ESTE AMOR TÃO IMPROVÁVEL
A cineasta Jeanne Waltz leva ao grande ecrã um romance de Lídia Jorge. Um Vento Assobiando nas Gruas, acabado de chegar às salas, vale pela protagonista – mas perde na transposição literária.
MILENE não parece bem deste mundo. Sabemos, pelo livro de Lídia Jorge, que é oligofrénica – isto é, alguém com uma deficiência de desenvolvimento mental. Mas isso é dito, em O Vento Assobiando nas Gruas (2002), quase à socapa, depois de a conhecermos bem, de nos tornarmos íntimos desta mulher que parece resgatar uma certa infantilidade, uma imprevisibilidade que o cinismo da vida adulta normalmente faz perder.
No novo filme da cineasta suíça (vive em Portugal há muitos anos) Jeanne Waltz, que adapta ao grande ecrã o romance de Lídia Jorge e lhe pede emprestado o título, o que se vai percebendo, cena a cena, é que Milene, interpretada com fulgor por Rita Cabaço, é diferente. E Antonino (Milton Lopes), operador de gruas, pai e viúvo, percebe-o, deixa-se cativar por isso, vira a vida de pernas para o ar graças a esse fascínio.
Com argumento da própria cineasta, que já realizou filmes como Daqui p’ra Alegria (2004) e Pas Douce (2007) além de um conjunto alargado de curtas-metragens, O Vento Assobiando nas Gruas é uma história de um amor improvável. Quase tudo separa Milene e Antonino: as famílias, a origem social, o momento da vida (ela está solteira, ele numa relação). E as unidades familiares numa perspetiva contenciosa: de um lado, Antonino e os seus a viver nas instalações de uma antiga fábrica no Algarve, do outro os familiares de Milene que, face à morte da matriarca da família (avó da protagonista), têm outras ideias para a antiga fábrica, que herdaram: um grande projeto imobiliário que os inquilinos atrapalham. A violência – com que se mutila um corpo indefeso, o de Milene – também passa por aqui.
Com algum apuro estético e imagético, o filme, que tem no elenco outros nomes conhecidos (Carla Maciel, Beatriz Batarda, João Lagarto…), vale-se sobretudo da interpretação da protagonista, Rita Cabaço, que corporiza esta mulher tão invulgar. Porém, o argumento e a transposição literária para o formato narrativo de filme revelam algumas fragilidades, com várias personagens retratadas de forma pincelada e sem grande detalhe, e com alguns diálogos que parecem forçados, seja pela inverosimilhança, seja pela forma algo mecânica como parte do texto é dito. ●
O que se vai notando cena a cena é que Milene é diferente – e Antonino, operador de gruas, viúvo, percebe-o e deixa-se cativar por isso, vira a vida do avesso movido pelo fascínio