Dicionário eleitoral
AD— Luís Montenegro tinha duas missões nesta campanha: segurar o centro e estancar a sangria para a direita radical. Agiu em conformidade – e com apenas três palavras: “Não é não.” Recusar entendimentos com o Chega terá tranquilizado o rebanho “moderado”, que fugiu para o PS em 2022 com as trágicas ambiguidades de Rui Rio. Além disso, ao expor o Chega como um partido inútil, obrigou os trânsfugas da direita a pensarem duas vezes na utilidade do seu voto. Muitos terão concluído: “Deixo o protesto para as europeias, agora vamos à mudança.” Resta saber: vamos mesmo?
BE — Tino de Rans perdeu a graça toda. Mariana Mortágua, pelo contrário, foi a humorista de serviço com histórias mirabolantes sobre a avó e o pai que acabaram sempre desmentidas pelos factos. Se repetir a modesta votação de 2022, será pelos relevantes serviços prestados à comédia.
CDU — Na hora de escolher um novo líder, o PCP tentou encontrar no seu Comité Central alguém que fosse eficaz a passar a mensagem do partido através dos meios de comunicação social que existiam em 1917. Estou a ser injusto. O ano é 1927. Escolheram Paulo Raimundo, um homem simpático, que simpaticamente corre o risco de ser largado a solo no parlamento sem saber ler nem escrever.
CHEGA — Nos partidos populistas, atenção é adubo. Nesta campanha, André Ventura teve pouca atenção dos seus adversários directos. O PSD acautelou o voto útil, cortando o mal pela raiz, mas o PS, ironicamente, também: nos debates, André Ventura, atrevidote, já falava para o eleitorado socialista, cobrindo cada promessa de Pedro Nuno Santos – nos salários, nas pensões – com uma promessa ainda mais delirante. Resultado: os socialistas, talvez pela primeira vez desde 2019, perceberam que não é apenas o centro-direita a perder a clientela para os extremos. O populismo, como se vê em qualquer país europeu, é omnívoro e come de todos os pratos, razão pela qual Pedro Nuno Santos abandonou o espantalho por temer que ele afugentasse também o eleitorado tradicional do PS. Se o Chega duplicar a votação de 2022, estacionando nos 14%, será sempre uma vitória. Mas, para quem sonha com voos mais altos, ter ficado a falar sozinho não é um bom presságio.
IL — Esmagado pelo voto útil, Rui Rocha teve a missão mais difícil de todos. Passou com distinção – pelo arrojo das propostas e pela desarmante autenticidade do candidato. Além disso, a IL surge destacada entre os mais jovens – uma boa notícia para o presente e, sobretudo, para o futuro. Desde que eles não emigrem, entretanto.
LIVRE — Rui Tavares foi o canário na mina da esquerda radical. Não resistiu aos fumos tóxicos que começaram a ser produzidos assim que admitiu conversar, e apenas conversar, com a direita “democrática”. Não saberá o Rui que não existe direita “democrática”? Esta poderosa exibição de fanatismo do Bloco, por contraposição à civilidade de Rui Tavares, pode ser o seu principal activo para crescer. (E o Bloco sabe disso.)
PS — “Mais ação”, prometeu Pedro Nuno Santos na campanha. Será que isso significa que não houve acção suficiente nestes oito anos de Governo? Parece. Até porque o candidato foi exemplar ao ignorar o “legado” de António Costa. Mesmo as “contas certas”, que são o melhor desse legado, foram sempre um embaraço para um homem que tem de provar a cada momento o seu esquerdismo bona fides. Um verdadeiro esquerdista não faz contas; faz pontes. De preferência, com a extrema-esquerda – uma estratégia que deve ter encantado o eleitorado flutuante do centro. Perante estas ingratidões, não admira que as intervenções de António Costa na campanha tenham sido brilhantes – e venenosas. “É tempo de ter alguém que tenha experiência de decidir”, afirmou Costa (sem se rir), relembrando ao País que aquele Pedro Nuno era o mesmo que decidira por capricho a localização de um aeroporto sem dar cavaco ao primeiro-ministro. Para que a maldade fosse perfeita, só faltava acrescentar que as decisões de Pedro Nuno são tão rápidas que até podem ser tomadas por WhatsApp.
PAN— Teve o melhor cartaz da campanha: “Touradas só na cama.” Depois de domingo, veremos se a representação parlamentar não seguirá para a mesma arena. ●