O mundo é das crianças
CENÁRIOS PÓS-ELEITORAIS? Há para todos os gostos. Mas ainda ninguém ponderou seriamente o mais provável, que me foi segredado ao ouvido pela mesma fonte de José Luís Carneiro: no dia 10 de Março, a AD vence sem maioria absoluta e os deputados da IL não chegam para compor o ramalhete. Luís Montenegro, sem saber ao certo o que fazer, resolve ir dar um passeio para esticar as pernas e arejar as ideias, antes de falar aos jornalistas. “Não é não”, disse ele, em tempos, sobre arranjos com o Chega. Mas, com esse “não”, lá se vai a possibilidade de chegar a primeiro-ministro.
Perdido em tais pensamentos, Luís Montenegro sai do quarto do hotel e tropeça numa bandeja que alguém deixou no corredor com restos de esparguete à bolonhesa. Bate com a cabeça no chão e, quando recupera os sentidos, não sabe onde está. Aliás, nem sabe quemé.A comitiva, alarmada como estrondo, vem em seu socorro. Montenegro levanta-se, limpa os restos de massa que tem colados à testa e alguém da equipa pergunta: “Estás bem, Luís? Que fazemos agora? Ligamos ao Ventura a dizer que sim?”
O líder do PSD, confuso com as perguntas e envergonhado com a sua figura, dá o seu assentimento com a cabeça. Um dos assessores, radiante, dispara: “Vou já fazer o discurso.”
Quando aparece em frente às câmaras, Luís Montenegro anuncia ao País um acordo com o Chega para governar. Há desmaios na sala, gritos, alguns insultos. Um dos jornalistas presentes imola-se pelo fogo.
Montenegro retira-se para os bastidores, pede que o deixem em paz e, já no quarto, encomenda pelo room service uma bela pratada de esparguete à bolonhesa. Ri alto – gargalhadas insanas de maldade e desafio. Depois, liga a Passos Coelho e reconhece: “Tinhas razão, Pedro, estes gajos são fáceis de enganar.”
E POR FALAREM PASSOS COELHO:
gosto quando as palavras fazem tremer o auditório. Em Inglaterra, o filme Música no Coração terá a classificação etária aumentada porque um dos personagens abusa da palavra “hotentotes” para se referir a pessoas de cor. Quem são os “hotentotes”? Uma tribo nómada da África do Sul que, naturalmente, merece dignidade e respeito.
Não podia estar mais de acordo. Eu próprio já estava cansado de ouvir por aí o desprezo a que esta tribo tem sido votada. “Vai para a tua terra, ó hotentote!” é um insulto comum entre taxistas, a que devemos juntar o clássico “não gosto de yorubas” (outra tribo) e “estes maasai vêm para cá roubar empregos” (outra ainda).
Mas não são apenas as crianças que têm de ser protegidas de palavras nefastas. Os adultos também merecem uma mão paternal. Bastou vê-los em estado de choque quando Pedro Passos Coelho, em plena campanha da AD, resolveu pronunciar as palavras “segurança” e “imigração”.
Partidos e comentadores, tal como as crianças inglesas, choraram copiosamente. Pobrezinhos. Não saberá o dr. Passos que “segurança” e “imigração” são dois temas proscritos pela política contemporânea? E que os mesmos são coutada exclusiva de forças extremistas, que agradecem a deserção dos partidos moderados para poderem explorar esses territórios à vontade?
No dia em que a “segurança” e a “imigração” forem discutidas em público com a mesma naturalidade com que hoje se discutem a saúde, o ensino ou a fiscalidade, os extremistas de direita perdem metade do seu eleitorado. Eu diria até que voltam a ser pigmeus, se isso não fosse tão ofensivo para a tribo respectiva.
NASELEIÇÕESDEMARÇO,
estou curioso com o resultado da Alternativa Democrática Nacional. Facto: em 2022, o partido ficou-se pelos 0,2%. Mas agora, informa a CNN Portugal, já atinge 1%. Como explicar este salto?
Alguns dirão que o talento de Bruno Fialho está finalmente a ser reconhecido. Sem desprimor para o próprio, creio que a razão é mais pedestre: o eleitorado pode estar a confundir a Alternativa Democrática com a Aliança Democrática. Quando pensam que votam na AD, estão na verdade a engordar a ADN.
A confirmar-se esta hipótese, abre-se aqui um caminho promissor para os pequenos partidos sem representação parlamentar: a imitação onomástica dos crescidos.
E não será de espantar que, em próximas oportunidades, apareça no boletim de voto um Livra, um Chaga, até um Bloco de Esquemas. ●