ao centro) num jogo da NBA em Newark, a usar uma mala Birkin

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